Paulo Guedes: a avaliação é que a agenda econômica ortodoxa, que já estava perdendo força em meio à crise da pandemia do coronavírus, tende a ficar ainda mais de lado no governo (Ueslei Marcelino/Reuters)
Reuters
Publicado em 24 de abril de 2020 às 14h23.
Última atualização em 24 de abril de 2020 às 16h14.
A saída conturbada e pedido de demissão de Sergio Moro do governo, anunciada nesta sexta-feira, já alimenta entre economistas preocupações sobre o futuro do ministro da Economia, Paulo Guedes, no governo Jair Bolsonaro.
A avaliação é que a agenda econômica ortodoxa, que já estava perdendo força em meio à crise da pandemia do coronavírus, tende a ficar ainda mais de lado no governo diante de esforços do presidente para se reposicionar politicamente.
O Ministério da Economia anunciou nesta o cancelamento de compromissos de Guedes em dia marcado pelo forte discurso de Moro ao entregar o cargo.
Guedes participaria de live do banco Itaú a partir das 10h30, mas cancelou a participação pouco antes do horário acertado, num momento em que notícias já antecipavam a saída de Moro do governo Jair Bolsonaro.
Moro havia marcado um pronunciamento público às 11h. Em sua fala, ele fez um discurso duro contra a decisão de Bolsonaro de trocar o comando da Polícia Federal, afirmando tratar-se de interferência política e quebra da promessa de que teria carta-branca no ministério.
Pouco depois das 13h, a assessoria de imprensa do Ministério da Economia também anunciou o cancelamento de videoconferência de Guedes com o Valor Capital Group às 17h.
Na agenda do ministro à tarde, permaneceu inalterado encontro com o ministro-chefe da Casa Civil, general Braga Netto, a partir das 14h no Palácio do Planalto.
Questionada sobre os motivos dos cancelamentos, a assessoria de imprensa da pasta informou não ter detalhes sobre a decisão.
Antes mesmo da vitória de Jair Bolsonaro nas eleições de 2018, Guedes teve encontros com ex-juiz e foi um dos responsáveis por levá-lo ao governo, sondando-o a respeito da possibilidade de que assumisse a pasta da Justiça.
Enquanto Guedes era visto como o grande fiador de Bolsonaro junto ao mercado, com a promessa de promoção de uma agenda econômica liberal, Moro era considerado maior símbolo do compromisso do governo com o combate à corrupção.
José Francisco de Lima, economista-chefe do Fator
"Dentro do governo os sinais vão além desse processo que culminou hoje, à medida que incluem a nomeação de um general para secretário-executivo da Saúde e aquela assunção pela Casa Civil da coordenação do programa de recuperação baseado em investimento e também investimento público. De modo que a gente chega no meio da sexta-feira num grau de incerteza muito grande.
Estamos no auge de uma onda que lança dúvidas extremamente relevantes (sobre economia e planos de Guedes). A bola agora chama-se Rodrigo Maia, acho que ele pode ganhar protagonismo. O rodapé em relação ao Copom é que hoje é sexta-feira, coincidentemente, e é bastante provável que o BC anuncie algum programa de atuação no câmbio."
Flávio Serrano, economista-chefe do Haitong:
"Cria uma incerteza muito grande. Você tem a saída de um ministro que a opinião pública via como uma pessoa idônea de um jeito um pouco controverso. Há preocupação de que a pressão pode ser transferida para o Paulo Guedes, que já estava à parte do plano do governo para o pós-crise, e que você possa deixar para trás políticas mais ortodoxas que estavam sendo praticadas até então.
O mercado acho que em parte precifica isso, me parece que a reação do mercado traz a avaliação de que você pode estar perdendo os alicerces que mantinham a condução da política econômica. A gente vive uma crise sem precedentes. Por se tratar de uma questão de saúde, já havia muitas incertezas, mas os ruídos políticos trazem ainda mais. Não dá para traçar nenhum panorama de curto prazo. Só dá para cravar que a volatilidade vai se manter elevada."
André Perfeito, corretora Necton
"Num dia de extremo nervosismo o mercado especula se o governo Bolsonaro não está tentando se reorganizar em meio à crise e isto pode revelar ainda mais mal-estar. A questão na mesa é a seguinte: o presidente Bolsonaro está sendo pressionado por todos os lados e para tentar recompor sua autoridade está tentando reconquistar o centrão.
Seja como for, a cooptação do centrão precisa também passar pelo Ministério da Economia, uma vez que a demanda por recursos é infinita neste momento de crise econômica e em especial em ano eleitoral. Tudo isso em conjunto sugere que o presidente irá ter que sacrificar a Economia para não perder sua investida ao centro do tabuleiro."
Fernando Bergallo, diretor de câmbio da FB Capital:
"Estamos vendo um governo se desfazer em meio à uma situação gravíssima de política internacional.
A troca do Ministro da Saúde em plena pandemia, obviamente, já pegou muito mal para o investidor estrangeiro, e no momento em que o segundo pilar do governo, que é o ministro da Justiça, que emprestou a credibilidade toda para o Bolsonaro, sai do governo, você está perdendo outra perna desse tripé que não vai se sustentar sozinho.
Já há rumores que o próximo a sair é o Paulo Guedes, a partir daí, acabou o governo."