Economia

Após 20 anos de espera, países pobres poderão importar genéricos

Para o Brasil, a medida pode significar uma queda no custo de remédios e também a abertura de mercados para a produção nacional de genéricos

Genérico: "a saúde precisa ser prioridade, por mais que as políticas comerciais sejam importantes", afirmou a ministra de Relações Exteriores do Quênia (Divulgação/Divulgação)

Genérico: "a saúde precisa ser prioridade, por mais que as políticas comerciais sejam importantes", afirmou a ministra de Relações Exteriores do Quênia (Divulgação/Divulgação)

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Estadão Conteúdo

Publicado em 23 de janeiro de 2017 às 16h35.

Genebra - Depois de uma espera de quase duas décadas, países pobres poderão começar a importar remédios genéricos. Nesta segunda-feira, 23, entrou finalmente em vigor uma emenda às regras da Organização Mundial do Comércio que permite a mudança no fluxo de medicamentos.

Para o Brasil, a medida pode significar uma queda no custo de remédios e também a abertura de mercados para a produção nacional de genéricos.

Os debates sobre a reforma nas regras sobre propriedade intelectual começaram ainda no final dos anos 90. Em 2001, o assunto foi uma das principais bandeiras do então ministro da Saúde, José Serra.

O debate foi mantido durante o governo Lula e, em 2005, os países emergentes conseguiram votos suficientes para derrubar a resistência dos países ricos e modificar as leis de patentes.

Mas, para entrar em vigor, a reforma precisa da ratificação de dois terços dos membros da OMC, o que foi atingido nesta segunda-feira com a ratificação de Burkina Faso, Nigéria, Liechtenstein, Emirados Árabes e Vietnã.

No acordo original, de 1995, a OMC permitia que países pobres produzissem remédios genéricos em caso de emergência nacional. As leis exigiam que esses produtos não fossem exportados e o governo, para iniciar a produção, era obrigado a quebrar patentes de multinacionais.

O problema é que, para muitos países pobres, a brecha não solucionava seu problema de acesso aos remédios. Dezenas de economias pelo mundo não tem a capacidade de produzir, nem mesmo a partir de patentes já existentes. Sem poder produzir, esses governos precisariam importar, o que era proibido.

Carregamentos de remédios genéricos entre a Índia e o Brasil, além de produtos destinados a outros países, chegaram a ser confiscados e destruídos nos portos holandeses, quando faziam escala.

O governo americano chegou a abrir uma disputa comercial contra o Brasil, gerando uma reação internacional forte por parte de ativistas.

Pressionada, a OMC chegou a um consenso para abrir a possibilidade para que essa importação ocorresse. Na prática, isso reduziria os gastos dos estados na compra de remédios e permitiria maior distribuição. Mas, para as multinacionais, isso também significaria uma pressão para baixo nos preços.

Com a entrada em vigor do acordo, o Brasil pode ser um dos favorecidos. Em primeiro lugar, a pressão por preços reduzidos diante do comércio de genéricos pode influenciar nas negociações entre multinacionais e o Ministério da Saúde, principalmente na compra de remédios para o coquetel contra o HIV. Mas a indústria de genéricos brasileira também pode ver a abertura de novos mercados, principalmente na América Latina e Africa.

"Essa é uma emenda muito importante", declarou o diretor-geral da OMC, Roberto Azevedo. "Ela da garantias legais de que remédios genéricos podem ser exportados com um preço razoável para satisfazer as necessidades de países sem a capacidade de produção farmacêutica ou aqueles com capacidade limitada", disse.

"Ao fazer isso, ela ajuda a população mais vulnerável a ter acesso a remédios para atender suas necessidades, ajudando a lidar com doenças como HIV, tuberculose ou malária, assim como outras epidemias", afirmou o brasileiro.

Margaret Chan, diretora da Organização Mundial da Saúde (OMS), também comemorou. "Isso reforça o papel da saúde em politicas comerciais, disse.

Apesar do acordo, Chan insistiu que o mundo ainda está "distante" de garantir um acesso universal a remédios e alertou que os custos da nova geração de tratamentos são "insustentáveis" para dezenas de governos pelo mundo.

Para Chan, o acordo de patentes "não é suficiente" e a comunidade internacional precisa debater um novo modelo que garanta preços adequados para as populações mais pobres.

"A saúde precisa ser prioridade, por mais que as políticas comerciais sejam importantes", afirmou a ministra de Relações Exteriores do Quênia, Amina Mohamed.

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