Avião da Embraer: o PT promete bloquear o acordo com a Boeing (Paulo Fridman/Bloomberg)
João Pedro Caleiro
Publicado em 30 de agosto de 2018 às 06h00.
Última atualização em 30 de agosto de 2018 às 15h50.
Uma joint venture de US$ 4,8 bilhões entre a Boeing e a Embraer pode ser considerada uma ameaça à segurança nacional do Brasil, a entrega de um tesouro nacional ou um benefício que fortaleceria ambas as empresas e o país. Depende de para qual candidato presidencial é dirigida a pergunta.
As eleições de outubro no Brasil decidirão mais do que simplesmente quem lidera a maior economia da América Latina. Pelo menos US$ 33 bilhões em fusões, aquisições, emissão de ações e títulos de dívida estão na balança, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.
Além da Boeing e da Embraer, gigantes corporativos como a Eletrobras, a Petrobras e a LyondellBasell também estão com transações paradas até que os eleitores decidam quais serão as perspectivas para os mercados e a economia.
"A volatilidade da taxa de câmbio, a incerteza econômica e a dificuldade em enxergar um horizonte de saída claro - tudo isso influencia o cronograma dos negócios", disse Roderick Greenlees, chefe do banco de investimento do Itaú BBA, primeiro colocado no ranking de assessor financeiro de fusões do Brasil neste ano, de acordo com dados compilados pela Bloomberg. "A atividade deve melhorar após as eleições, à medida que o mercado se estabilize."
A moeda brasileira perdeu 10 por cento desde 3 de agosto após pesquisas eleitorais mostrarem um aumento nas intenções de voto no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja campanha qualifica o acordo Boeing-Embraer como “ilegítimo”.
O PT, partido de Lula, promete bloquear o acordo, caso seu candidato vença as eleições, usando o poder de veto do governo na Embraer. Lula, que está concorrendo mesmo preso e acusado de corrupção, se opõe a reformas que os banqueiros consideram fundamentais para melhorar as contas fiscais.
Ele deve ser impedido de concorrer, mas há sinais cada vez maiores de que pode impulsionar seu companheiro de chapa, Fernando Haddad, para o segundo turno de votação, em 28 de outubro.
No outro extremo do espectro político, o candidato favorito do mercado, Geraldo Alckmin, disse que a joint venture da Boeing com a Embraer é positiva para as empresas e para o Brasil. As intenções de voto em Alckmin não tem aumentado nas pesquisas, e ele se mantém consistentemente no 4º ou 5º lugar.
"Quanto mais nos aproximamos das eleições sem melhorar a visibilidade sobre o resultado provável, mais difícil é fechar negócios", disse Eduardo Guimarães, chefe de fusões e aquisições do Itaú BBA. "É duro reduzir a diferença de preços entre compradores e vendedores quando você não tem previsão sobre o cenário base para os próximos anos."
As fusões anunciadas desde o início do terceiro trimestre caíram 37%, para US$ 4,79 bilhões, em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com dados compilados pela Bloomberg. Os US$ 32,8 bilhões em negócios anunciados este ano estão 4,5% abaixo do mesmo período do ano passado, mostram os dados.
O Brasil representa cerca de 26% de todos os negócios de fusões e aquisições na região da América Latina este ano, ante 33% no ano passado.
"As eleições estão completamente indefinidas - não há uma tendência clara no momento - e será difícil para as pessoas tomarem decisões estratégicas de investimento ou desinvestimento de longo prazo com pouca previsibilidade", disse Eduardo Mendez, co-responsável por renda variável na América Latina no Morgan Stanley, o banco que mais liderou emissões de ações de empresas brasileiras até agora este ano, segundo dados compilados pela Bloomberg.
Os mercados emergentes estão sofrendo ao redor do mundo, e a incerteza das eleições no Brasil só aumenta essas tensões, disse Mendez. "Acho que podemos ver algumas transações de block-trade, que são mais rápidas e têm menos risco do que uma oferta normal de ações", disse ele. "Mas elas podem ter spreads maiores."
As ofertas totais de ações do Brasil alcançaram R$ 24,7 bilhões neste ano, 7,4% menos que no mesmo período do ano passado.
As posições dos candidatos sobre a política tributária também afetarão os negócios, de acordo com Fernanda Ortiz, associada do Banco BTG Pactual. Tributar os dividendos da empresa - uma ideia que muitos candidatos presidenciais estão apoiando - poderia significar retornos mais baixos para os investidores, disse Ortiz.
"Grande parte das transações pressupõe boa vontade do governo, seja do ponto de vista regulatório, seja como vendedor de ativos, o que fica mais difícil conforme as eleições se aproximam", disse Thiago Sandim, sócio do Demarest, escritório de advocacia.
“O mercado de M&A está engasgado”, disse Sandim, acrescentando que a instabilidade política também está criando um solo fértil para “muito interferência judicial" na venda de ativos.
A Petrobras teve seu programa de desinvestimento bloqueado pelo juiz Ricardo Lewandowski, do STF, que determinou em julho que qualquer venda de empresa estatal, incluindo subsidiárias, deve ser aprovada pelo Congresso. A decisão forçou adiamentos de negócios como a venda de uma unidade de gasoduto no nordeste do Brasil, transação que pode chegar a US$ 8 bilhões.
A Eletrobras, empresa estatal de energia, estava tentando vender seis unidades de distribuição e depois de muitas batalhas judiciais está leiloando três, enquanto outra venda pode ocorrer em 26 de setembro.
A privatização da própria Eletrobras por meio de venda de ações no mercado também foi adiada, de um total de mais de 20 negócios postergados no país. A possível venda do controle da Braskem para a LyondellBasell também está em ritmo mais lento.
"Há menos negócios e os que estão indo adiante estão demorando mais para fechar", disse João Ricardo de Azevedo Ribeiro, sócio sênior do escritório de advocacia Mattos Filho, de São Paulo, o primeiro colocado no ranking de maior assessor jurídico de M&A no Brasil este ano.
Os US$ 33 bilhões em transações presas no limbo não incluem leilões para a venda de 12 aeroportos, quatro ferrovias e seis estradas, que o governo já admitiu serão adiados para o próximo ano, com investimentos estimados em R$ 64 bilhões.
"Com todos esses acordos represados, podemos ver uma enxurrada de transações após as eleições", disse Pedro Whitaker de Souza Dias, sócio do Mattos Filho.