Economia

Mercado questiona se Haddad priorizaria diálogo ou PT na Presidência

Apesar de carregar o peso do partido, Haddad tem conseguido acalmar, discretamente, os temores de investidores com um eventual governo petista

FERNANDO HADDAD: “Nós entendemos que chegou o momento de enfrentar, de uma vez por todas, a questão do crédito no Brasil” / Getty Images (Fernando Haddad/Getty Images)

FERNANDO HADDAD: “Nós entendemos que chegou o momento de enfrentar, de uma vez por todas, a questão do crédito no Brasil” / Getty Images (Fernando Haddad/Getty Images)

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Reuters

Publicado em 31 de agosto de 2018 às 11h49.

Última atualização em 31 de agosto de 2018 às 12h22.

Brasília - Provável candidato do PT à Presidência, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad cresceu nas bolsas de apostas, já é visto pelo mercado financeiro como um dos nomes possíveis no segundo turno das eleições de 2018 e, apesar de carregar o peso do partido, tem conseguido acalmar, discretamente, os temores de investidores com um eventual governo petista.

Fontes do mercado ouvidas pela Reuters afirmam que, mesmo com diferenças de visão econômica, a avaliação de quem ouviu o ex-prefeito de São Paulo --hoje vice na chapa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva-- foi positiva.

"Quem teve contato com ele ficou bem impressionado. A avaliação foi de que Haddad é muito mais razoável que o PT, não tem bloqueio no diálogo", disse uma das fontes que participaram de encontros organizados para ouvi-lo.

Desde que foi confirmado na chapa como vice de Lula e seu mais provável substituto com a possível impugnação da candidatura do ex-presidente, Haddad passou a ser procurado com mais insistência por representantes de investidores, bancos e agência de risco, entre outros agentes do mercado.

Até agora, foram conversas com JP Morgan, Itaú, Morgan Stanley, USB, XP investimentos, Guide Investimentos, BTG Pactual. Há convites ainda para serem marcados com Credit Suisse, Genial Investimentos, BGC/HSBC, Banco Plural, Concordia e com a Febraban, a federação dos bancos, que chegou a ser marcado, mas não aconteceu.

A preocupação com o ex-prefeito e o que ele pensa começou a surgir com a visão do mercado de que Haddad pode estar no segundo turno das eleições de 2018, possivelmente com o candidato do PSL, Jair Bolsonaro. Na bolsa de apostas dos investidores, seu nome cresceu nas últimas semanas.

Na pesquisa Datafolha divulgada na semana passada, quando Haddad aparece como candidato, ele soma 4 por cento das intenções de voto. No entanto, o levantamento mostra que 31 por cento votariam com certeza em um candidato indicado por Lula.

Pesquisa XP, desta semana, sugere um pouco mais explicitamente o potencial do ex-prefeito. Quando Haddad aparece simplesmente como candidato do PT ele tem 6 por cento das intenções de voto, numericamente em quinto lugar. Mas quando ele aparece como sendo o candidato apoiado por Lula ele salta para 13 por cento, numericamente em segundo lugar.

"Esse é o cenário base, Haddad e Bolsonaro. Alckmin tem caído muito nas últimas semanas", revelou uma das fontes.

Daí a necessidade de conhecer o petista e saber o que Haddad pensa. A Reuters ouviu cinco fontes que estiveram com o ex-prefeito em diferentes encontros. O diagnóstico é o mesmo: bem preparado, com capacidade de diálogo, sem ideias estapafúrdias e, se não é pró-mercado, não seria um inimigo do mercado. Mas, carrega consigo um PT que, hoje, é mais radical e menos aberto ao diálogo.

"Haddad se mostrou bem mais aberto ao diálogo que a gente estava esperando. Passa imagem muito moderada que agrada mercado, mas tem o temor de sempre do PT. Mas dentro da possibilidade de vencer alguém de esquerda, o nome dele é o mais palatável. Há mais previsibilidade, é possível conversar", disse uma analista de mercado.

Um outro analista ouvido pela Reuters reafirmou a simpatia pela capacidade de diálogo do ex-prefeito e da intenção de conversar com outras forças políticas, caso seja eleito.

Do outro lado, Haddad ainda deixa dúvidas sobre que caminhos poderá tomar. A maior delas é se quem assumirá a Presidência, em caso de uma vitória, será ele mesmo --independente e com um viés mais centrista-- ou o PT atual que, ao contrário do que assumiu com Lula em 2002, é mais à esquerda e menos dado a concessões.

"A grande questão hoje é: se ele ganhar vai ficar com essa agenda ou ele vai para voltar para o centro? Ser mais Haddad e menos Lula? O PT e o Lula de hoje não são mais os mesmos de 2002. Investidores do mundo inteiro me perguntam isso", disse uma das fontes.

Alinhado aos tucanos, o economista Samuel Pessôa conhece Haddad desde a escola e fizeram na mesma época o mestrado em economia na Universidade de São Paulo. É um dos nomes citados pelo ex-prefeito, com quem tem ótima relação e afirma não ter dúvida da sua correção e acredita que "ele é diferente mesmo".

"Vendo a trajetória dele no Ministério da Educação, na prefeitura, ele é diferente mesmo. Não acho que viria um PT 'bolivariano'. Ele fez, por exemplo, uma transição muito saudável na prefeitura. Fernando é uma Pessôa do campo democrático", disse.

Pessôa afirma ainda que Haddad não é um "aventureiro", mas levanta as mesmas dúvida: Como o ex-prefeito vai lidar com o PT?

"O PT que está aí é muito amargurado, rancoroso, autoritário. Ele vai ter que conversar com os caras razoáveis do PT", afirmou.

Um dos pontos centrais do programa do PT, visando aumentar o crédito e barateá-lo, é uma maneira de forçar os bancos a diminuírem o spread bancário -a diferença do custo da captação e a taxa cobrada pelos bancos ai consumidor final- aumentando o dinheiro disponível na praça. A proposta petista prevê o aumento de impostos aos bancos que mantiverem o spread nas taxas atuais que, segundo o Banco Central.

A ideia é defendida por Haddad, mas é uma das que não caem bem aos ouvidos do mercado. "Essa proposta de carga variável é uma bobagem. Carga variável de tributo só vai é fazer aumentar o spread", avaliou Pessôa.

Incerteza

Pessôa, no entanto, critica algumas declarações de pessoas que têm falado pela linha econômica do PT, como Marcio Pochmann, que participou da elaboração do plano de governo do partido. O mesmo aparece em falas de representantes do mercado, que levantam dúvidas sobre quem seria a equipe econômica de Haddad.

"Pochmann fala uma língua, Haddad fala outra. Isso gera uma incerteza. É uma coisa que ele pode dirimir com tempo", disse uma das fontes. "A conversa com ele é muito melhor que com a instituição PT", afirmou.

"Pode melhorar. Uma das dúvidas hoje é quem vai ser o time dele", acrescentou outra fonte, lembrando que oficialmente Haddad ainda não é o candidato do partido, mas apenas o vice de Lula.

Nos encontros, o ex-prefeito desconversa quando perguntado sobre nomes, mas traça o perfil que gostaria de ter em seu ministério: um quadro conhecido do mercado, com boas credenciais e um perfil pragmático, e afinado ao projeto petista.

Haddad ainda passa aos interlocutores a ideia clara de que tem compromisso com rigor fiscal e o pragmatismo econômico, mas com a preocupação social.

Para um dos interlocutores, ficou ainda o desgosto com o tamanho do Estado que o petista defende. Outros, no entanto, se preocupam mais com questões pontuais, como o já anunciado teto de gastos ou o fato de a reforma da Previdência não estar no programa de governo.

"A frase que mais me incomodou foi: 'Se eleito não devemos esperar uma mudança na trajetória da dívida nos primeiros dois anos'", contou uma das fontes. O Brasil já tem previsto um déficit primário de 139 bilhões de reais para 2019, sem previsão imediata de redução.

Haddad x Bolsonaro

Em uma eventual disputa de segundo turno com Bolsonaro, o mercado ainda aposta no ex-capitão do Exército pelo fato dele já ter apresentado sua "equipe econômica", o economista liberal Paulo Guedes. Há, no entanto, crescentes dúvidas sobre a capacidade de governar de Bolsonaro e sua imprevisibilidade.

"A agenda do mercado é liberal e essa é a agenda que Bolsonaro promete fazer. A dificuldade é imaginar a governabilidade depois. A capacidade dele de governar é questionada", explicou outra fonte. "Haddad é o contrário: não apresentou propostas que o mercado quer ouvir, mas apresentou ótima capacidade de diálogo, de articular um governo."

Uma última fonte ouvida pela Reuters aponta não uma "boa vontade", com o petista, mas reconhece que um segundo turno entre ele e Bolsonaro irá dividir o mercado.

"Acredito que o mercado ainda apoia o Bolsonaro, mas vai ser bem mais dividido. Se fosse o Alckmin o mercado gostaria mais", comentou.

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