Economia

AGU alertou Economia sobre gastos com precatórios, mostram documentos

Às vésperas do envio da proposta de Orçamento de 2022, Ministério da Economia recebeu diversos alertas da Advocacia-Geral da União nos últimos meses sobre a execução de dívidas judiciais

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a despesa com precatórios para 2022 pegou a equipe “de surpresa” (Andressa Anholete/Bloomberg)

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a despesa com precatórios para 2022 pegou a equipe “de surpresa” (Andressa Anholete/Bloomberg)

FS

Fabiane Stefano

Publicado em 7 de agosto de 2021 às 20h21.

O “meteoro” de dívidas judiciais que “surpreendeu” o Ministério da Economia às vésperas do envio da proposta de Orçamento de 2022 já vinha sendo alvo de alertas feitos pela Advocacia-Geral da União (AGU) nos últimos meses, segundo documentos obtidos pelo Estadão/Broadcast. O impasse em torno do crescimento explosivo dos chamados precatórios deflagrou um jogo de empurra entre a equipe econômica e o órgão jurídico do governo.

Enquanto o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a despesa pegou a equipe “de surpresa”, integrantes da AGU afirmam que os riscos de execução das dívidas judiciais não só foram informados, mas estavam mapeados no anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Um dos documentos obtidos pela reportagem mostra que, em 19 de março de 2021, a AGU enviou um ofício à Secretaria do Tesouro Nacional “para ciência e adoção de eventuais providências” diante da possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) emitir um precatório de R$ 8,5 bilhões em favor do Estado da Bahia em uma ação que questiona os repasses do Fundef, fundo para o desenvolvimento do ensino fundamental e valorização do magistério que vigorou até 2006. O texto alerta que o precatório poderia ser expedido ainda em 2021, ou seja, para pagamento em 2022 - o que de fato acabou ocorrendo.

Segundo apurou a reportagem, o mesmo ofício foi encaminhado à Secretaria de Orçamento Federal (SOF) e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão jurídico da Economia. Alertas adicionais foram feitos em 17 de maio e 14 de junho deste ano.

Outro documento mostra que, em 24 de novembro de 2020, a AGU solicitou ao Ministério da Economia informações sobre valores antecipados à Bahia para que pudessem ser descontados da dívida da União com o Estado. “Tais informações são necessárias para fins de liquidação do valor devido pela União”, diz o ofício.

Na última terça-feira, 3, já sob críticas pela proposta de parcelar o pagamento das dívidas judiciais da União, Guedes disse que foi pego de surpresa pelo aumento nessa despesa, estimada em R$ 89,1 bilhões para 2022. O valor é 61% maior que os R$ 55,4 bilhões previstos para este ano. “Devo, não nego, pagarei quando puder”, disse o ministro durante evento, em uma declaração que repercutiu mal entre investidores.

O Estadão/Broadcast também teve acesso a dois documentos da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) da Economia, em que os técnicos se manifestam sobre comunicado de possível expedição de precatório em favor de Pernambuco (R$ 3,8 bilhões) e Ceará (R$ 2 6 bilhões). Nos ofícios, de maio e junho de 2021, a área diz que a cobrança dessas dívidas “elevaria o risco de comprometimento da capacidade operacional de unidades administrativas federais e de desobediência a normas constitucionais e legais voltadas à uma gestão fiscal responsável, prejudicando o desenvolvimento de outras políticas públicas”.

Desde 2019, técnicos da área fiscal do ministério da economia já vinham alertado o então secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, para o problema, que estava concentrado em outros temas com os leilões de concessão para exploração de petróleo na área do pré-sal.

Fatura surpresa

Ao mostrar-se surpreso com a fatura, Guedes empurrou o problema para a AGU, que não teria avisado com antecedência sobre o passivo judicial que estouraria em 2022. A declaração gerou reação do órgão jurídico, que emitiu nota dizendo que “não houve qualquer atuação da AGU que pudesse ser considerada aquém daquela necessária”.

Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério da Economia disse que a conta de precatórios a ser paga no ano seguinte é apresentada “somente em julho” e que o valor de 2022 “foi, sim, inesperado e atípico”. A pasta defende o parcelamento das dívidas como uma “maneira perene e previsível” de lidar com essa questão.

O dinheiro do Fundef devido aos Estados responde por R$ 15,6 bilhões do aumento dos precatórios em 2022, segundo dados do STF. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a Advocacia-Geral da União tentou buscar acordos com os governos estaduais nesses processos, inclusive para fazer um “encontro de contas”, usando o dinheiro para abater dívida desses Estados com o governo federal. Mas houve uma série de obstáculos, o maior deles a necessidade de desenhar um acordo aplicável a todos os credores, sem vantagens para um ou outro. Como alguns Estados credores não tinham dívida significativa com a União, um acerto nessa direção ficou mais difícil.

Havia também um temor de que, em eventual parcelamento, o Tribunal de Contas da União (TCU) questionasse a demora para repassar o recurso, que segundo a própria sentença do STF foi indevidamente subtraído da educação nas últimas décadas. Outro obstáculo era a vinculação da verba à educação, o que colocava entraves para negociar um “desconto” na dívida para pagamento à vista. Na avaliação de um integrante da AGU, apesar das tentativas, o Fundef era um dos casos mais difíceis para obter acordo.

Dentro do órgão jurídico do governo, há o entendimento de que o STF é mais “benevolente” com Estados, que recorrem à Corte para parcelar débitos com a União ou suspender pagamentos e são atendidos. O desconforto, porém, veio com a sugestão feita pelo Ministério da Economia de que não houve tentativa da AGU de propor solução ao problema.

A fonte cita que ainda há outros R$ 3,7 bilhões devidos à Bahia e que a AGU ainda está questionando no STF por discordar do cálculo feito pelo Estado. O valor é alvo de controvérsia e, se a União for condenada, vai gerar nova fatura a ser paga em precatório, desta vez para 2023.

'Falhas'

Na área econômica, a avaliação é que há muitas “falhas” a serem corrigidas, entre elas o acompanhamento mais tempestivo das ações em que a União é derrota (e que estão crescendo), a obtenção de informações com antecedência da AGU e a criação de regras para o pagamento, com parcelamento de valores elevados, mas sem parecer algo “casuístico”, ou seja, com interesses políticos.

Uma das motivações para o envio da PEC dos precatórios é a necessidade de deixar espaço no Orçamento de 2022 para ampliar o programa Bolsa Família, o que será peça-chave para as pretensões eleitorais do presidente Jair Bolsonaro.

Segundo essa fonte da área econômica, é preciso tomar cuidado para que o parcelamento não tire do radar das autoridades jurídicas o aperfeiçoamento da defesa da União junto aos tribunais, nem das autoridades econômicas a necessidade de planejar a despesa, sob pena de as prestações de precatórios virarem uma “bola de neve” impagável.

Entre as empresas que atuam no mercado de precatórios, a defesa é para que o governo chame os credores dos precatórios para uma grande negociação, como permite a legislação, sem a necessidade de uma PEC. Os críticos avaliam que a PEC, se aprovada, cairá “no dia seguinte” no STF, que já manifestou o contrário. Guedes, porém, não tem simpatia pela negociação proposta. O ministro defende a aprovação da PEC para o parcelamento dos chamados superprecatórios com valores acima de R$ 66 milhões em 10 anos.

A interlocutores, o ministro tem dito que prefere leis gerais, que garantam previsibilidade a essas despesas no futuro. Guedes prefere não seguir o que foi feito pelos ministros das fazendas anteriores que fizeram acertos de precatórios: Pedro Malan, Guido Mantega e Henrique Meirelles. A crítica do ministro é que, toda vez que um precatório muito grande caiu “na cabeça” dos ex-ministros, eles fizeram acertos e empurraram o problema para frente. A proposta agora é fazer uma regra para frente para ajustar a capacidade de pagamentos sobre uma despesa que estava fora de controle.

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