São Paulo - A África do Sul voltou a ser, pelo menos por enquanto, a maior economia do continente africano, de acordo com os úlltimos números do Fundo Monetário Internacional (FMI).
A liderança estava com a Nigéria, alçada ao posto há dois anos após uma revisão estatística revelar que seu PIB era quase duas vezes maior do que se imaginava.
O terceiro lugar é agora do Egito, que chegou a ficar em segundo por um breve período, segundo uma estimativa da consultoria KPMG.
Os últimos cálculos colocam o PIB da África do Sul em US$ 301 bilhões, o da Nigéria em US$ 296 bilhões e o do Egito com US$ 270 bilhões.
O grande responsável pela ultrapassagem é a força recente do rand sul-africano, que se valorizou 15% só nos últimos 3 meses.
O processo também aconteceu com outras moedas de emergentes, especialmente o nosso real, impulsionadas pela liquidez internacional em um cenário de incerteza na Europa e adiamento da alta de juros nos Estados Unidos.
A naira nigeriana foi uma exceção e perdeu muito valor desde meados de 2014 quando começou a despencar o preço do petróleo, principal produto de exportação do país.
O país chegou a estabelecer câmbio fixo por 16 meses, mas voltou a liberar a cotação há cerca de um mês - o que levou a um novo tombo.
Cenário
Movimentos cambiais podem mudar esses cálculos de um dia para o outro, mas o que importa mesmo para o longo prazo é o crescimento.
E infelizmente, nesse quesito nenhum dos países no topo do ranking pode respirar tranquilo.
Nigéria e África do Sul tiveram queda do PIB no primeiro trimestre e basta um outro resultado negativo para configurar uma recessão técnica. No caso da Nigéria, é difícil imaginar uma recuperação com o petróleo tão depreciado.
O PIB per capita sul-africano ainda é bem maior que o egípcio ou nigeriano, mas a previsão é que com população crescendo e atividade parada, ele complete em 2017 quatro anos consecutivos de queda.
A incerteza política também está pesando: no final do ano passado, a África do Sul chegou a ter três ministros de Finanças diferentes no espaço da uma semana.
Um em cada quatro sul-africanos está desempregado, mas sua infraestrutura e ambiente de negócios são reconhecidamente melhores do que de seus pares.
E ao contrário deles (e do Brasil), o país também tem grau de investimento (pelo menos por enquanto).
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1. Fronteiras
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1/6 (Johnny Miller)
São Paulo - Os mapas de uma cidade podem ser uma das provas mais claras da desigualdade entre seus cidadãos. Na
África do Sul, as divisões urbanas foram estabelecidas com um objetivo explícito: isolar uma maioria negra na periferia reservando o centro para os brancos no poder. O apartheid oficial foi de 1948 a 1994, mas suas cicatrizes no tecido urbano permanecem até hoje, como mostram fotos feitas com um drone pelo americano Johnny Miller na Cidade do Cabo (
há vídeos em seu canal no YouTube). Ele começou a morar lá em 2011 para fazer um mestrado em antropologia e acabou ficando. Apesar de num primeiro momento o clima geral parecer mais relaxado do que no resto do país, isso esconde divisões brutais.
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2/6 (Johnny Miller)
Miller explica: "A Cidade do Cabo é definitivamente mais relaxada do que outros centros urbanos sul-africanos no sentido de que o núcleo central é muito mais seguro. Você não vê tantos condomínios fechados e as coisas parecem mais abertas e seguras (a montanha e as praias também contribuem). A cidade tem a reputação de ser onde se curte mais do que se trabalha, e seu apelido em Afrikaans é “Slaapstad” (Cidade Dorminhoca). A realidade é que esse sentimento relaxante está confinado aos bairros ricos da península. Cape Flats, para onde os negros foram movidos (e ainda moram), é um dos lugares mais violentos do país. Há enormes assentamentos informais e muitas vezes não há serviços básicos. Duvido que essas pessoas iriam se referir a suas vidas como 'relaxadas'."
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3/6 (Johnny Miller)
A África do Sul, que já foi a maior economia do continente africano,
hoje está no terceiro lugar (atrás de Nigéria e Egito) mas oferece muitas vantagens em termos de infraestrutura, diversificação, democracia e inflação controlada. No entanto, nunca conseguiu abalar os pilares de desigualde estabelecidos pelo apartheid: seu índice de Gini é 0,63, um dos mais altos do mundo (a medida vai de 0 a 1 - quanto mais alto, mais desigual). O Brasil conseguiu certo progresso nessa medida desde o começo do século, mas a África do Sul ficou estacionada mesmo com surtos de crescimento rápido e melhora do bem-estar. "Somos uma economia caracterizada por uma trajetória de crescimento intensiva em capital e em habilidades, o que não gera um número suficiente de empregos de baixa remuneração, essenciais para reduzir o desemprego e a desigualdade", diz Haroon Bhorat, professor de Economia na Universidade da Cidade do Cabo, em
entrevista para o Mail & Guardian.
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4/6 (Johnny Miller)
As fotos de Miller certamente tocaram em uma ferida nacional, como mostram os comentários no
post sobre a série em seu site oficial: "Esse não é um estudo para enriquecer o conhecimento e sim para criar animosidade entre os que têm e os que não têm. Trabalho duro para ter, e sinto pelos que não tem por causa de circunstâncias infelizes. Mas se a maioria daqueles que não têm levantassem a bunda e trabalhassem, talvez eles também pudessem morar do outro lado da cerca", diz Manny Ferraz. "É impressionante que você encontre reações tão óbvias de quem acha que o único contexto é trabalhar duro e conseguir suas propriedades sem conseguir abrir a cabeça para o fato de que as desigualdades expostas nessas fotos falam dos efeitos estruturais de um sistema legislado para manter certas pessoas fora e longe daqueles privilegiados", diz Onkgopotse Jita.
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5/6 (Johnny Miller)
Miller comenta a reação: "Acho que há muito medo nesse país. Do lado dos privilegiados, o medo é que suas propriedades e seu meio de vida serão levados. Você viu isso em outros países africanos e vários sul-africanos de destaque defenderam isso aqui. É assustador trabalhar sua vida inteira, acumular riqueza, propriedade e família e não ter certezas sobre o futuro. Já as pessoas que tinham uma cor diferente dos brancos foram sistematicamente reprimidas desde que os europeus chegaram na África. Acho que havia muito júbilo em 1994 de que as coisas finalmente mudariam, e essa mudança veio lentamente de várias formas. Então essas pessoas têm medo de que nunca sairão dessa situação. Eu não levo nenhum dos comentários para o pessoal e acredito que a maioria deles é gerado pelo medo que eu descrevi. E medo pode ser modificado. Podemos trabalhar através do medo. E a maior solução para isso é a informação".
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6/6 (David Leventi/Anna Skladmann/Gabriele Galimberti & Paolo Woods)