Comprador observa as bandeiras brasileira e chinesa (©AFP / yasuyoshi chiba/AFP)
João Pedro Caleiro
Publicado em 26 de setembro de 2014 às 13h02.
São Paulo – A China está aumentando sua presença global em um ritmo vertiginoso, e o Brasil não poderia ficar de fora.
Mas o que, afinal, os chineses querem de nós? Primeira resposta: o que for bom para eles.
“A China sabe o que ela quer do mundo, mas não aquilo que ela quer para o mundo. Os Estados Unidos tentam construir o mundo à sua imagem. A China não – pelo contrário”, diz Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade de Columbia.
Nas décadas de 80 e 90, a China cresceu de forma acelerada, mas não investiu muito em outros lugares, já que sua prioridade era preservar reservas e se firmar como destino.
Com o lançamento oficial da estratégia “Go Global” em 2000 e a entrada na OMC (Organização Mundial do Comércio) em 2001, a coisa mudou de figura e o governo passou a promover políticas favoráveis ao investimento externo e à internacionalização de suas empresas.
O resultado foi que de 2004 a 2009, o investimento estrangeiro direto chinês no mundo cresceu de US$ 6 bilhões por ano para mais de US$ 55 bilhões, segundo a UNCTAD. Em 2010, o país passou o Japão e se tornou a 5ª maior fonte global de IED.
O Brasil, que segue constante entre os maiores destinos deste tipo de investimento no mundo, não poderia ficar de fora – até porque a relação comercial entre os dois países explodiu no período. Em 2009, a China ultrapassou os Estados Unidos e se tornou o maior parceiro comercial do Brasil.
Commodities
O apetite da China por commodities foi o maior responsável por isso: a alta tanto no preço quanto no volume foi um dos grandes fatores por trás do último ciclo de crescimento no Brasil. Em 2002, as matérias-primas respondiam por 25% das nossas exportações para o mundo. No primeiro semestre deste ano, elas passaram os manufaturados e se tornaram maioria.
Os investimentos chineses por aqui e a participação em leilões como o do campo de Libra são uma forma de garantir que esse fluxo continue. Essa complementaridade interessa aos dois, pelo menos por enquanto, por mais que existam dúvidas e uma tentativa de mudança, pelo menos no discurso oficial:
“Os chineses estão operando em uma lógica de 15 e 20 anos, e nós no ciclo eleitoral de 4. Há uma convergência da nossa necessidade de investimento de curto prazo com o objetivo deles de fornecimento de longo prazo. Quando a presidente diz que nossas exportações precisam ter mais valor agregado, isso é mais para o público interno que externo; ela não vai dizer isso para o negociador chinês”, diz Troyjo.
Mais do que uma forma de desafiar o FMI e o Banco Mundial, o arranjo dos BRICS deve ser outro instrumento deste fluxo. Novas ferrovias no Brasil, por exemplo, farão com que os minérios cheguem aos portos e em direção à China de forma mais rápida, segura e barata.
“O Brasil não tem a poupança para financiar a melhora da sua infraestrutura, que é muito fraca, e os acordos com a China, além do banco dos BRICS, vão ajudar a resolver esse problema”, disse Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio Brasil-China, em evento recente em São Paulo.
Mercado consumidor
Isso sem falar na busca pelo mercado consumidor brasileiro e da América Latina, principal fator em número de projetos por trás dos investimentos chineses por aqui, segundo o Conselho Empresarial Brasil-China.
A entrada de milhões de pessoas na classe C atraiu a atenção de empresas como a Chery, cujos carros começam a aparecer nas ruas brasileiras. A JAC Motors é outra que deve inaugurar uma (ou mais) fábricas por aqui em breve.
Nesse processo, no entanto, os chineses se depararam com obstáculos do custo brasil que são velhos conhecidos dos empresários brasileiros - como o sistema tributário caótico e a falta de infraestrutura.
De acordo com uma reportagem recente da Reuters, os chineses tem se decepcionado também com o nosso baixo crescimento, as políticas protecionistas do governo e o que veem como uma rejeição popular à sua presença - contribuindo para uma baixa nos investimentos.
Uma coisa sempre esteve certa: a China não quer usar o Brasil como plataforma de exportação, já que os custos por aqui explodiram nos últimos anos.
A própria China já investe pesado em inovação e energias renováveis e está se afastando do seu antigo modelo de produção massiva com uso intensivo do trabalho e baixo valor agregado. Este papel de “China da China” está hoje reservado para alguns países africanos que crescem rapidamente e se tornaram destino da atenção asiática (agora também dos Estados Unidos).
A China de dentro
No longo prazo, não dá para entender a China sem olhar para o maior desafio do seu governo: depender menos de investimento e fazer a transição para uma economia de consumo sem desacelerar demais o crescimento. Exatamente o contrário do que o Brasil precisa.
Essa transição traz novas oportunidades para o mundo mas também dilemas que dividem os altos oficiais do partido, já que a “democracia de resultados” chinesa depende de uma diminuição constante da pobreza para manter sua legitimidade. Em última análise, é isso que explica coisas como a ofensiva anti-corrupção e toda a sua atuação externa:
“O Brasil precisa se esforçar mais em entender a política doméstica da China e os mecanismos através dos quais seus problemas internos se transmitem globalmente”, diz David Kelly, diretor de pesquisa da consultoria China Policy. Em outras palavras: eles estão de olho em nós – para não sair perdendo, o Brasil também não pode tirar o olho deles.