Economia

Acordo Cuba-UE implica modernização e maior tensão com Trump

O novo acordo representa um marco jurídico padrão entre a UE e Cuba, "um primeiro passo" em suas relações, segundo representante da UE

Cuba: era o único país latino-americano que não contava com um acordo com a UE (Shannon Stapleton/Reuters)

Cuba: era o único país latino-americano que não contava com um acordo com a UE (Shannon Stapleton/Reuters)

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AFP

Publicado em 1 de novembro de 2017 às 16h12.

União Europeia e Cuba normalizaram suas relações nesta quarta-feira (1) com a entrada em vigor de um acordo diplomático entre ambos, em um momento em que a ilha precisa de investimentos estrangeiros para bancar sua abertura e enfrentar novas tensões com o presidente Donald Trump.

A aplicação provisória do Acordo de Diálogo Político e Cooperação, fechado em 2015, põe fim a um complexo caminho iniciado em 2014 visando resolver uma exceção: Cuba era o único país latino-americano que não contava com um acordo deste tipo com a UE.

"Ao invés de um grande fosso de silêncio e de falta comunicação entre a ilha e a UE, agora há uma ponte para se comunicar, para manter relações políticas e diplomáticas muito mais intensas", disse à AFP a relatora do acordo na Eurocâmara, Elena Valenciano.

Embora a maioria dos países europeus mantenha relações bilaterais com Cuba, a postura da UE com a ilha se baseou durante duas décadas na chamada Posição Comum de 1996, que vinculava a cooperação europeia a "melhoras" no âmbito dos direitos humanos.

O novo acordo representa um marco jurídico padrão entre a UE e Cuba, "um primeiro passo" em suas relações, nas palavras de Valenciano, cujos âmbitos abarcam do diálogo político - direitos humanos, migrações - até a cooperação, passando pelas bases para suas relações comerciais.

As relações de ambos os lados do Atlântico "se desenvolverão, pela primeira vez, sob um marco contratual que reafirma as base de respeito, de observância do direito internacional", celebrou na terça-feira a Chancelaria cubana.

Investimento estrangeiro

A chefe da Diplomacia europeia, Federica Mogherini, destacou que "estão realmente virando a página" e o bloco, o maior investidor estrangeiro na ilha, se aproxima dos cubanos "quando o país experimenta uma modernização econômica, política e social".

No âmbito econômico, Cuba aprovou em 2014 uma nova Lei de Investimento Estrangeiro, mas nos dois anos seguintes o fluxo de capital de fora somou apenas 1,5 bilhão de dólares, o que motivou chamados do presidente cubano, Raúl Castro, a agilizar os processos.

Em 2017, o investimento estrangeiro subiu para dois bilhões de dólares, indicou na segunda-feira o ministro cubano de Comércio Exterior, Rodrigo Malmierca. Segundo cálculos oficiais, a ilha precisa de entre 2 e 2,5 bilhões anuais para reforçar a sua cautelosa abertura econômica.

"O que Cuba precisa agora é, sobretudo, investimentos e acesso ao financiamento internacional, porque com a situação na Venezuela o guarda-chuva tinha se reduzido", explica à AFP Anna Ayuso, pesquisadora sobre América Latina do centro de reflexão CIDOB.

Segundo Ayuso, codiretora da recente monografia "Nova etapa entre Cuba e União Europeia. Cenários do futuro", o acordo também dá "segurança" aos atores europeus ao representar um marco de resolução de possíveis polêmicas, além de integrar a ilha nos programas de cooperação do bloco.

A incerteza das empresas europeias se centra, ao contrário, nas sanções em virtude do alcance extraterritorial do embargo americano, embora a eurodeputada assinale que a UE conta com seus "tribunais e capacidade de gestão política e diplomática para responder a semelhante desafio".

Trump e Castro

O bloco europeu confirma assim a sua aproximação com Cuba, enquanto o presidente americano, Donald Trump, endurece a política de degelo de seu antecessor, voltando atrás em algumas medidas que aliviaram o embargo imposto à ilha.

Por isso, e quando Castro se dispõe a ceder o poder em 2018, a "Europa recupera iniciativa" e, junto com o Canadá, tentará que a transformação de Cuba "incorpore mais alguns valores de abertura", segundo Ayuso, que aponta para um "risco de involução" ante os setores mais resistentes a perder o controle dentro do Exército.

"Para os cidadãos cubanos, (o acordo) é uma mensagem de que a UE está atenta ao que pode acontecer na ilha", acrescenta Valenciano, que destaca o "respeito mútuo", mas relembra os valores defendidos pelo bloco: "democracia, liberdade, direitos humanos".

O acordo entre UE e Cuba deve agora seguir seu caminho até sua aplicação total, depois que os Parlamentos dos 28 países europeus o ratificarem, como fizeram até agora Alemanha, Bulgária, Estônia, Hungria, Eslováquia e República Tcheca.

Assim, somente os âmbitos que são competência do Executivo comunitário, como os aspectos comerciais e a cooperação, entraram em vigor nesta quarta-feira, deixando de fora esferas como a luta contra o terrorismo e o desarmamento.

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