Bandeira da Argentina: "A ficha finalmente caiu na Argentina", diz o professor Leonardo Trevisan, do Departamento de Economia da PUC-SP (Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 9 de abril de 2014 às 18h12.
São Paulo - A Argentina parece não ser mais a pedra no sapato do Mercosul na definição de uma proposta para um acordo de livre-comércio com a União Europeia.
Na manhã desta quarta-feira, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Mauro Borges, afirmou em Brasília que as conversas com os argentinos para chegar a uma oferta comum estão "quase no final" - e a proposta do bloco pode ser anunciada ainda hoje.
Especialistas ouvidos pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, concordam que, neste momento, a Argentina tem interesse de levar adiante a negociação de um acordo com os europeus, como parte de uma nova estratégia de abertura comercial.
"A Argentina não quer ficar isolada nem atrasada", afirma Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington e presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
"Eu entendo que a Argentina quer participar das reuniões com a União Europeia, o que é muito positivo porque coincide com a vontade do Brasil. Se vai sair o acordo entre os blocos, ninguém pode prever, é um processo demorado."
A negociação para o pacto de livre-comércio foi iniciada em 2000 e interrompida em 2006 por falta de qualquer tipo de avanço. Voltou à pauta no ano passado, mas havia uma dúvida entre os negociadores brasileiros se seria possível fechar uma proposta conjunta do Mercosul em função das barreiras comerciais impostas pela Argentina e das próprias dificuldades econômicas enfrentadas pelo país.
A oferta do Mercosul deve prever a redução de tarifas de importação para cerca de 90% do comércio com os europeus nos próximos anos.
A Argentina, até então, não tinha chegado a esse número, mas agora, ao que tudo indica, se mostra mais flexível. "A ficha finalmente caiu na Argentina", diz o professor Leonardo Trevisan, do Departamento de Economia da PUC-SP.
Segundo ele, com a economia imersa em uma crise cambial, carente de financiamento e investimento estrangeiros, o país se convenceu de que, além de promover ajustes, teria que migrar para um modelo econômico mais aberto.
"Quando a água bate em alguma parte do corpo, a gente aprende a nadar. A Argentina percebeu que não era mais possível ser excluída do comércio internacional", explica Trevisan.
"Também devemos levar em conta a perda de poder das alas mais protecionistas do governo argentino, o que tem relação com as eleições de 2015. Abriu-se espaço para uma negociação menos traumática."
De acordo com os analistas, a recente disposição para avançar em um tratado com a União Europeia seria apenas um exemplo da nova postura argentina. A estratégia também incluiria o acordo com a espanhola Repsol, que perdeu por decreto o controle da petroleira argentina YPF, e o início da negociação de um acordo com o Clube de Paris, que cuida das dívidas entre governos.
O economista Dante Sica, ex-secretário da Indústria da Argentina e diretor da consultoria Abeceb, explica que a abertura de frentes internacionais é parte da reforma conduzida este ano pela administração de Cristina Kirchner para enfrentar a crise cambial vivida pelo país. "O governo já começou esse esforço, mas demorará um certo tempo para surtir efeito", diz.
Entre as medidas já realizadas estão a desvalorização do peso para a faixa dos US$ 8, na tentativa de tornar as exportações mais competitivas, a restrição de importações, para frear a queda de reservas, e o corte de subsídios de gás e água, com o objetivo de engordar os cofres públicos e diminuir o déficit fiscal.
Segundo Dante, as ações não devem evitar uma economia fraca em 2014, com queda entre 1% e 2% e inflação ao redor de 30%.