Luiz Mendonça: segundo o executivo, o Brasil é o único país do mundo em que há integração entre o agronegócio e a indústria para a produção de óleos vegetais. (Acelen/Divulgação)
Repórter especial de Macroeconomia
Publicado em 3 de outubro de 2024 às 06h00.
A busca por alternativas aos combustíveis fósseis para reduzir as emissões de gases poluentes é uma obsessão global. E o agronegócio brasileiro, em sinergia com a indústria de biorrefino, parece ter encontrado uma solução viável para a produção de óleos vegetais que serão a matéria prima para fabricação de diesel renovável e de combustível sustentável de aviação. Se engana quem acha que essa solução passa pela cultura da soja. É na macaúba, uma planta nativa do cerrado, que a Acelen aposta as fichas, investirá US$ 3 bilhões em uma bioferrinaria na Bahia para produzir 1 bilhão de litros e avalia investir em até cinco polos para o desenvolvimento da cultura em todo o Brasil, com a construção de outras biorrefinarias.
Em entrevista exclusiva à EXAME, o CEO da Acelen, Luiz Mendonça, afirmou que o projeto de biorrefino é a prioridade da empresa, que foi criada em 2021 quando o Mubadala - o fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos – comprou a refinaria de Mataripe da Petrobras. Agora, a estatal negocia a recompra do ativo. A planta industrial que completou 74 anos em 17 de setembro recebeu $ 600 milhões de investimentos.
Mendonça não fez comentários sobre a negociação em curso entre as duas partes. Entretanto, avalia que o Brasil é o país com mais oportunidades para a produção de energia.
“Tenho 30 e poucos anos nas indústrias química, petroquímica, de energia, de óleo e gás. Esse dinamismo brasileiro sempre foi presente, faz parte. Esse dinamismo, por vezes, é ruim porque reduz a capacidade de previsão de um investidor, mas traz oportunidades. O Mubadala não enxergou apenas a refinaria de Mataripe, mas viu no Brasil um país com enorme potencial no setor de energia”, disse.
Com os investimentos da Acelen, a refinaria de Mataripe aumentou a capacidade diária de produção, que passou de 207 mil barris em 2021 para 250 mil barris, atualmente. Com isso, a produção de diesel aumentou 33% e a de querosene de aviação outros 181%.
Além disso, de dezembro de 2021 a agosto de 2024, a empresa reduziu em 26% o consumo total de água da refinaria, uma economia de 4,7 bilhões de litros, equivalente ao volume usado em uma cidade de 109 mil habitantes. “Se todas as refinarias do Brasil fizessem isso, nós não precisaríamos importar diesel”, disse.
No mesmo período, houve economia de 9% no consumo de energia, o equivalente ao consumo residencial de eletricidade de todo o estado de Roraima. Também foram reduzidas as emissões de gases poluentes em 46% e, de enxofre, em 87%, além de ter gerado menos 30% de resíduos em 2023, uma redução de mais de 7 mil toneladas.
“Eu te diria que fizemos a nossa parte, honramos todos os compromissos e ultrapassamos nossos objetivos em termos operacionais. É uma refinaria diferente da que a gente comprou. Também criamos empregos. Quando compramos a refinaria, tinha 800 pessoas e hoje temos mais de 1.100”, afirmou Mendonca.
Além disso, a companhia investirá outros R$ 530 milhões em Irecê (BA) para construir uma usina de energia solar que terá capacidade instalada de 161MW. A geração de energia renovável e limpa levará a empresa a abater 128 mil toneladas de CO2 por ano.
Em paralelo ao trabalho na refinaria de Mataripe, Mendonça afirmou que sempre foi provocado pelo Mubadala sobre como diversificar a produção de combustíveis no país. “O refino de combustíveis fósseis ainda será importante por décadas. Garante segurança energética. Por outro lado, vislumbramos a possiblidade de construir uma unidade adicional de biorrefino”, disse.
Os planos da companhia preveem o aporte de US$ 3 bilhões, dos quais US$ 1 bilhão na construção da fábrica de combustíveis e outros US$ 2 bilhões no desenvolvimento da cultura da macaúba em 180 mil hectares de pastagens degradadas em Minas Gerais e na Bahia. A empresa deve concluir o projeto de engenharia da biorrefinaria até o fim deste ano, começar a obra no início de 2025 e terminar o empreendimento em 2027.
Para desenvolver o cultivo da planta nativa brasileira de alto valor energético a empresa iniciou um investimento de R$ 250 milhões em pesquisa e inovação, que prevê a construção do Acelen Agripark, um centro tecnológico, em Montes Claros, em Minas Gerais.
No local serão desenvolvidos projetos pilotos de plantio, manejo, pesquisa genética, além do aprimoramento industrial para o esmagamento da macaúba para transformação em óleo vegetal.
Para 2025, o planejamento prevê a criação de uma fazenda piloto, com 5 mil hectares de macaúba. A planta é de sete a dez vezes mais produtiva por hectare plantado em comparação à soja. A meta é chegar em 2031 ou em 2032 com 180 mil hectares em áreas de pastagem degradadas.
Segundo o executivo, o Brasil é o único país do mundo em que há integração entre o agronegócio e a indústria para a produção de óleos vegetais. A soja seria uma escolha natural diante da abundância de lavouras, mas a Acelen preferiu apostar na macaúba como material primária.
Mendonça afirmou que existem pesquisas há 40 anos sobre a planta do cerrado. No setor das energias e combustíveis renováveis, disse o executivo, não há problema para construir uma biorrefinaria. Entretanto há dúvidas sobre qual a matéria prima que abastecerá a produção global de combustíveis renováveis.
“Não há matéria prima disponível para isso. A tecnologia para transformar a matéria prima em óleo existe. O desafio é encontrar a matéria prima competitiva. Foi no agronegócio brasileiro que encontramos esse espaço para inovação aberta”, disse.
Para Mendonça, as oportunidades são inúmeras no biorrefino e o projeto é ambicioso ao ponto de ser possível criar, a partir de uma planta brasileira, matéria prima para a indústria mundial de combustíveis renováveis. Segundo ele, só os mandatos assinados para uso de combustível sustentável de aviação na Europa preveem uma demanda de 17 bilhões de litros até 2030.
E as expectativas com o sucesso do projeto são altas. Nas conversas internas com o Mubadala já há expectativa de que outros quatro ou cinco polos de produção de macaúba sejam desenvolvidas em outras regiões do Brasil, com a construção de novas biorrefinarias.
“Podemos ter mais quatro ou cinco hubs [de plantação de macaúba com novas biorrefinarias]. Na medida que melhorar a produtividade, nós vamos produzir mais macaúba com menos área. A vantagem é que a macaúba não compete com outra cultura. É uma planta resiliente que demanda menos água. É uma floresta permanente. Não corto e replanto”, disse.