Idoso: capacidade do sistema de financiar novas aposentadorias é cada vez menor, por conta, entre outras coisas, do envelhecimento da população (Jaap Arriens/NurPhoto/Getty Images)
Ligia Tuon
Publicado em 14 de abril de 2019 às 08h00.
Última atualização em 14 de abril de 2019 às 08h00.
São Paulo - “A reforma da Previdência não é uma medida em benefício do atual governo, seu impacto fiscal será mínimo no curto prazo. É uma questão do Estado brasileiro, pois melhorará a sustentabilidade fiscal no Brasil, proporcionando maior justiça entre as gerações atual e futura. E, sobretudo, propiciando um horizonte de estabilidade ao país”.
Não foi Paulo Guedes, ministro da Economia de Bolsonaro, que proferiu as palavras acima. Foi Dilma Rousseff quando ainda era presidente da República, em 2016, sete meses antes de ter seu impeachment aprovado pelo Congresso.
Apesar de ter sinalizado mais de uma vez que defendia a criação de uma idade mínima para os brasileiros se aposentarem, ela não avançou na ideia. Além da resistência do próprio PT e de centrais sindicais, Dilma já perdia o apoio político e a capacidade de definir a agenda do Congresso.
A discussão sobre a reforma da Previdência foi ganhando corpo e culminou na apresentação, em dezembro de 2016, na Proposta de Emenda Constitucional 287 pelo governo de Michel Temer. Após uma longa tramitação (e desidratação), a proposta foi arquivada.
Uma nova reforma foi enviada pelo governo de Jair Bolsonaro e está atualmente em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados.
Com o debate esquentando, a oposição tenta bloquear o avanço da medida ao mesmo tempo em que aumenta a circulação de dados errados e notícias falsas sobre as mudanças.
Veja a seguir 5 mitos que vêm atrapalhando o entendimento de muita gente sobre o tema:
O rombo previdenciário superou 290 bilhões de reais em 2018, uma alta de 8% em relação ao registrado um ano antes, de acordo com o Tesouro Nacional. Esse número leva em conta o buraco do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que abrange os trabalhadores da rede privada e autônomos; do Regime Próprio da Previdência Social (RPPS), direcionado aos servidores públicos da União e dos estados e municípios; e do regime próprio dos militares.
Sozinho, o déficit do Regime Geral, operado pelo INSS, foi de 195 bilhões de reais em 2018. No período, o regime teve uma despesa de 586,3 bilhões de reais com benefícios, mas arrecadou bem menos: 391,2 bilhões de reais.
Um argumento frequente de quem defende que não há déficit na Previdência é o de que o sistema de Seguridade Social é financeiramente auto-sustentável de acordo com fontes previstas pela Constituição. O problema seria o redirecionamento de parte desses recursos para outras áreas do Orçamento.
Nos anos 1990, foi aprovada a Desvinculação das Receitas da União (DRU), que permite à União usar livremente até 30% das receitas que recebe de impostos e contribuições sociais federais.
Mas a Seguridade Social vista de forma geral, incluindo Previdência, Saúde e Assistência Social, também é deficitária e continuaria sendo mesmo sem a incidência da DRU.
A reforma de Bolsonaro inclui o fim da DRU para a seguridade social, além da segregação do orçamento entre saúde, previdência e assistência.
Mesmo usando algum cálculo de que a Seguridade Social se banca por impostos já previstos, o fato é que o governo como um todo apresentou déficits primários (excluindo os juros da dívida) todos os anos desde 2014; a previsão para 2020 é que esse rombo fique próximo de R$ 100 bilhões.
A população brasileira está em rápido processo de envelhecimento, o que também pressiona os gastos com saúde, e o aumento desta despesa tira espaço de todas as outras.
Cálculos do ministério do Planejamento mostram que, entre 2000 e 2017 houve, dentro do orçamento da seguridade social, crescimento da participação das despesas do RGPS em 8 pontos percentuais. "Tal crescimento se deu principalmente em detrimento das despesas com saúde, que perderam participação no total das despesas da seguridade social", diz documento.
Hoje, as despesas da Previdência com todos os regimes, incluindo o BPC (Benefício de Prestação Continuada), já chegam a 58% dos gastos primários da União, segundo dados do Ministério da Fazenda de abril do ano passado.
Dados compilados pelos economistas Paulo Tafner e Pedro Nery no livro "Reforma da Previdência: Por que o Brasil Não Pode Esperar", mostram que estes 58% para a Previdência contrastam com 13% para os salários do funcionalismo, 9% para saúde, 7% para educação e 2% para o Bolsa Família.
Outra afirmação repetida por opositores da reforma é que o estabelecimento de uma idade mínima para aposentadoria próxima dos 65 anos significa que o trabalhador irá morrer antes de poder se aposentar.
A crítica mais comum é que a reforma não leva em conta regiões onde a expectativa de vida é menor do que esse patamar. Mas não é bem assim.
O sistema previdenciário não deve levar em conta a expectativa de vida ao nascer, pois esta é uma média de todas as mortes.
No Brasil, a expectativa de vida ao nascer é puxada para baixo por fatores como a alta mortalidade infantil e a quantidade de jovens que morrem por conta da violência ou em acidentes de trânsito. Grande parte destas pessoas não chegariam a se aposentar em nenhum sistema.
O cálculo usado para mostrar quanto tempo viverá um aposentado se chama expectativa de sobrevida. Quem chega aos 65 anos no Brasil vive além dos 81, em média, segundo dados do IBGE. O número varia entre os estados, mas menos do que pode se imaginar.
A menor idade de sobrevida é de Rondônia, onde quem chega aos 65 anos vive até os 80,9, em média. A maior idade de sobrevida nesse contexto fica para o Espírito Santo: 85,1.
Os esforços da Lava Jato — a maior operação contra corrupção da história do país — já conseguiram devolver 13 bilhões de reais aos cofres públicos em um espaço de cinco anos.
A cifra é impressionante, mas ainda representa quinze vezes menos do que o rombo anual do INSS (sem contar no déficit dos outros regimes previdenciários).
A questão previdenciária não é um problema pontual, mas vem, sobretudo, da trajetória de crescimento acelerada do déficit. É o que os economistas chamam de um problema de fluxo e não de estoque.
Em outras palavras, mesmo que uma grande quantidade de dinheiro fosse injetada no sistema de uma vez só, o problema poderia ser sanado por um ano para voltar de forma ainda mais intensa.
O envelhecimento da população é um fenômeno mundial, mas que acontece no Brasil de forma acelerada. A taxa de fecundidade hoje é muito menor do que há 30 anos, o que implica em menos contribuintes.
A criação de uma idade mínima para aposentadoria acabaria com a figura da aposentadoria por tempo de contribuição, que hoje é a que mais onera o INSS e se concentra nas regiões mais ricas do país.
Para se aposentar por tempo de contribuição é preciso trabalhar com carteira assinada por 35 anos seguidos. Via de regra, isso é mais comum entre os mais escolarizados, já que os mais pobres estão mais representados em trabalhos informais.
A maioria dos brasileiros já se aposenta por idade: aos 65 anos, no caso dos homens e 60 anos, para mulheres. Vale aqui a crítica de Tafner e Nery no livro já mencionado: "O pedreiro e a empregada doméstica se aposentam aos 65 anos, mas seus patrões não possuem idade mínima para se aposentar".
Isso não significa que todos os aspectos da reforma de Bolsonaro sejam neutros do ponto de vista da desigualdade e do impacto social. As críticas dessa perspectiva se concentram em alguns pontos.
Um deles é o aumento do tempo de contribuição mínimo de 15 para 20 anos, pelas mesmas razões já citadas de dificultar a aposentadoria de trabalhadores que tendem à informalidade.
A principal crítica, no entanto, é na mudança proposta no Benefício de Prestação Continuada, o benefício de um salário mínimo atualmente pago para pessoas com deficiência e idosos a partir dos 65 anos que comprovem não poder se sustentar.
A proposta é que eles recebam 400 reais a partir dos 60 anos e que essa renda suba progressivamente até atingir um salário mínimo a partir dos 70 anos; o governo já sinalizou que vai rever a questão.
Se a reforma for aprovada da forma como está, deputados federais e senadores deixarão de ter um regime especial e passarão a usar o mesmo regime de aposentadoria dos trabalhadores da iniciativa privada.
Para a classe, valerá também a idade mínima de 62 anos para as mulheres e 65 anos para os homens, com contribuição mínima de vinte anos.