Economia

A pandemia demanda que os países aprendam rápido, diz Hausmann, de Harvard

Ricardo Hausmann, ex-ministro da Venezuela, afirma que a forma como os países resolvem seus desafios da pandemia pode se transformar em vantagem competitiva

RICARDO HAUSMANN: "Um agenda de inclusão é melhor que uma agenda de distribuição" (Christopher Goodney/Getty Images)

RICARDO HAUSMANN: "Um agenda de inclusão é melhor que uma agenda de distribuição" (Christopher Goodney/Getty Images)

LA

Lucas Amorim

Publicado em 31 de julho de 2020 às 13h43.

Última atualização em 1 de agosto de 2020 às 17h11.

Os países que estão se saindo melhor na pandemia do novo coronavírus são os que aprendem mais rápido -- e essa capacidade de aprender vai ser essencial no futuro. A visão é do venezuelano Ricardo Hausmann, ex-ministro do Planejamento de seu país antes da chegada de Hugo Chávez ao poder, ex-economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento e hoje gestor do laboratório de crescimento do centro de desenvolvimento internacional da Universidade Harvard.

Nos últimos quatro meses Hausmann está isolado em sua casa nos arredores de Boston, nos Estados Unidos, e, segundo ele, trabalhando como nunca. Segue ministrando aulas por vídeo-conferência, e escrevendo artigos para publicações de todo o mundo -- como a Exame. Neles, reflete sobre o que a humanidade está ou não está aprendendo com a pandemia, e como podemos nos adaptar, e progredir, para fortalecer a economia global.

A Exame participou de um debate com o venezuelano promovido pelo instituto Política Viva no Brasil, uma ONG focada no debate político e na defesa das instituições democráticas. Participaram também Paulo Dalla Nora Macedo, vice-presidente do instituto, e Silvio Dulinsky, líder de engajamento privado para a América Latina do Fórum Econômico Mundial.

A ideia era debater uma estratégia de desenvolvimento econômico para a retomada do Brasil e da América Latina. Hausmann destacou como a região foi pouco eficiente em adotar medidas de isolamento social que combatam a pandemia e que, ainda assim, foram extremamente danosas para a economia. "Na Europa, houve um grande aumento inicial de casos, mas após um período de apenas 12 dias de pico, os casos começaram a cair -- a França está 97% abaixo do pico neste momento", afirmou Hausmann.

Essa queda, como se sabe, não foi vista na América Latina, agravando uma já frágil situação econômica. "As medidas de distanciamento social foram muito custosas para a economia da América Latina e isso está acontecendo num contexto de condições iniciais já muito frágeis. O Brasil estava especialmente frágil fiscalmente", afirmou.

A fragilidade, como aponta Hausmann, é fruto de uma peculiaridade: o Brasil é o país que tem provavelmente um dos maiores governos, e uma das maiores cargas tributárias do mundo em desenvolvimento. "O problema do Brasil é que a constituição de 88 deixou o governo com pouco dinheiro para investir em infraestrutura e impulsionou os déficits. O Brasil estaria mais bem servido se conseguir reduzir os custos com aposentadorias e investir mais em um ambiente amigável para os negócios", afirma.

Neste contexto, se valer de programas sociais, como o que foi levado a cabo durante a pandemia, é um risco para o futuro, segundo o especialista. Ele estudou a região mexiana de Chiapas, uma das mais pobres do país, e constatou que os programas de transferência de renda não foram eficazes no longo prazo. "O país continuou sendo o mais pobre e o que menos cresce no México. O estado não fica rico ao fazer mais do mesmo. É preciso investir para melhorar a dinâmica econômica", diz. "O Brasil é provavelmente o país mais sério da América Latina ao investir em tecnologia, e a Embraer é um exemplo, mas precisa mais desta transformação, e não consegue fazer por causa de seus outros problemas, como os fiscais".

E como mudar a dinâmica econômica? Estando aberto a aprender. "Nesta pandemia, é perigoso dizer que você vai seguir boas práticas, porque pressupõe que as pessoas sabem o que fazer. O importante não é o que sabemos, ou o que uma consultoria sabe. Os países vão se diferenciar com base no que podem aprender de suas próprias experiências, e com base na experiência de outros. Os países têm diferentes problemas. Na América Latina, não adianta apenas fechar as firmas, já que temos um enorme setor informal", diz Hausmann.

"Essa experência vai mostrar que países descobrem o que é mais inteligente a se fazer. Onde as contaminações estão acontecendo? No Peru, uma grande parcela das casas não têm refrigeradores, então as pessoas têm que sair mais de casa para comprar comida, e talvez seja assim que estão sendo contaminadas".

"Os skills que usaramos para a covid podem ser usados em novas frentes. Devemos parar de pensar na economia do conhecimenomento, mas na economia da aprendizagem, em que desenvolvmenos a capacidade de aprender. Pense em Israel, um país de 72 anos. Eles estão pensando na covid como em sua possível frente de diferenciação competitiva. Trabalhe nas coisas que são suas grandes dores de cabeça -- suas soluções podem se transformar em suas vantagens competitivas", afirma.

As vantagens tendem a ser especialmente importantes num contexto de rearranjo das cadeias de produção globais. As pessoas e as empresas, afinal, perceberam que podem ser produtivas de casa, o que deve levar, segundo Hausmann, a uma nova organização inclusive das empresas multinacionais. "As empresas vao se mover do just in time para o just in case, em que pensam mais nos riscos de cadeias muito concentradas. As cadeias de valor do futuro terãoo uma nova arquitetura. Fica difícil prever acordos comerciais para reuniões por Zoom, por exemplo", diz.

Ganha força também uma sigla em voga nos últimos meses, a ESG, que resume a preocupação das empresas com o meio-ambiente e a sociedade. "A expectativa das sociedades com as empresas estão mudando. Na essência uma corporação vive da lealdade de seus stakeholders, e isso pode ser com fornecedores, vizinhos, empregados, consumidores, investidores. Você não vai conseguir essa lealdade se disser que só liga para os acionistas", afirma.

Um teste de fogo dessa nova visão das empresas -- e para o novo arranjo global -- tende a ser o mercado de vacinas. Governos ricos, como o dos Estados Unidos, estão investindo pesado para ter acesso privilegiado aos primeiros lotes. A corrida para desenvolver a vacina, claro, é saudável.

Mas, para Hausmann, a grande questão não está em quem vai desenvolver, mas em como as doses serão fabricadas e distribuídas. "Esses contratos deveriam estar sendo escritos agora, por governos em conjunto com as empresas, e sob coordenação da OMS. Mas a organização está preocupada na divisão entre China e Estados Unidos. Um problema global como esse demanda, claro, uma solução global", diz o professor de Harvard.

Hausmann tratou também de um dos temas mais quentes no debate sobre a retomada: a desigualdade. Para ele, o maior desafio de países como o Brasil é a desigualdade de oportunidades. "Atividades improdutivas são um desperdício do trabalho das pessoas. Melhorar a produtividade melhora a economia, e melhora a renda. As pessoas têm que conseguir participar da economia moderna, que se acelerou na pandemia. O Brasil precisa incluir seus cidadãos nos progresso -- nem que seja melhorando o transporte das pessoas e a conectividade de internet. Um agenda de inclusão é melhor que uma agenda de distribuição", afirma.

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