(Albert Gea/Reuters)
Da Redação
Publicado em 23 de dezembro de 2017 às 10h30.
The Struggle for Catalonia: Rebel Politics in Spain (“A batalha pela Catalunha: a política rebelde na Espanha”, numa tradução livre)
Autor:Raphael Minder
Editora: Hurst
256 páginas
US$ 21,93
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Em 1º de outubro de 2017, a Catalunha fez um referendo consultando uma parte de seus cidadãos a respeito da independência da região autônoma da Espanha. A votação foi um dos acontecimentos políticos mais importantes (e mais confusos) desde a redemocratização espanhola. O pleito foi proibido pela Suprema Corte do país, que considerou a consulta ilegal.
O governo regional da Catalunha, conhecido como Generalitat, não aceitou a decisão da Justiça e insistiu em levar o referendo adiante. A reação do governo central foi uma intervenção policial para impedir que a votação ocorresse na Catalunha. Foram registrados confrontos entre a polícia e catalães decididos a manter as zonas eleitorais abertas.
Criou-se um embate: a Generalit e os separatistas alegaram que 90% dos catalães votaram pela independência da região. Madri questionou o resultado tanto do ponto de vista legal, quanto questionando a legitimidade política da consulta. Segundo o governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy, o comparecimento de 42% dos cidadãos foi a prova de que a maioria dos catalães não deseja deixar a Espanha. Já os independentistas, liderados pelo então primeiro-ministro da Catalunha, Carles Puigdemont, deflagraram o processo de independência.
Desde 1978, quando acabou a ditadura comandada pelo General Franco, a Catalunha vem tentando (e conseguindo) ganhar cada vez mais autonomia. Em 2006, chegou a até incluir a palavra “nação” em seu estatuto. A Suprema Corte removeu o termo em 2010. O referendo de 2017 talvez tenha sido a maior crise da história moderna da relação entre a Espanha e a região. Madri venceu a contenda: destituiu Carles Puigdemont e seu governo e convocou eleições para o dia 21 de dezembro. Os partidos separatistas conseguiram obter a maioria dos assentos no Parlamento, e agora tentarão formar um novo governo – um processo que ainda pode levar meses.
Embora seja tentador tomar partido na questão catalã, o histórico torna essa escolha complicada. De um lado, os unionistas querem impedir a fragmentação da Espanha, com medo de que outras regiões decidam seguir o mesmo caminho, como o País Basco e a Galícia. De outro, os catalães invocam uma história milenar e costumes próprios para justificar um direito de soberania e autodeterminação, embora façam parte da Espanha há séculos.
Por isso, o livro The Struggle for Catalonia: Rebel Politics in Spain (“A batalha pela Catalunha: a política rebelde na Espanha”, numa tradução livre), do jornalista Raphael Minder, é oportuno. Trata-se de uma grande reportagem a respeito do estado de espírito dos catalães a respeito dos pleitos independentistas. Minder, que é correspondente do jornal americano New York Times na Espanha desde 2010, não procurou respostas fáceis e decidiu fazer um retrato da situação política e social da Catalunha, mostrando que a identidade catalã é muito mais complexa do que pode parecer.
Em mais de 200 entrevistas com políticos, ativistas e outras personalidades locais, Minder faz uma reflexão a respeito do que ele descreve como uma “completa complexidade do que está acontecendo nessa linda e extraordinária parte do mundo”. O jornalista afirma que não está “interessado em ir a um o outro lado do muro”, mas sim “em entender porque existem muros e porque algumas pessoas os consideram inaceitáveis”.
Nem mesmo dentro da própria Catalunha é possível saber com certeza o que o povo quer exatamente. “Um visitante estrangeiro que for aos novos bastiões ‘montanheses’ em cidades como Berga, podem facilmente chegar à conclusão de que a declaração de independência da Catalunha acontecerá em questão de semanas. Mas se esse mesmo estrangeiro, então, visitar algumas das cidades perto de Barcelona, como L’Hospitalet de Lobregat, a independência parecerá apenas uma possibilidade remota.”
José Maria Martí Font, jornalista e presidente da associação de correspondentes catalães, coloca a questão em termos bastante relativos. Na entrevista que deu a Minder, explica que “os catalães podem achar que têm o domínio da moral, falando sobre democracia, sobre nossos direitos e como somos maltratados por Madri, mas nós não temos um Exército, não temos um Tesouro e não temos nada mais que um pensamento positivo”. “Quem será o primeiro catalão realmente disposto a se arriscar em nome da independência?”
O importante, afirma no livro Teresa Freixes Sanjuán, professora de direito constitucional da Universidade Autônoma de Barcelona, seria “melhorar o nível do debate”. “O referendo”, disse, “simplifica tanto as opções que, no final, as perverte”. Um dado que poucas vezes é lembrado é que o eleitorado de Barcelona aprovou a Constituição Espanhola em 1978 com 91% dos votos. Embora os acordos políticos de 40 anos possam estar de fato ultrapassados, a impressão de que os catalães são majoritariamente pró-separação é reducionista.
Um dos principais argumentos usados pelos separatistas são os supostos maus-tratos sofridos pela Catalunha nas mãos do governo central, sediado em Madri. Haveria, segundo a retórica de quem deseja a independência, um viés que sempre penderia contra as aspirações catalãs. A decisão da Suprema Corte Espanhola em não permitir o uso da palavra “nação” do estatuto da região seria um dos mais flagrantes exemplos dessa diferença de tratamento. Mas, como mostra Minder, depois dessa decisão, a Catalunha obteve 35 vereditos favoráveis num total de 55 casos julgados pela Corte.
No plano simbólico, porém, ainda há muito a se fazer para que os catalães se sintam cidadãos de fato. “Depois da morte de Franco, a Espanha poderia ter dado reconhecimento completo ao catalão, basco e galego como idiomas minoritários”, afirma Minder. “Em vez disso, parlamentares no Congresso espanhol continuam a debater apenas em castelhano.”
O livro de Raphael Minder é uma investigação jornalística que se vale da honestidade intelectual para mostrar que questões complexas têm de ser tratadas com todas suas nuances. Caso contrário, corremos o risco de ser conduzidos por retóricas políticas cujos interesses nem sempre estão claros.