Economia

A irracionalidade racional do Nobel Richard Thaler

Não foi por mostrar que somos todos estúpidos que Richard Thaler ganhou o Nobel de economia. Foi por dizer que nossa estupidez faz algum sentido

Richard Thaler: ele afirmou que vai tentar gastar o prêmio de U$ 1,1 mi "da maneira mais irracional possível" (Kamil Krzaczynski/Reuters)

Richard Thaler: ele afirmou que vai tentar gastar o prêmio de U$ 1,1 mi "da maneira mais irracional possível" (Kamil Krzaczynski/Reuters)

DR

Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2017 às 17h47.

Última atualização em 9 de outubro de 2017 às 19h15.

Aproximadamente um em cada dez artigos hoje nas publicações de economistas têm a ver com economia comportamental. Já era de se prever, portanto, que o comitê que confere o Prêmio Nobel passasse a eleger mais representantes da área.

O prêmio deste ano, conferido nesta segunda-feira ao economista americano Richard Thaler, é o segundo do gênero, depois da escolha de 2002, do israelense Daniel Kahneman. Ou o terceiro, se contarmos a premiação de 2013 para Robert Shiller, um pioneiro das finanças comportamentais. Ou o quinto, se incluirmos na conta dois Nobel ligados à tomada de decisão, especialmente o de 1978, para Herbert Simon, uma espécie de patriarca desse campo, com sua teoria da “racionalidade limitada”.

A dívida intelectual que todos têm com Simon, aliás, foi exemplificada no comentário que Cass Sunstein, parceiro de Thaler em seu mais conhecido trabalho, o livro Nudge, fez pelo Twitter: “a decisão do comitê foi ilimitadamente racional”, escreveu.

Essa racionalidade toda só ficou evidente nos últimos anos. Na década de 1970, Thaler era uma espécie de pária da economia. Ele chegou a largar a profissão, quando foi rejeitado para o cargo de professor em todas as universidades que procurou. Tornou-se consultor.

A alternativa também não deu muito certo. A empresa fechou um escritório e o mandou embora, como relata Michael Lewis, no livro O Projeto Desfazer, sobre a amizade criativa entre Kahneman e Amos Tversky.

Aos 37 anos, desempregado e sem dinheiro, casado e com dois filhos pequenos, Thaler bateu à porta da escola de negócios da Universidade de Rochester e conseguiu um emprego temporário. E então escreveu um artigo que mudou sua sorte. Era um cálculo sobre o valor da vida humana.

Para chegar ao valor, Thaler pegou tabelas de salários de profissões arriscadas e a expectativa de vida de gente com essas ocupações. Em tese, o acréscimo de salário para um acréscimo de risco poderia indicar, por um mero cálculo de regra de três, o valor do salário para um risco de 100% – ou seja, morte certa.

Era o tipo de raciocínio oposto ao que o tornaria famoso, porque presumia que as pessoas tomam esse tipo de decisão (de quanto cobrar por um trabalho mais arriscado) racionalmente. De qualquer forma, o artigo fez sucesso, e garantiu-lhe o emprego em Rochester.

Uma evolução de sua pesquisa levou Thaler a duvidar das premissas básicas da teoria econômica. Ele havia feito questionários em que perguntava quanto a pessoa pagaria pela cura de uma doença fatal que tivesse uma chance em mil de ter contraído. Mas também fez a mesma pergunta de outra forma: quanto você cobraria para ser exposto a um risco de um em mil de contrair a doença?

Para o homo economicus, fruto das teorias utilitárias, a quantia devia ser a mesma. Mas as respostas tinham uma variação de duas ordens de grandeza: em média, as pessoas diziam que pagariam 10.000 dólares pela cura, mas cobrariam 1 milhão de dólares para ser expostas ao vírus.

Seu orientador de tese o aconselhou a parar de pensar nessas coisas e se concentrar na “verdadeira economia”. Não havia espaço para esse tipo de preocupação, naquela época. Então Thaler começou a colecionar exemplos de comportamentos que vão contra as previsões da teoria econômica.

Boa parte dessa lista era de casos que mais tarde ele chamaria de “efeito da posse” (endowment effect). Uma pesquisa típica desse efeito é a seguinte: uma turma de pessoas é dividida em três grupos. O primeiro tem de escolher entre receber uma xícara e uma barra de chocolate. Descobre-se então que as preferências se dividem quase meio a meio.

Um segundo grupo recebe a xícara e, algum tempo depois, a oferta de trocá-la pelo chocolate. O terceiro grupo, ao contrário, recebe o chocolate e depois a oferta de trocá-lo pela xícara. Em ambos os casos o número de trocas é irrisório. Conclusão: objetos ganham valor pela simples posse.

Os erros sistemáticos

O que fez a lista de Thaler se tornar valiosa foi seu encontro com as teses de Kahneman e Tversky. Até então, todas as idiossincrasias das pessoas eram consideradas desvios aleatórios – e a resposta dos economistas aos exemplos de Thaler era que os erros compensariam uns aos outros. Na média, os seres humanos se aproximariam do comportamento racional.

Quando leu o trabalho de Kahneman e Tversky, porém, Thaler se entusiasmou. “Eu percebi que eles haviam tido uma ideia”, disse, segundo o relato de Lewis. “E a ideia era o viés sistemático.”

Se as pessoas cometem os mesmos erros consistentemente, eles não se anulam. Por isso, os mercados podiam ter também um comportamento irracional.

A partir de então, Thaler deixou de ser um economista desajeitado e se tornou um campeão de uma nova vertente da economia, a que deu o nome de economia comportamental.

Um dos motivos citados pelo comitê do Nobel para a escolha de Thaler foi que seu trabalho inspirou muitos outros pesquisadores e transformou a economia comportamental, de marginal e controversa, em uma área central da economia.

A inserção da psicologia na teoria econômica é muitas vezes apresentada como um baque para a economia clássica. Mas ela pode ser encarada como uma tábua de salvação.

Na maior parte do século 20, a teoria econômica considerava que os seres humanos agem racionalmente. Especialmente depois dos anos 1950, quando a matemática invadiu o campo da economia, essa premissa era crucial – porque permitia fazer modelos e deles extrair previsões ou explicações.

É claro que os economistas entendem que as pessoas nem sempre agem racionalmente. Mas os neoclássicos argumentam que os resultados são suficientemente perto da realidade para manter a premissa.

Ao criar coleções de vieses e preconceitos, a economia comportamental de certa forma ajuda a manter vivas as teorias tradicionais. Ela permite que se analisem os desvios do que seria o comportamento ideal – ou seja, permite que se mantenha a ideia de um comportamento ideal.

Thaler foi um mestre em documentar esses desvios. Além do “efeito de posse”, outros vieses incluem o senso de justiça. Assim, uma loja não pode aumentar o preço dos guarda-chuvas tanto quanto gostaria, porque as pessoas preferem ficar molhadas a ceder a algo que percebam como extorsão.

Seus insights deram origem a vários experimentos como o “jogo do ditador”, em que uma pessoa recebe uma quantia e deve distribuí-la com uma segunda pessoa; esta segunda pessoa não pode negociar, mas pode recusar a oferta – neste caso, o ditador também não ganha nada.

Para um homo economicus, faria sentido aceitar qualquer divisão, afinal qualquer número é maior que zero. Na prática, as pessoas dão quantias substanciais ao presenteado. O número varia bastante de cultura para cultura ou de acordo com como a situação é apresentada, mas em geral os ditadores abusivos são rechaçados.

Thaler também cunhou a teoria da contabilidade mental, a tendência das pessoas de separar o dinheiro em diversas “contas”, de forma a lidar melhor com as limitações cognitivas em um mundo complexo (uma resposta à teoria de racionalidade limitada de Simon).

“Essa teoria mostra como os indivíduos podem superar suas limitações cognitivas simplificando o ambiente econômico de formas sistemáticas, mas também como essas simplificações podem levar a decisões subótimas”, disse o comitê do Nobel.

Um exemplo: quando o preço da gasolina cai, a teoria econômica tradicional diz que as pessoas utilizam o dinheiro que sobra em outras coisas das quais precisam. Na verdade, elas gastam boa parte do dinheiro extra em gasolina, às vezes migrando para a gasolina premium, mesmo que o carro não precise. A explicação de Thaler é que aquele gasto já está compartimentado.

A teoria do empurrão

O trabalho de Thaler sobre os limites da cognição humana e sobre as dificuldades de auto-controle (que nos levam a pensar no curto prazo, aceitando por exemplo um preço alto só porque as prestações cabem no bolso) derivaram em seu conceito mais famoso: o do empurrãozinho – ou nudge, em inglês.

A ideia básica é que nós tomamos decisões diferentes, dependendo da forma como a questão é apresentada. Seu conselho, então, para que as pessoas tomem decisões melhores é usar a inércia a favor das boas políticas públicas.

Assim, países em que as pessoas decidem se querem doar seus órgãos após a morte têm taxa de doação muito baixa; mas países em que as pessoas podem optar por não doar seus órgãos após a morte têm taxa de doação alta.

Um governo pode estimular a poupança se, em vez de colocar um plano de aposentadoria à disposição dos cidadãos, os inscrever automaticamente e deixá-los se retirar do plano, caso queiram.

O livro Nudge, escrito em 2008 com Sunstein, argumentava que os governos tinham várias oportunidades para melhorar as políticas públicas.

O livro não só foi um estrondoso sucesso como provocou mudanças na forma como vários governos agem. Sunstein foi nomeado chefe do escritório de informações e assuntos regulatórios do governo Obama, em 2009. No ano seguinte, Thaler se tornou conselheiro do governo britânico para a montagem de um time de insights comportamentais (BIT, das iniciais em inglês).

A ideia do BIT era ser fechado, caso não economizasse para o governo pelo menos dez vezes mais do que seu orçamento (de 500.000 libras por ano). Ele economizou cerca de 20 vezes o seu custo – e deu origem a uma onda global de “nudging”.

Um exemplo é uma carta, escrita por um jovem brilhante para crianças pobres que tiraram notas boas. Na carta, o jovem relata que quando tinha a idade das crianças não sabia que poderia estudar numa faculdade de primeira linha, com notas como aquelas – porque elas em geral têm programas de bolsa.

Crianças que receberam duas dessas cartas foram em números maiores para universidades de ponta, a um custo muito menor que os dos gastos usuais da universidades para atrair jovens carentes.

Outro exemplo: o Qatar elevou a porcentagem da população que faz teste de diabetes ao oferecer os exames durante o Ramadã. Como neste mês os muçulmanos jejuam durante o dia, não havia esforço extra para fazer o exame de sangue (que exige jejum).

Uma crítica usual às políticas de “empurrãozinho” é que elas tratam as pessoas como crianças. A resposta de Thaler é que não existe um modo neutro de apresentar escolhas; então por que não apresentá-las de um modo que dê os melhores resultados?

Contanto que as escolhas sejam transparentes, e submetidas a políticos democraticamente eleitos, o nudge representa, diz Thaler, uma espécie de “paternalismo libertário”: políticas minimamente invasivas que inclinam as pessoas a tomar melhores decisões econômicas.

Os limites do comportamento

Parte do sucesso da economia comportamental é que ela não exige a destreza matemática que se tornou tradição a partir dos anos 1950. Naquela época, os economistas tinham uma espécie de complexo de inferioridade em relação aos físicos.

Não é à toa que o segundo prêmio Nobel de economia tenha sido dado a Paul Samuelson, o principal introdutor da análise matemática na economia.

A honra dada a Thaler, este ano, representa um refluxo. Não só porque os economistas exageraram no mergulho matemático, tornando a disciplina por vezes inescrutável. Mas também porque era preciso, como disse o comitê do Nobel, “tornar a economia mais humana”.

Thaler, que sofria de uma leve dislexia quando criança, costumava tirar B na escola e se sentiu frustrado com a quantidade de equações que havia na economia. Sentia-se deslocado. “Eu era mais interessante que os meus colegas, e não tão bom em matemática”, disse.

Uma consequência indesejada da complexidade das equações em economia é a possibilidade de o mercado se tornar incompreensível, com consequências funestas – como se viu na crise de 2007/2008.

Se a psicologia é um remédio para isso, sua dose ainda não está equilibrada. Uma das críticas mais contundentes à economia comportamental é sua falta de rigor. As teses todas fazem sentido, mas em geral a posteriori. Pior: nos últimos anos, vários pesquisadores de diversos campos tentaram replicar alguns experimentos famosos… e não obtiveram os mesmos resultados.

Outra crítica comum é que os estudos costumam ser pouco rigorosos: na maioria das vezes, são questionários ou experimentos aplicados aos estudantes de faculdade, que não formam uma amostra representativa da sociedade.

Há pouca dúvida de que, no futuro, os dois extremos – modelos matemáticos e psicologia – tenham que se fundir mais harmoniosamente.

Thaler pode servir de exemplo. Junto com o também laureado Robert Shiller, ele dirige o projeto de economia comportamental do Birô de Pesquisas Econômicas dos Estados Unidos.

Suas teses ajudaram a ilustrar o filme A Grande Aposta, que explica a crise financeira pela história de alguns corretores que perceberam que a bolha iria estourar. Thaler faz inclusive uma participação especial no filme, ao lado da atriz Selena Gomez.

Em suas primeiras entrevistas após o anúncio do prêmio Nobel, Thaler brincou que ficou desapontado porque sua “curta carreira em Hollywood” não foi citada no sumário de suas realizações pelo comitê.

Quando lhe perguntaram como gastaria os 9 milhões de coroas suecas do prêmio (cerca de 1,1 milhão de dólares), respondeu: “vou tentar gastá-los da maneira mais irracional possível”.

Acompanhe tudo sobre:EconomistasExame HojePrêmio Nobel

Mais de Economia

Presidente do Banco Central: fim da jornada 6x1 prejudica trabalhador e aumenta informalidade

Ministro do Trabalho defende fim da jornada 6x1 e diz que governo 'tem simpatia' pela proposta

Queda estrutural de juros depende de ‘choques positivos’ na política fiscal, afirma Campos Neto

Redução da jornada de trabalho para 4x3 pode custar R$ 115 bilhões ao ano à indústria, diz estudo