Chineses praticando dança publicamente em Beijing (Tomohiro Ohsumi/Bloomberg)
João Pedro Caleiro
Publicado em 12 de março de 2015 às 16h17.
São Paulo – US$ 4 bilhões em empréstimos para Venezuela. US$ 2 bilhões para projetos de petróleo em Angola. US$ 7,5 bilhões em infraestrutura para o Equador. US$ 3 bilhões em empréstimos para Vietnã, Tailândia e outros parceiros na Ásia. Trocas de moeda no valor de US$ 2,3 bilhões com a Argentina e US$ 24 bilhões com a Rússia.
Já em 2012, o economista Peter Nolan perguntava: a China está comprando o mundo? E desde então, a lista de países que recebem algum tipo de ajuda direta dos chineses não parou de crescer.
Também se multiplicam os mecanismos para isso - entre eles, o Banco dos BRICS, o Banco Asiático de Investimento e Infraestrutura e o Fundo da Rota da Seda. Como segunda maior economia dos BRICS, o Brasil não poderia ficar de fora deste processo.
A rachadura sem precedentes na estrutura de Bretton Woods faz com que analistas se perguntem: chegou o dia em que o presidente Xi Jinping estará na frente de Christine Lagarde, chefe do FMI, e Jim Kim, presidente do Banco Mundial, na lista telefônica dos líderes emergentes em crise? E mais: eles deveriam estar preocupados com isso?
Para Peter Doyle, que era conselheiro econômico da divisão europeia do FMI (Fundo Monetário Internacional) e saiu com fortes divergências, o papel destes organismos internacionais nunca foi o de suprir todas as necessidades do sistema:
O FMI foi desenhado para ser um catalisador com tamanho pequeno. A ideia era que na medida em que ele se comprometesse com um país problemático, a credibilidade da sua ajuda seria suficiente para trazer financiamento privado para o barco.
É difícil imaginar isso acontecendo no caso de um empréstimo chinês com zero transparência e sem exigência de reformas para um país na situação da Venezuela, por exemplo – que, aliás, está rompida com o FMI desde 2007.
China 2.0
São essas e outras coisas que fazem Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade de Columbia, concordar que a China não está substituindo algo que existe, e sim criando algo que não existia:
É natural, já que até agora houve uma brutal desproporção entre seu forte status comerciante e seu baixo perfil como investimento direto ou de portfólio. Hoje o Banco Mundial e o FMI são excelentes think tanks, mas vai pedir para eles uns bilhões para turbinar a malha ferroviária da Índia, por exemplo. Não vai ter!.
A disposição em preencher estes vácuos é sinal de uma China 2.0, que pela primeira vez pensa não apenas no que quer do mundo, mas também no que quer para o mundo.
A economia chinesa foi coroada a maior do mundo em paridade de poder de compra justamente no momento em que registrou sua menor taxa de crescimento em 25 anos. A ideia agora é crescer menos, mas melhor - o que significa abandonar o vício em investimento e criar uma nação de consumidores.
A China também já é, pela primeira vez, mais fonte do que destino de investimento. Nada mais natural que ela passe a atuar no cenário global de forma mais vigorosa e sofisticada:
Uma dessas maneiras é identificar aqueles países com o qual tem coincidência ideológica ou simpatia, mas também aqueles com dupla função: fornecer commodities e ao mesmo serem clientes fiéis de manufaturados chineses sem necessariamente usar a moeda americana no processo, diz Troyjo.
Riscos
Outro fator a ser levado em conta é que desde a crise, minguaram as oportunidades de aplicação seguras e lucrativas. Hoje, 90% do mundo industrializado está com juro zero ou próximo disso:
"A China está fazendo a mesma coisa que qualquer investidor do mundo: procurando ganhos. Os ganhos com o Tesouro são muito baixos e os juros também. O FMI deve se preocupar com isso só na medida em que configura uma corrida geral para o risco, diz Doyle.
Este risco, por enquanto, parece pequeno e bem equilibrado pelos chineses - o que não pode ser dito da dívida explosiva ou dos investimentos ineficientes.
A China ficou grande demais. Para quem tem US$ 4 trilhões de reserva, US$ 50 bilhões como estoque de divida é uma gota no oceano, diz Troyjo.
Mas se o risco financeiro pode até ser baixo, o político talvez não seja. Durante uma entrevista em Davos, Ricardo Hausman, ex-ministro da Venezuela hoje em Harvard, lembrou de dois episódios: a crise argentina e a crise grega, fontes de grande desgaste para o FMI e o BCE, respectivamente.
Ele prevê que a crise venezuelana será a primeira na qual o papel financeiro dos chineses será questionado. E completa: Espero que a China aprenda uma lição: você ganha os biscoitinhos políticos na hora de emprestar, mas perde na hora de cobrar. Veja a entrevista (em inglês):