Rio de Janeiro: os investimentos foram fortemente penalizados na capital e representaram 2% do orçamento em 2018 (Phil Clarke Hill/In Pictures/Getty Images)
João Pedro Caleiro
Publicado em 31 de outubro de 2019 às 17h00.
Última atualização em 31 de outubro de 2019 às 18h40.
São Paulo - 73% dos municípios brasileiros foram avaliados com gestão fiscal difícil ou crítica, de acordo com um índice divulgado nesta quinta-feira (31) pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan).
Essa realidade atinge nove capitais: Florianópolis, Maceió, Porto Velho, Belém, Campo Grande, Natal, Cuiabá, Rio de Janeiro e São Luís.
O índice considera autonomia, gasto com pessoal, investimentos e liquidez. Nesse último quesito, há quatro capitais com nota zero: Belém, Cuiabá, Rio de Janeiro e São Luís.
Na prática, a falta de liquidez pode fazer com que a cidade tenha que adiar pagamentos a fornecedores ou até mesmo de servidores públicos, como já aconteceu no Rio de Janeiro recentemente mais de uma vez.
"A crise fiscal municipal é estrutural: baixa capacidade de gerar receitas para financiar a estrutura administrativa da prefeitura e alta rigidez do orçamento, o que dificulta um planejamento eficiente e penaliza investimentos", diz o relatório.
"Tem coisas que um bom gestor poderia resolver. Mas precisaríamos de 5.337 bons gestores", diz Jonathas Goulart, gerente de estudos econômicos da Firjan, se referindo ao número de municípios que tiveram suas prefeituras analisadas e onde vive 97,8% da população brasileira.
Para Goulart, os entes precisam se beneficiar das reformas que estão sendo consideradas pelo governo federal para flexibilizar e desonerar o orçamento público. Servidores municipais e estaduais foram retirados durante a tramitação da reforma da Previdência, aprovada recentemente.
"É muito importante que os municípios participem das novas regras previdenciárias, já que grande parte de seus gastos obrigatórios estão ligados com folha de pagamento de servidores", diz.
A reforma administrativa e a tributária também poderiam beneficiar o orçamento dos municípios, segundo ele. Sobre a tributária - cuja proposta mais avançada em tramitação no Congresso, a PEC 45, sugere a criação de um imposto cobrado no momento do consumo, no local em que ele ocorre - se aprovada, muitos municípios veriam suas receitas subirem.
"Não é toda cidade que pode se beneficiar de receitas vindas de atividade produtiva, mas todos os seus moradores consomem", diz Goulart.
Municípios grandes são os mais resistentes ao modelo de reforma tributária com um imposto incidente sobre bens e serviços, por temerem a perda do poder fiscalizador, hoje direcionado ao recebimento de ISS, que incide sobre serviços e é exclusivo desses entes.
Depois de encaminhadas as reformas e partindo do pressuposto que os municípios também se beneficiem delas, Goulart defende que os prefeitos possam ser punidos se incorrerem em crime de responsabilidade fiscal.
"Hoje, há uma certa flexibilização em relação a essa punição, justamente porque, com os orçamentos engessados, os prefeitos acabam não conseguindo cumprir suas obrigações legais com certa frequência", diz.
A principal fonte de recursos dos municípios, de forma geral, é o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), sustentado por recursos da União. Segundo Goulart, esses fundos acabam beneficiando mais os pequenos que, em teoria, são os mais pobres por não terem uma atividade econômica relevante que gere receitas. "A realidade, no entanto, nem sempre é essa", diz.
Para ele, as regras de acesso ao FPM, da forma como é feita hoje, favorece fraudes e desequilíbrios, já que não há estudos prévios de viabilidade financeira para a criação de um município. "Para haver um município independente, ele precisa poder se sustentar", diz Goulart.
A parte do índice geral que mede a autonomia dos municípios é uma das mais críticas do estudo. Esse subíndice leva em conta a relação entre as receitas vindas da atividade econômica do município e os custos para manter sua Câmara de Vereadores e a estrutura administrativa da Prefeitura. O levantamento revela que 1.856 cidades não tem dinheiro nem para isso.
Essas cidades gastaram, em média, R$ 4,5 milhões com despesas e geraram apenas R$ 3 milhões de receita local em 2018.
Para garantir sua autonomia em relação aos custos com sua existência, essas cidades precisariam aumentar seus recursos próprios em 50%, destaca a Firjan. Esse cenário, porém, é muito pouco provável "especialmente no cenário em que elas experimentam aumento real de apenas 9,6% de sua receita local nos últimos cinco anos", diz o estudo.
A dificuldade aumenta na região Norte e Nordeste do país, onde 45,6% e 71% dos municípios, respectivamente, não se sustentam e levam nota zero no indicador.
No quesito gasto com pessoal, metade do país está em situação crítica. O estudo traz que 2.535 dos municípios gastam acima do limite de alerta (54% do orçamento) com seus servidores. Desses, 81% estão fora da lei de responsabilidade fiscal e gastam 60% de seu orçamento ou mais nesse setor.
A rigidez orçamentária é um dos principais agravantes desse cenário. Outra ideia aventada pelo governo é o fim dos pisos constitucionais de 25% da receita para educação e 8% de saúde. Ainda que não afetasse grande parte dos municípios, que já investem além do mínimo exigido, elas permitiriam a uma cidade com poucas crianças focar em saúde, por exemplo.