Logo do Fórum Econômico Mundial, em Davos, Suíça: 22 de janeiro de 2020. REUTERS/Denis Balibouse (Denis Balibouse/Reuters)
Ligia Tuon
Publicado em 25 de janeiro de 2020 às 08h00.
Última atualização em 25 de janeiro de 2020 às 09h00.
São Paulo — O mundo passa por um "ponto de inflexão", disse Ian Bremmer, presidente e fundador do grupo Eurasia, neste mês.
O tom dominou o 50º Fórum Econômico Mundial, que reuniu na última semana chefes de Estado, empresários, pensadores e celebridades em Davos, na Suíça.
Urgência e reformulação foram as palavras de ordem nos painéis, que foram das desigualdades extremas às mudanças climáticas, passando pela ansiedade com as mudanças no mercado de trabalho trazidas pela automação.
O ruído de Paulo Guedes
Em um painel já na terça-feira, o ministro da Economia disse que o maior inimigo do meio ambiente é a pobreza e que "as pessoas destroem o meio ambiente porque precisam comer".
A fala foi amplamente questionada. No contexto brasileiro, por exemplo, o desmatamento para fins de subsistência é uma porcentagem pequena perto da devastação em curso na Amazônia.
No dia seguinte, uma resposta indireta veio da parte de Al Gore, ativista e ex-vice-presidente dos Estados Unidos, que durante uma mesa sobre a Amazônia disse que desmatar para reduzir pobreza é dar falsa esperança aos pobres.
Em reunião fechada com empresários, Guedes tentou explicar seu raciocínio, dizendo que a questão é que as maiores cobranças ao Brasil vinham justamente de países que já destruíram suas florestas. “Agora falei certo?”, perguntou Guedes a interlocutores na saída da reunião.
A agenda de Guedes incluiu mais painéis, além encontros com investidores e empresários e conversas com representantes de outros governos.
Um dos anúncios feitos pelo ministro lá foi que as empresas estrangeiras poderão, a partir de agora, participar de licitações e outras concorrências em situação de igualdade com companhias brasileiras.
Ele também defendeu os "impostos do pecado", termo usado por economistas para sobretaxação de produtos que fazem mal à saúde como cigarro e bebidas alcoólicas e açucaradas. Bolsonaro disse que concordava com o ministro em "99%", mas não sobre subir imposto da cerveja.
Desigualdade
Uma pesquisa divulgada pelo Fórum no primeiro dia mostrou que cerca de 2 mil bilionários têm mais do que o dobro da riqueza do resto da humanidade combinada. Os dados foram levantados pela ONG britânica Oxfam, que pediu aos governos que adotem “políticas de combate à desigualdade”.
O assunto está ligado com a falta de mobilidade social, tema de um relatório do Fórum. O Brasil é um dos países mais desafiadores para quem quer ascender socialmente, na 60ª posição entre 82 economias.
Em um das sessões, Mohamad Al Jounde, um refugiado sírio que ganhou o Prêmio Internacional da Paz da Criança depois de construir uma escola para crianças que fugiram da guerra em seu país, disse que temia que o foco nas mudanças climáticas tirasse de cena temas como educação, desigualdade e saúde.
As pessoas que lutam para acessar o básico não acham que podem fazer algo sobre o clima, disse ele nesta sexta-feira (24).
Na mesma discussão, Achim Steiner, cientista, diplomata e ambientalista germano-brasileiro, disse que é a desigualdade que faz com que as pessoas acabem questionando a globalização.
Economia digital
Antes celebradas, as grandes empresas de tecnologia como Google Facebook, Apple e Amazon vêm sido mais cobradas pela sociedade civil e por órgãos reguladores.
No painel "Como Taxar Economias Digitais", o secretário-geral da Organização para o Desenvolvimento Econômico e Cooperação (OCDE), Angel Gurria, disse que espera lançar as bases de um imposto digital já em 2020.
Há um ano, os países-membros da organização não conseguiram entrar num acordo, mas agora Gurria acredita que “um espaço de consenso poderia se abrir”.
Países europeus estão divididos sobre a melhor forma de cobrar impostos de companhias com sedes em outros países, e Trump ameaça retaliar quem começar a taxar as empresas americanas de tecnologia.
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— World Economic Forum (@wef) January 24, 2020
Greta não entende de economia. Mas e os economistas?
No primeiro dia do evento, o presidente americano disse em discurso que os "catastrofistas e suas previsões apocalípticas" deviam ser rejeitados. A jovem ativista sueca Greta Thunberg estava na plateia.
Horas antes, ela disse que nada estava sendo feito para evitar uma catástrofe ambiental e pediu a suspensão imediata dos investimentos em combustíveis fósseis.
Dois dias depois, o secretário do Tesouro americano, Steven Mnuchin, disse que ela deveria “primeiro estudar Economia na universidade” para depois “voltar e explicar” seu pedido: "Quem ela é, economista-chefe?", disse.
Ao ser questionada sobre as declarações de Mnuchin, Greta disse não se sentir afetada: “Não têm qualquer efeito. Eles nos criticam desta maneira constantemente. Se nos incomodássemos, não poderíamos fazer o que estamos fazendo. Nós mesmos nos colocamos no centro das atenções”.
Greta pode não ser economista-chefe, mas Christine Lagarde é, e a das mais importantes: do Banco Central Europeu. O secretário Mnuchin participou de sessão com Lagarde no último dia de evento, sobre o futuro da economia global. E os dois, claro, discordaram sobre o assunto.
Emergência climática
No início do evento, o Fórum divulgou seu Relatório de Riscos Globais e, pela primeira vez em uma década, os cinco principais riscos identificados pelo estudo são relacionados ao meio ambiente, em especial a eventos climáticos extremos, como ondas de calor e enchentes.
Mas não há consenso entre os atores políticos. Mnuchin disse que o planejamento de longo prazo é inútil quando se trata de analisar e conter as mudanças climáticas, enquanto Lagarde disse que é crucial avaliar o risco que a mudança climática representa para os mercados financeiros e a economia.
Apesar da discordância, a grande maioria dos participantes dos painéis defendeu mudanças urgentes. O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, disse que "seremos destruídos pelas mudanças climáticas, não pelo planeta. Isso será para nós uma indicação clara de que precisamos mudar de rumo", disse.
Já o príncipe Charles expôs uma visão similar: "O aquecimento global, as mudanças climáticas e a devastadora perda de biodiversidade são as maiores ameaças que a humanidade já enfrentou".
Davos como palanque
Grande parte do discurso de trinta minutos de Trump na terça-feira foi sobre o sucesso da economia americana, que está com o menor desemprego em 50 anos e PIB crescendo ao ritmo anual de quase 3%.
O presidente americano também não perdeu a oportunidade de criticar novamente o Federal Reserve, banco central americano, por baixar lentamente demais a taxa de juros.
O apresentador Luciano Huck, que vem se movimentado para ser candidato nas eleições presidenciais de 2022, participou pelo segundo ano do evento.
Ele falou a executivos numa sessão reservada, onde descreveu as atividades do Renova BR, movimento que apoia desde 2017, e ressaltou o desafio de levar “gente com ética” para a política. Acabou sendo chamado de "próximo presidente" por participantes.
Guerra comercial
Em seu discurso. Trump também disse a um auditório lotado que recentes acordos comerciais com a China e o México representam um modelo para o século 21.
Já Angela Merkel, primeira-ministra da Alemanha até 2021, saiu em defesa o multilateralismo: "Sempre precisamos conversar, inclusive com nossos antagonistas", disse no Fórum.
O contraste entre os dois líderes reflete a divergência que vem dando o tom no comércio global.
Profissões do futuro
O estudo traz uma lista com 96 profissões que podem florescer nesse cenário, como Profissionais de Inteligência Artificial, Transcrição Médica, Cientistas de Dados e Especialistas de Sucesso do Consumidor.
"Não estamos necessariamente olhando para um futuro negativo em termos de empregos, mas o que estamos vendo é uma grande mudança em termos do conjunto de habilidades em cada trabalho e dos tipos de empregos que existirão no futuro", disse Saadia Zahidi, diretora administrativa do Fórum.
Na mesma discussão participou Ivanka Trump, filha e assessora do presidente dos EUA, que destacou que "a indústria sabe quais empregos eles criarão e que empregos serão substituídos"
O futuro do capitalismo
"O capitalismo, como o conhecemos, está morto. Essa obsessão que temos em maximizar lucros apenas para os acionistas levou a uma desigualdade incrível e a uma emergência planetária", disse Marc Benioff, fundador da Salesforce, empresa de software, durante um painel.
"Talvez, em algum momento, nós nos atrapalhamos um pouco ao pensar que ganhar dinheiro é o objetivo real da economia, onde o objetivo real é viver felizes aqui todos juntos", disse Feike Sijbesma, executivo holandês e diretor executivo da DSM, na mesma sessão.
"O modo como fazemos negócios, vivemos e nos acostumamos na era industrial terá que ser mudado. Teremos que deixar isso para trás nos próximos 30 anos e teremos que mudar completamente para novas cadeias de valor ", disse Merkel em seu discurso.
Já o historiador escocês Niall Ferguson, em um painel sobre o futuro do capitalismo democrático, foi além: "O capitalismo é o pior de todos os sistemas econômicos possíveis, além de todos os outros que foram tentados de tempos em tempos."
Foi uma referência a uma famosa fala do ex-primeiro-ministro britânico Winston Churchill: "A democracia é a pior de todas as formas de governo, com exceção de todas as demais tentadas de tempos em tempos".
Sem "hipocrisia" ou caviar para os ricos:
O Fórum, já acusado de hipocrisia climática pela chegada incansável de helicópteros e limusines, quis mostrar seu lado mais verde e lançou uma ambiciosa campanha para plantar ou salvar “um bilhão de árvores”. A medida permitiria capturar CO2, mas que não tem nenhum efeito nas emissões.
Além de proibir utensílios de uso único, a cada 10 refeições servidas, apenas uma tinha carne vermelha. A proteína de origem bovina não podia ser oferecida duas vezes seguidas para a mesma pessoa.
Em todos os encontros de líderes, era obrigatório ter ao menos uma opção vegetariana, preferencialmente vegana. Alimentos sofisticados, como caviar, lagosta, foie grass e trufas, foram banidos do cardápio. De sobremesa, frutas.
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(Com AFP)