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A recuperação em forma de V continua, mas depende de diversos fatores

Indicadores mensais de muitos países mostram vigorosas recuperações em junho e julho, com um crescimento projetado de 10-15% do PIB real

Economia: países mundo afora começam equilibrar as contas na expectativa de melhora da crise. (China Daily/Reuters)
MD

Matheus Doliveira

Publicado em 30 de setembro de 2020 às 16h34.

Última atualização em 30 de setembro de 2020 às 16h35.

LONDRES – Grandes setores da economia global estão exibindo sinais típicos de uma recuperação em forma de V a partir do colapso induzido pela pandemia nesta primavera. Os indicadores mensais de muitos países mostram vigorosas recuperações em junho e julho, com um crescimento projetado de 10-15% do PIB real (ajustado pela inflação) no terceiro trimestre, caso todo o resto seja igual.

Por certo, há razões para questionar se a recuperação percebida é meramente uma recuperação técnica – uma ilusão causada pela profundidade do colapso inicial. Este pode muito bem ser o caso, especialmente se muitos países forem atingidos por uma segunda e forte onda de infecções por COVID-19, ou se as grandes esperanças de uma vacina precoce forem frustradas. Ninguém pode saber ao certo. Teremos que esperar e ver as evidências à medida que os países tentarem encontrar um equilíbrio entre administrar o vírus e fazer com que suas economias voltem ao normal.

Embora os Estados Unidos tenham sofrido mais do que outros países com o vírus, sua taxa de novas infecções caiu, tornando mais provável que sua recuperação econômica de verão se acelere. E na China , os indicadores mais recentes apontam para um alto nível de controle de infecção e uma recuperação acelerada. Dados os papéis dominantes dos EUA e da China na economia global, esses acontecimentos positivos auguram uma grande recuperação para o comércio mundial, não obstante o conflito em curso dos dois países sobre comércio e tecnologia.

Quanto à Europa , muitos países estão mostrando sinais de uma segunda onda de COVID-19, com o aumento da incidência representando uma ameaça especial para a recuperação da Espanha. Mas isso não acontece em todos os lugares. Outros países intensificaram as próprias medidas de controle e, se forem suficientes, podem manter sua recuperação no caminho certo.

Isso é o que sabemos agora em meados de setembro. Para estarmos mais confiantes quanto às perspectivas de uma sustentada recuperação econômica no final de 2020 e em 2021, precisaremos de mais evidências de progresso em direção a tratamentos melhores e vacinas seguras e eficazes. Sempre que uma vacina for amplamente disponibilizada, pode-se esperar uma nova aceleração da atividade econômica. Os setores que mais sofreram com os protocolos de distanciamento social – incluindo viagens internacionais, entretenimento e hospitalidade – começarão a voltar à vida.

Na verdade, a menos que todas as promissoras vacinas que já alcançaram os testes do Estágio Três falhem, podemos antecipar uma recuperação nesses setores duramente atingidos talvez nos próximos meses, quando a esperança de uma recuperação cíclica se tornará ainda mais justificada.

Mas há uma série de questões estruturais a serem consideradas. Para começar, a questão mais urgente neste momento é se o G20, atualmente presidido pela Arábia Saudita, pode se ressuscitar e oferecer cooperação internacional verdadeira, como fez após a crise financeira global de 2008.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde e outros órgãos internacionais de saúde, cerca de US$ 35 bilhões serão necessários para garantir que as vacinas possam ser distribuídas de forma equitativa para 7.8 bilhões de pessoas no mundo. Esta é uma soma trivial em comparação com o que muitos países do G20 já gastaram para apoiar suas próprias economias. Ainda assim, o financiamento da distribuição universal de uma vacina é absolutamente crucial para garantir uma recuperação global, ao invés de uma que seja limitada apenas aos países onde a vacina esteja disponível

Igualmente pertinente, embora menos discutido, é o equilíbrio de forças entre o crescimento interno e externo. Devido à ansiedade criada pela pandemia , muitos governos, especialmente na União Europeia, demonstraram níveis sem precedentes de entusiasmo por estímulos fiscais, e esses programas de gastos foram ainda mais apoiados por uma política monetária extraordinariamente generosa.

As políticas macroeconômicas expansionistas sugerem que, salvo uma contenção fiscal repentina e significativa, a demanda doméstica impulsionará essa recuperação com mais força do que o fez no rescaldo da crise de 2008. Isso provavelmente se traduziria em uma recuperação do comércio mundial acima do que muitos comentaristas atualmente consideram possível.

Mas isso nos leva a uma terceira questão estrutural. Quando serão pagos todos os gastos atuais e por quem? Já parece haver um consenso razoavelmente forte entre as economias avançadas de que o aperto fiscal precoce deve ser evitado. Eu, por exemplo, gostaria de um aperto depois que a crise passar. Mas, é claro, muito dependerá não apenas da escala e velocidade da recuperação, mas também do tamanho dos déficits fiscais. Aqui, é interessante notar que as expectativas de estímulo fiscal adicional nos Estados Unidos foram recentemente rebaixadas como resultado dos dados de emprego melhores que o esperado.

Quanto à política monetária, o anúncio do Federal Reserve dos EUA no final de agosto de que mudará para um regime de “metas de inflação média” foi saudado como uma forma adicional de apoio. Mas uma advertência se faz necessária. A persistência da mudança de política depende de como as pressões inflacionárias estão realmente se desenvolvendo. Se os mercados financeiros ficassem repentinamente preocupados com um aumento inesperado da inflação, os formuladores de políticas poderiam ter que mudar sua abordagem outra vez.

Uma questão ainda em aberto, que levantei em comentários anteriores este ano, é como os formuladores de políticas responderão às mudanças provocadas pela crise do COVID-19. Eles irão nutrir uma nova cultura de negócios voltada para o “lucro com um propósito”, encorajando (ou persuadindo) mais corporações a buscar a descarbonização e soluções para desafios sociais como resistência antimicrobiana (AMR) além de ameaça de pandemias futuras? Isso certamente seria um acontecimento bem-vindo, e não é um passo longe demais para nossos governos.

*Jim O’Neill é ex-presidente da Goldman Sachs Asset Management e ex-ministro do Tesouro do Reino Unido, é presidente da Chatham House.

Tradução: Anna Maria Dalle Luche.

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LONDRES – Grandes setores da economia global estão exibindo sinais típicos de uma recuperação em forma de V a partir do colapso induzido pela pandemia nesta primavera. Os indicadores mensais de muitos países mostram vigorosas recuperações em junho e julho, com um crescimento projetado de 10-15% do PIB real (ajustado pela inflação) no terceiro trimestre, caso todo o resto seja igual.

Por certo, há razões para questionar se a recuperação percebida é meramente uma recuperação técnica – uma ilusão causada pela profundidade do colapso inicial. Este pode muito bem ser o caso, especialmente se muitos países forem atingidos por uma segunda e forte onda de infecções por COVID-19, ou se as grandes esperanças de uma vacina precoce forem frustradas. Ninguém pode saber ao certo. Teremos que esperar e ver as evidências à medida que os países tentarem encontrar um equilíbrio entre administrar o vírus e fazer com que suas economias voltem ao normal.

Embora os Estados Unidos tenham sofrido mais do que outros países com o vírus, sua taxa de novas infecções caiu, tornando mais provável que sua recuperação econômica de verão se acelere. E na China , os indicadores mais recentes apontam para um alto nível de controle de infecção e uma recuperação acelerada. Dados os papéis dominantes dos EUA e da China na economia global, esses acontecimentos positivos auguram uma grande recuperação para o comércio mundial, não obstante o conflito em curso dos dois países sobre comércio e tecnologia.

Quanto à Europa , muitos países estão mostrando sinais de uma segunda onda de COVID-19, com o aumento da incidência representando uma ameaça especial para a recuperação da Espanha. Mas isso não acontece em todos os lugares. Outros países intensificaram as próprias medidas de controle e, se forem suficientes, podem manter sua recuperação no caminho certo.

Isso é o que sabemos agora em meados de setembro. Para estarmos mais confiantes quanto às perspectivas de uma sustentada recuperação econômica no final de 2020 e em 2021, precisaremos de mais evidências de progresso em direção a tratamentos melhores e vacinas seguras e eficazes. Sempre que uma vacina for amplamente disponibilizada, pode-se esperar uma nova aceleração da atividade econômica. Os setores que mais sofreram com os protocolos de distanciamento social – incluindo viagens internacionais, entretenimento e hospitalidade – começarão a voltar à vida.

Na verdade, a menos que todas as promissoras vacinas que já alcançaram os testes do Estágio Três falhem, podemos antecipar uma recuperação nesses setores duramente atingidos talvez nos próximos meses, quando a esperança de uma recuperação cíclica se tornará ainda mais justificada.

Mas há uma série de questões estruturais a serem consideradas. Para começar, a questão mais urgente neste momento é se o G20, atualmente presidido pela Arábia Saudita, pode se ressuscitar e oferecer cooperação internacional verdadeira, como fez após a crise financeira global de 2008.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde e outros órgãos internacionais de saúde, cerca de US$ 35 bilhões serão necessários para garantir que as vacinas possam ser distribuídas de forma equitativa para 7.8 bilhões de pessoas no mundo. Esta é uma soma trivial em comparação com o que muitos países do G20 já gastaram para apoiar suas próprias economias. Ainda assim, o financiamento da distribuição universal de uma vacina é absolutamente crucial para garantir uma recuperação global, ao invés de uma que seja limitada apenas aos países onde a vacina esteja disponível

Igualmente pertinente, embora menos discutido, é o equilíbrio de forças entre o crescimento interno e externo. Devido à ansiedade criada pela pandemia , muitos governos, especialmente na União Europeia, demonstraram níveis sem precedentes de entusiasmo por estímulos fiscais, e esses programas de gastos foram ainda mais apoiados por uma política monetária extraordinariamente generosa.

As políticas macroeconômicas expansionistas sugerem que, salvo uma contenção fiscal repentina e significativa, a demanda doméstica impulsionará essa recuperação com mais força do que o fez no rescaldo da crise de 2008. Isso provavelmente se traduziria em uma recuperação do comércio mundial acima do que muitos comentaristas atualmente consideram possível.

Mas isso nos leva a uma terceira questão estrutural. Quando serão pagos todos os gastos atuais e por quem? Já parece haver um consenso razoavelmente forte entre as economias avançadas de que o aperto fiscal precoce deve ser evitado. Eu, por exemplo, gostaria de um aperto depois que a crise passar. Mas, é claro, muito dependerá não apenas da escala e velocidade da recuperação, mas também do tamanho dos déficits fiscais. Aqui, é interessante notar que as expectativas de estímulo fiscal adicional nos Estados Unidos foram recentemente rebaixadas como resultado dos dados de emprego melhores que o esperado.

Quanto à política monetária, o anúncio do Federal Reserve dos EUA no final de agosto de que mudará para um regime de “metas de inflação média” foi saudado como uma forma adicional de apoio. Mas uma advertência se faz necessária. A persistência da mudança de política depende de como as pressões inflacionárias estão realmente se desenvolvendo. Se os mercados financeiros ficassem repentinamente preocupados com um aumento inesperado da inflação, os formuladores de políticas poderiam ter que mudar sua abordagem outra vez.

Uma questão ainda em aberto, que levantei em comentários anteriores este ano, é como os formuladores de políticas responderão às mudanças provocadas pela crise do COVID-19. Eles irão nutrir uma nova cultura de negócios voltada para o “lucro com um propósito”, encorajando (ou persuadindo) mais corporações a buscar a descarbonização e soluções para desafios sociais como resistência antimicrobiana (AMR) além de ameaça de pandemias futuras? Isso certamente seria um acontecimento bem-vindo, e não é um passo longe demais para nossos governos.

*Jim O’Neill é ex-presidente da Goldman Sachs Asset Management e ex-ministro do Tesouro do Reino Unido, é presidente da Chatham House.

Tradução: Anna Maria Dalle Luche.

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