US President Donald Trump speaks in the Roosevelt Room at the White House on January 21, 2025, in Washington, DC. (Photo by Jim WATSON / AFP) (AFP)
Colunista
Publicado em 22 de janeiro de 2025 às 09h10.
Última atualização em 22 de janeiro de 2025 às 09h10.
A posse de Trump trouxe simbolismos inéditos para um presidente americano, pelo menos de tempos modernos. No passado, os presidentes eleitos fortaleciam os laços com outras democracias e mesmo quando não era o caso, o foco era doméstico. Na guerra fria, o inimigo natural era a União Soviética e o já envelhecido comunismo.
Mas Trump inverteu a lógica. Ataques às democracias como Canadá, México, Dinamarca (Groelândia) e Panamá. Como toda vítima de bullying, os países mais fracos e, nesse caso, democráticos, pagam o preço do ataque. Nenhuma palavra relevante para China, Rússia, Irã ou Coréia do Norte, que seja. Esses regimes, na verdade, têm tudo o que Trump sempre desejou: a possibilidade de controle total da política. Ou como Steven Levitsky tem chamado, os EUA se tornaram um regime autoritário competitivo. Há eleições, mas cada vez mais com a oposição sendo emparedada e com dificuldades de vencer. O ponto central aqui é que não é mais apenas Trump, mas toda uma mentalidade do Partido Republicano e da grande parte conservadora dos EUA que sustenta isso. Trump criou uma tendência que pode demorar para mudar. Assim como outro caudilho das Américas, Peron, na Argentina, causa estragos até hoje. O trumpismo sobreviverá a Trump assim como o peronismo sobreviveu a Peron.
Isso significa uma economia longe dos princípios liberais que nortearam o país ao longo de sua história. A ideia propagada por Trump de voltar à época do presidente William McKinley é a de um país protecionista e territorialista. Mas dessa época quem é realmente lembrado foi seu vice, Theodore Roosevelt, que mudou a economia americana ao aplicar a regulação antitruste contra a indústria do petróleo. Junto com seu sobrinho, Franklin Roosevelt, ajudaram a transformar os EUA em uma sociedade gradativamente menos desigual. Há, assim, uma falsa ideia de que Mckinley foi dos presidentes mais relevantes no processo de desenvolvimento econômico dos EUA. Barry Einchegreen conta muito bem em seu livro, “A tentação populista”, como as propostas do candidato derrotado por Mckinley, Willian Jennings Bryan, foram incorporadas ao longo das décadas seguintes pelos presidentes que lhe seguiram. Mckinley era claramente um homem do século XIX, enquanto Roosevelt e os que vieram depois queriam colocar os EUA num contexto econômico e social mais moderno. Trump, nesse sentido, é um homem do século XIX. Sua visão é de protecionismo, alta desregulamentação, sem proteção social e territorialista, como vimos nos ataques aos países vizinhos.
Mas voltar para o século XIX dá uma ideia de um país que parece perceber que não tem mais a força de antes. Lembra as decisões equivocadas de uma Inglaterra enfraquecida pós-Primeira Guerra Mundial, que tenta voltar para o padrão ouro na ilusão de uma supremacia que não existia mais. Apenas gerou recessão e mais crise.
Trump não tem padrão ouro para voltar, obviamente, mas tem o Gilded Age (Era Dourada) que ele anuncia na posse, também símbolo da segunda metade do século XIX, como desejo de uma época florescente para os EUA.
Trump tem um dilema mesmo assim, pois seu possível sucedâneo como principal economia do mundo não é um país próximo, como era a Inglaterra dos EUA. A China causa mais desafios e riscos aos americanos também porque há um embate sobre regime político. Por mais que os EUA estejam virando mais autoritários, está a anos luz de distância em termos de liberdades políticas e econômicas em relação a China. Mas é uma disputa de modelos também e, nesse momento, não há liderança positiva mundial para impedir retrocessos democráticos. A guerra cibernética promovida por Rússia, China e Coreia do Norte e as redes sociais só ampliam a sensação de desconforto.
No mais, o protecionismo e os erros fiscais, a começar de um corte de impostos em uma economia com déficit público de quase 7% do PIB, não vão fortalecer a economia americana, pelo contrário. A conjunção de um presidente com tendências autoritárias com uma economia que não lhe responde exatamente como deseja pode trazer ainda mais instabilidade, a começar pela troca do presidente do FED em 2026. Os EUA seguirão fortes como economia, mas politicamente há retrocessos que podem ter custos importantes no longo prazo.
Os próximos quatro anos não serão como o primeiro mandato de Trump, em que era um novato amarrado ao partido. Agora, virá com força total com todas suas crenças equivocadas sobre o que os EUA precisam. O que isso significa para o Brasil será discutido no próximo artigo.
*Sergio Vale é economista-chefe da MB Associados e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP