O debate da previdência revela: o brasileiro é reacionário
O brasileiro é geralmente muito conservador. Seja elite ou população menos educada a tendência é manter tudo como está. Daria para dizer que nossa sociedade é quase reacionária. Mas não é difícil imaginar que há em cada brasileiro um pouco de Nelson Rodrigues. Em tempos de tantos parlamentares se xingando de canalhas, vale lembrar a […]
Publicado em 14 de setembro de 2016 às, 17h31.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h46.
O brasileiro é geralmente muito conservador. Seja elite ou população menos educada a tendência é manter tudo como está. Daria para dizer que nossa sociedade é quase reacionária. Mas não é difícil imaginar que há em cada brasileiro um pouco de Nelson Rodrigues. Em tempos de tantos parlamentares se xingando de canalhas, vale lembrar a frase do Nelson que dizia que a melhor maneira de não ser canalha é ser reacionário. E o brasileiro parece ser um reacionário de curtíssimo prazo.
Para uma parte do empresariado o status quo de subsídios sem fim é o melhor dos mundos. Se desse para voltar aos tempos de protecionismo e reserva de mercado dos anos 80 melhor ainda. Para a população, mexer na previdência é o fim do mundo, melhor deixar como está porque certamente vão tirar algum direito divino que em algum momento no passado apareceu.
Esse caráter reacionário parece valer até para a esquerda, que parece sentir saudades de ter um inimigo como na década de 70. Na iminência de voltar à oposição criaram o slogan pegajoso do “golpismo”.
O problema é que não dá mais para seguir Lampedusa e mudar alguma coisa para ficar tudo como está. Infelizmente, ou felizmente, chegou o momento de pagar a conta e ir a um patamar diferente.
Como não poderia ser diferente, boa parte do que explica nosso atraso e a dificuldade de ver o novo é uma educação de baixa qualidade. Bryan Caplan em seu livro The Myth of the Rational Voter mostra muito bem como uma sociedade com baixo nível de educação tende a optar por políticas de esquerda, que em geral vendem soluções fáceis e enganosas. Quanto mais educada a população, mais ela tende a opções mais liberais na economia. Isso não significa diminuir conquistas sociais, mas aprender que há limitações na economia que precisam ser pensadas.
Estamos ainda na fase de acreditar que soluções fáceis que a esquerda sempre pregou são melhores. A previdência é um caso claro e urgente nesse sentido. Há quinze anos, de fato a previdência era um problema relativamente menos complicado. Havia sido aprovado o fator previdenciário, a reforma na previdência do setor público em 2003 foi positiva e o crescimento forte da receita e da formalização mascarou problemas que existiam. Mas ao longo do tempo os governos petistas foram desmontando o que se criou. O fator previdenciário perdeu sentido ao criar-se a regra 85/95 que significa no final mais gasto com previdência e fixou-se a previdência com ajustes inviáveis do salário mínimo, outra jabuticaba econômica criada nesse período.
Por isso, esse desmantelamento favorável à população no curto prazo, mas amplamente desfavorável a ela mesma no longo, dá essa impressão de reacionarismo de memória curta. Por isso o esforço do governo para aprovar a reforma da previdência será descomunal depois de tantos anos de falsas benesses – ainda mais para um governo em que a esquerda cola a pecha de golpista.
Mas reformas da previdência surgem justamente na necessidade em remodelar o que foi desmantelado nesses anos, assim como em diversas outras áreas da economia. O drama maior é que o déficit da previdência se tornou algo potencialmente muito fora do controle e o governo terá que fazer uma propaganda muito bem-feita para que a população pelo menos aceite melhor as mudanças.
Por exemplo, é urgente que se convença a sociedade que a aposentadoria por tempo de serviço privilegia a classe mais alta de renda, que tem condições mais fáceis de comprovar seu período de trabalho, isso sem falar quem está no setor público, que se aposenta ainda mais cedo. Quem é pobre se aposenta em geral por idade. Assim, o argumento de que quem começa a trabalhar cedo, em geral mais pobres, vão ser penalizados não se sustenta por que eles já se aposentam mais tarde do que a população mais rica. Isso sem falar que a ideia de aposentadoria por tempo de contribuição é tão anacrônica que apenas Irã, Iraque e Equador a utilizam no mundo, um contrassenso.
Cai por terra, assim, a ideia de que fazer a reforma vai prejudicar os mais pobres. Pelo contrário, vai criar condições de igualdade entre ricos e pobres. Vender a ideia de que a reforma tornará a população brasileira mais igualitária nas condições de aposentadoria é algo em que o governo tem que insistir. Mais ainda, ajudará a tirar aquela ideia de que trabalhar cedo é bom porque pode-se aposentar mais cedo. A ideia de uma aposentadoria mais tardia ajudaria a eventualmente essa população mais jovem se educar mais para um tempo mais longo de trabalho. Se vou sair mais tarde do mercado de trabalho, faz sentido entrar também mais tarde e buscar maior qualificação, quando isso for possível. De qualquer maneira, não faz sentido a idade média de aposentadoria ser de 54 anos quando a expectativa de vida é de vinte anos a mais. No mundo, essa diferença é de 16 anos, mas para uma expectativa de vida de 81 anos – ou seja, a idade média efetiva de aposentadoria está em 65 anos.
Caberá ao governo atravessar o Rubicão da previdência e para isso será necessário suavizar o reacionarismo atávico da população brasileira para assuntos econômicos. Algo que foi apenas piorado com os desmandos dos últimos anos.