Contra o coronavirus, nem Churchill seria a salvação
O líder inglês não tinha a tarefa inglória de pedir cautela aos ingleses
Janaína Ribeiro
Publicado em 23 de junho de 2020 às 20h09.
Última atualização em 23 de junho de 2020 às 20h12.
Lendo sobre a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os problemas parecem simples. Um assassino maluco, Adolf Hitler, comanda o maior exército da Europa. Quer expandir o “Lebensraum” (espaço para viver) dos alemães que ele e seu partido consideram dignos. Para isso, invade diversos países, chega à França e, de modo crível, ameaça a Inglaterra. Bombardeia Londres enquanto seu maior inimigo, o primeiro-ministro Winston Churchill, pensa em como atrair os Estados Unidos para o combate. Do outro lado do Oceano Atlântico, o presidente Franklin D. Roosevelt hesita. Churchill o convence. Com a ajuda de Stálin, que fez os soldados soviéticos morrerem em uma proporção de 5 para 1 comparado aos norte-americanos, Churchill venceu Hitler. Vitória mais do que amarga: seis milhões de judeus assassinados. Mas ao menos Hitler terminou a guerra morto.
O que isso tem a ver com a dinâmica de abertura e fechamento do comércio enquanto o coronavirus afeta a economia e a saúde? Bem, muitos definem 2020 como um período de guerra. O inimigo comum é biológico. Assim como nos anos quarenta do século passado, a incerteza é imensa. Hitler foi derrotado, mas quem preveria isso no início de 1940? Com rara capacidade de liderança e persuasão, Churchill animou os ingleses a resistir. Seus discursos da época são alguns dos melhores da história. Sem hesitação, o V de vitória, charuto e whisky matinal resolveram o problema.
Hesitação é a ordem do dia. Em Porto Alegre, uma das cidades que melhor combateu o coronavirus nesses últimos meses, a taxa de ocupação dos leitos de UTI subiu para 79%, em viés de alta. Em Rio Claro, no interior de São Paulo, o prefeito Juninho da Padaria (DEM) fechou novamente o comércio após um aumento de 454% de casos na cidade, com 25 mortos e leitos completamente ocupados. Do outro lado do oceano, o primeiro-ministro inglês, Boris Johnson (Partido Conservador) desafia cientistas ao decidir que a partir de 4 de julho os cidadãos poderão ficar juntinhos no cinema. Não haverá mais a regra de distanciamento de dois metros. Seu partido, empresários e funcionários ficarão aliviados.
Oitenta anos atrás, o desafio de Churchill era dar otimismo e perseverança a um povo sob bombardeio. Nossos governantes têm tarefa ainda mais difícil: mostrar que o otimismo de cidadãos diante de uma doença insidiosa, frequentemente assintomática, é assassino. Ao mesmo tempo, precisam preservar empregos o máximo possível. São tarefas quase impossíveis para qualquer político.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)
Lendo sobre a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os problemas parecem simples. Um assassino maluco, Adolf Hitler, comanda o maior exército da Europa. Quer expandir o “Lebensraum” (espaço para viver) dos alemães que ele e seu partido consideram dignos. Para isso, invade diversos países, chega à França e, de modo crível, ameaça a Inglaterra. Bombardeia Londres enquanto seu maior inimigo, o primeiro-ministro Winston Churchill, pensa em como atrair os Estados Unidos para o combate. Do outro lado do Oceano Atlântico, o presidente Franklin D. Roosevelt hesita. Churchill o convence. Com a ajuda de Stálin, que fez os soldados soviéticos morrerem em uma proporção de 5 para 1 comparado aos norte-americanos, Churchill venceu Hitler. Vitória mais do que amarga: seis milhões de judeus assassinados. Mas ao menos Hitler terminou a guerra morto.
O que isso tem a ver com a dinâmica de abertura e fechamento do comércio enquanto o coronavirus afeta a economia e a saúde? Bem, muitos definem 2020 como um período de guerra. O inimigo comum é biológico. Assim como nos anos quarenta do século passado, a incerteza é imensa. Hitler foi derrotado, mas quem preveria isso no início de 1940? Com rara capacidade de liderança e persuasão, Churchill animou os ingleses a resistir. Seus discursos da época são alguns dos melhores da história. Sem hesitação, o V de vitória, charuto e whisky matinal resolveram o problema.
Hesitação é a ordem do dia. Em Porto Alegre, uma das cidades que melhor combateu o coronavirus nesses últimos meses, a taxa de ocupação dos leitos de UTI subiu para 79%, em viés de alta. Em Rio Claro, no interior de São Paulo, o prefeito Juninho da Padaria (DEM) fechou novamente o comércio após um aumento de 454% de casos na cidade, com 25 mortos e leitos completamente ocupados. Do outro lado do oceano, o primeiro-ministro inglês, Boris Johnson (Partido Conservador) desafia cientistas ao decidir que a partir de 4 de julho os cidadãos poderão ficar juntinhos no cinema. Não haverá mais a regra de distanciamento de dois metros. Seu partido, empresários e funcionários ficarão aliviados.
Oitenta anos atrás, o desafio de Churchill era dar otimismo e perseverança a um povo sob bombardeio. Nossos governantes têm tarefa ainda mais difícil: mostrar que o otimismo de cidadãos diante de uma doença insidiosa, frequentemente assintomática, é assassino. Ao mesmo tempo, precisam preservar empregos o máximo possível. São tarefas quase impossíveis para qualquer político.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)