Bitcoin e o dilema da energia
Entenda de forma desmistificada o debate sobre o consumo energético do bitcoin e como seu impacto ambiental tem sido tratado
Publicado em 1 de julho de 2021 às, 11h26.
Última atualização em 1 de julho de 2021 às, 12h17.
Nas últimas semanas a pauta sobre o consumo energético da mineração de bitcoins e seu impacto ambiental ganhou força novamente. Se você tem dúvidas ou ainda não sabe o que é mineração, sugiro a leitura do meu artigo anterior sobre o tema.
Como tudo na história do bitcoin desde que entrou em funcionamento, em 03 de janeiro de 2009, o dilema da energia é também mais uma questão de narrativa. Neste artigo pretendo deixar de lado todo o ruído construído nas diferentes narrativas para tentar demonstrar com fatos e dados o que é mito e o que é verdade nessa história. Para então, compreendermos os detalhes deste tema polêmico.
Mito I: Bitcoin consome muita energia
Sim, consome. Segundo dados da Universidade de Cambridge, a estimativa é de que a rede do bitcoin consuma cerca de 16 GW, equivalente ao consumo energético do Estado de São Paulo ou de um país como a Argentina.
A questão é que olhar somente para o consumo total de energia da rede do bitcoin, ou compará-lo com um país, de fato não diz muita coisa.
Para uma análise mais assertiva, precisaríamos entender qual seria o melhor comparativo. A analogia mais comum é de que o bitcoin seria uma versão de “Ouro Digital”. Nesse sentido, comparar o consumo energético da mineração de bitcoins com a mineração de Ouro talvez seja interessante. Outra hipótese é de que o bitcoin possa servir como um “substituto” ao sistema bancário tradicional, então temos aí pelo menos dois supostos candidatos para analisar.
Em Maio deste ano a empresa Galaxy Digital publicou uma análise, onde estimou o consumo energético do sistema bancário e da mineração de Ouro. No gráfico acima podemos perceber que ambos os sistemas consomem mais do que o dobro do consumo energético da rede do bitcoin.
Na publicação, a Galaxy levou em consideração o consumo energético dos 100 maiores bancos do mundo, considerando o consumo energético dos Data Centers, Agências bancárias, e Cartões. Comparou também com os dados sobre a atividade de mineração de Ouro global, para chegar no resultado apresentado no gráfico. Provavelmente seja um comparativo de maçãs com laranjas, mas traz mais dados para o tema e expande a ideia do consumo de outros sistemas.
Como exemplo, somente no Brasil temos cerca de 160 mil Caixas Eletrônicos, mais de 19 mil agências bancárias e 18 mil postos de atendimento bancário.
Um outro dado interessante é que somente nos EUA, os dispositivos domésticos que permanecem sempre ligados, mas inativos, consomem anualmente o equivalente à toda a rede do bitcoin em 19 meses.
Além disso, segundo dados do Banco Mundial e da Agência Internacional de Energia (IEA), somente a energia perdida globalmente durante o processo de transmissão e distribuição equivale a cerca de 19,4 vezes o consumo energético da rede do bitcoin.
Mito II: Bitcoin é “sujo” e contribui para o aquecimento global
Um estudo realizado pela CoinShares Research demonstrou que aproximadamente 74.1% da energia utilizada pela rede do bitcoin vem de fontes renováveis e, de acordo com todos os outros dados disponíveis, esse argumento simplesmente não faz sentido.
Como vimos acima, o consumo de energia do bitcoin é de fato significativo, mas isso não significa que ele seja um grande contribuidor para o aumento do efeito estufa e da mudança climática. Na prática, para uma operação de mineração manter-se rentável no longo prazo, o principal desafio é encontrar fontes de energia com custo baixo. Nesse sentido, as operações de mineração tendem a se localizar em regiões com grandes excedentes de geração de energia, já que, à grosso modo, todo a energia gerada e não consumida acaba sendo “desperdiçada”. Dessa forma, os mineradores de bitcoin conseguem consumir esse excedente por um preço competitivo.
Outro ponto, é que a mineração pode também ser usada para reduzir as emissões de carbono de operações de óleo e gás. Um exemplo é o que estamos fazendo na operação de mineração da Arthur Digital Assets, nos EUA, onde usamos flare e stranded gas como fonte primária de energia, instalando a operação de mineração dentro das operações de gás e consumindo o gás que seria queimado diretamente para o ambiente. Dessa forma, conseguimos reduzir em até 95% a emissão de monóxido de carbono (CO) e até 39% a emissão de dióxido de carbono (CO2), podendo eventualmente até gerar créditos de carbono dessa redução.
Mito III: Bitcoin não é eficiente e a mineração tende a acabar
O uso de processamento computacional, traduzido no consumo energético, como forma de manter o funcionamento do protocolo do bitcoin é, no meu entendimento, uma vantagem e não uma falha. Ao passo que o poder computacional e o consumo energético crescem, a rede fica menos suscetível a ataques, aumentando a segurança do sistema.
Na prática, não existe bitcoin sem mineração. Os mineradores são a espinha dorsal do sistema e necessários para que ele continue funcionando. Existem projetos de outras criptos que utilizam um formato diferente do bitcoin para manter o funcionamento do sistema, mas até o momento em que escrevo este artigo, mecanismo de consenso chamado de Prova de Trabalho (PoW) do bitcoin ainda é o mais seguro.
Desse modo, o mais provável é que o poder de processamento alocado na rede do bitcoin siga crescendo, cada vez com maior eficiência e contribuindo para novas soluções para a geração e o consumo de energia.
Mito IV: o impacto ambiental do crescimento do bitcoin será desastroso
Atualmente, além da iniciativa com Stranded e Flare Gas, temos projetos para uso de mineração como forma de otimização de operações de geração de energia nos Estados Unidos. Na prática, ao minerar bitcoins off-grid, somente fora dos horários de pico de consumo, quando há excedente de energia, uma operação hidrelétrica consegue otimizar em pelo menos 18% a sua receita, com um baixo investimento proporcional.
Dessa forma, acredito que as operações de mineração cada vez mais irão incentivar e tornar viáveis mercados para energia renovável, proporcionando um ciclo virtuoso que pode realmente contribuir para o combate às mudanças climáticas.
A possibilidade de instalação de operações de mineração diretamente na planta de geração de energia, com o consumo localmente off-grid, permitirá a criação de novas estruturas e soluções energéticas.
Função de Utilidade
Como comentei no início deste artigo, tudo é uma questão de narrativas. Sob a ótica de uma função de utilidade, talvez muita gente possa dizer que o bitcoin não serve pra nada e, portanto, seu consumo energético não deveria nem existir. Inclusive, essa mesma discussão sobre o consumo energético excessivo ocorreu nos anos 90 com o avanço da Internet e dos computadores pessoais.
Sob a mesma análise de utilidade, como expliquei, a atividade de mineração é o que mantém a rede do bitcoin segura. São os mineradores que processam a rede, viabilizando que transações ocorram entre partes, que podem estar em diferentes locais do globo e funcionam sem depender de qualquer autoridade central.
A utilidade, portanto, é oferecer um sistema de transações imutável, seguro e que funcione de maneira independente e sem a necessidade de qualquer autorização de qualquer intermediário.
O fato é que há um claro incentivo econômico para o investimento nesta atividade, que poderá beneficiar não só os mineradores, mas a sociedade como um todo. Dito isso, onde há incentivo, há inovação e progresso.
Acho que é somente uma questão de tempo para vermos a mudança de “bitcoin é sujo e um problema para o meio ambiente” para “bitcoin é usado para otimizar o sistema energético de países”.