Governança da água: novos e velhos desafios
“Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou”
CEO da Comunitas e colunista
Publicado em 30 de agosto de 2023 às 15h35.
Última atualização em 23 de outubro de 2024 às 17h00.
Regina Esteves e Marília Melo
A famosa frase de Heráclito pode nos ajudar a pensar a questão da governança da água no Brasil, com problemas que permanecem os mesmos, mas em novos contextos políticos.
Em uma recente reestruturação dos ministérios do governo, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos passou a estar vinculada ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, com a finalidade de implementar, em sua esfera de atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos.
Essa decisão trouxe à tona a complexa questão da gestão da água no país, que enfrenta desafios recorrentes em razão de suas dimensões continentais e das necessidades diversas de suas diferentes regiões e atores.
Como garantir o acesso pleno da população brasileira a água de qualidade e saneamento adequado, além de promover um amplo debate para aprimorar o arcabouço legal e institucional que envolve essa demanda? Como resolver antigos problemas no contexto atual?
Na decisão divulgada em julho, o governo afirmou que o debate vai além da garantia da infraestrutura hídrica. Que é necessário compreender a água como um bem público, cuja disponibilidade em qualidade e quantidade é inseparável da manutenção dos processos ecológicos e de sua interação com a adaptação às mudanças climáticas.
De fato, a gestão das águas é um tema central e abrangente na política ambiental e está intrinsecamente relacionada ao novo marco do saneamento básico no país.
Anunciado em abril, esse marco tem dois objetivos declarados pelo governo: aumentar o investimento privado no setor e fortalecer as empresas públicas, buscando dar resposta ao passivo do saneamento do país com atração de capital para viabilizar a universalização da prestação do serviço de qualidade para toda a população.
Visão integrada
No Brasil, principalmente, este é um tema de grande importância, devido a diversidade de condições de disponibilidade de água, com condições que variam desde semiárido no Nordeste até uma disponibilidade hídrica abundante em outras regiões.
Assim, o equilíbrio entre a disponibilidade em cada território e a demanda pelo uso da água reforça a necessidade de um gerenciamento adequado para garantir o acesso à água potável, a segurança hídrica e a preservação dos ecossistemas aquáticos.
A visão integrada da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997) com a Lei do Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007) é fundamental para a efetividade da gestão das águas no Brasil e para o enfrentamento de desafios atuais, como os impactos decorrentes das mudanças do clima.
Para gerenciar a demanda, são necessárias medidas que promovam o uso eficiente da água, a implementação de políticas de conservação e reuso, além da conscientização e educação da população sobre a importância da preservação dos recursos hídricos. Sob a ótica da disponibilidade, não apenas a escassez física da água deve ser tratada, mas também as restrições de usos múltiplos decorrentes da poluição dos rios.
O uso da água é essencial para diversos setores, como agricultura, indústria, abastecimento público e geração de energia. Desta forma, o conceito de segurança hídrica materializa a métrica necessária para garantir água em quantidade e qualidade para o desenvolvimento econômico em bases sustentáveis em harmonia com a preservação dos ecossistemas aquáticos e equilíbrio ambiental.
Os ecossistemas aquáticos desempenham um papel fundamental na conservação da biodiversidade e na prestação de serviços ecossistêmicos. Por isso, é preciso conciliar o uso dos recursos hídricos com a preservação desses ecossistemas, por meio da implementação de áreas protegidas, da definição de padrões de qualidade da água e da adoção de práticas sustentáveis.
As mudanças climáticas representam um desafio adicional. O aumento da temperatura, a alteração nos padrões de chuva e a ocorrência de eventos extremos, como secas e enchentes, afetam diretamente a disponibilidade e qualidade da água. Regiões que já enfrentam problemas de escassez hídrica podem se tornar ainda mais vulneráveis.
Adaptação e resiliência
Nesse contexto, é necessário promover a adaptação e a resiliência dos sistemas de gestão de recursos hídricos, levando em consideração as projeções climáticas e os impactos esperados.
Outro desafio para a efetividade da gestão integrada dos recursos hídricos é a necessária integração entre os diferentes setores e atores envolvidos. A falta de coordenação entre as instâncias governamentais e a ausência de políticas de gestão integrada podem levar a decisões fragmentadas e conflitos de interesse.
Além disso, a poluição dos corpos d'água é uma preocupação significativa. A atividade industrial, a agricultura intensiva e o lançamento inadequado de esgotos são fontes de contaminação que comprometem a qualidade da água.
A falta de tratamento adequado de efluentes e a ausência de fiscalização efetiva contribuem para a degradação dos recursos hídricos. Essa questão é especialmente preocupante a conservação dos ecossistemas aquáticos e a garantia de requisitos de qualidade para mananciais de abastecimento público.
Para superar essas adversidades, é necessário promover a articulação e cooperação entre os diferentes setores e atores envolvidos: órgãos governamentais, empresas, organizações da sociedade civil e a população em geral.
É fundamental investir em capacitação e infraestrutura, fortalecer os mecanismos de participação pública e melhorar a fiscalização e o cumprimento da legislação. Ações complexas, mas essenciais para garantir a sustentabilidade dos recursos hídricos e o bem-estar da população.
Regina Esteves é diretora-presidente da Comunitas e Marília Melo é secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais
Regina Esteves e Marília Melo
A famosa frase de Heráclito pode nos ajudar a pensar a questão da governança da água no Brasil, com problemas que permanecem os mesmos, mas em novos contextos políticos.
Em uma recente reestruturação dos ministérios do governo, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos passou a estar vinculada ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, com a finalidade de implementar, em sua esfera de atribuições, a Política Nacional de Recursos Hídricos.
Essa decisão trouxe à tona a complexa questão da gestão da água no país, que enfrenta desafios recorrentes em razão de suas dimensões continentais e das necessidades diversas de suas diferentes regiões e atores.
Como garantir o acesso pleno da população brasileira a água de qualidade e saneamento adequado, além de promover um amplo debate para aprimorar o arcabouço legal e institucional que envolve essa demanda? Como resolver antigos problemas no contexto atual?
Na decisão divulgada em julho, o governo afirmou que o debate vai além da garantia da infraestrutura hídrica. Que é necessário compreender a água como um bem público, cuja disponibilidade em qualidade e quantidade é inseparável da manutenção dos processos ecológicos e de sua interação com a adaptação às mudanças climáticas.
De fato, a gestão das águas é um tema central e abrangente na política ambiental e está intrinsecamente relacionada ao novo marco do saneamento básico no país.
Anunciado em abril, esse marco tem dois objetivos declarados pelo governo: aumentar o investimento privado no setor e fortalecer as empresas públicas, buscando dar resposta ao passivo do saneamento do país com atração de capital para viabilizar a universalização da prestação do serviço de qualidade para toda a população.
Visão integrada
No Brasil, principalmente, este é um tema de grande importância, devido a diversidade de condições de disponibilidade de água, com condições que variam desde semiárido no Nordeste até uma disponibilidade hídrica abundante em outras regiões.
Assim, o equilíbrio entre a disponibilidade em cada território e a demanda pelo uso da água reforça a necessidade de um gerenciamento adequado para garantir o acesso à água potável, a segurança hídrica e a preservação dos ecossistemas aquáticos.
A visão integrada da Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997) com a Lei do Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007) é fundamental para a efetividade da gestão das águas no Brasil e para o enfrentamento de desafios atuais, como os impactos decorrentes das mudanças do clima.
Para gerenciar a demanda, são necessárias medidas que promovam o uso eficiente da água, a implementação de políticas de conservação e reuso, além da conscientização e educação da população sobre a importância da preservação dos recursos hídricos. Sob a ótica da disponibilidade, não apenas a escassez física da água deve ser tratada, mas também as restrições de usos múltiplos decorrentes da poluição dos rios.
O uso da água é essencial para diversos setores, como agricultura, indústria, abastecimento público e geração de energia. Desta forma, o conceito de segurança hídrica materializa a métrica necessária para garantir água em quantidade e qualidade para o desenvolvimento econômico em bases sustentáveis em harmonia com a preservação dos ecossistemas aquáticos e equilíbrio ambiental.
Os ecossistemas aquáticos desempenham um papel fundamental na conservação da biodiversidade e na prestação de serviços ecossistêmicos. Por isso, é preciso conciliar o uso dos recursos hídricos com a preservação desses ecossistemas, por meio da implementação de áreas protegidas, da definição de padrões de qualidade da água e da adoção de práticas sustentáveis.
As mudanças climáticas representam um desafio adicional. O aumento da temperatura, a alteração nos padrões de chuva e a ocorrência de eventos extremos, como secas e enchentes, afetam diretamente a disponibilidade e qualidade da água. Regiões que já enfrentam problemas de escassez hídrica podem se tornar ainda mais vulneráveis.
Adaptação e resiliência
Nesse contexto, é necessário promover a adaptação e a resiliência dos sistemas de gestão de recursos hídricos, levando em consideração as projeções climáticas e os impactos esperados.
Outro desafio para a efetividade da gestão integrada dos recursos hídricos é a necessária integração entre os diferentes setores e atores envolvidos. A falta de coordenação entre as instâncias governamentais e a ausência de políticas de gestão integrada podem levar a decisões fragmentadas e conflitos de interesse.
Além disso, a poluição dos corpos d'água é uma preocupação significativa. A atividade industrial, a agricultura intensiva e o lançamento inadequado de esgotos são fontes de contaminação que comprometem a qualidade da água.
A falta de tratamento adequado de efluentes e a ausência de fiscalização efetiva contribuem para a degradação dos recursos hídricos. Essa questão é especialmente preocupante a conservação dos ecossistemas aquáticos e a garantia de requisitos de qualidade para mananciais de abastecimento público.
Para superar essas adversidades, é necessário promover a articulação e cooperação entre os diferentes setores e atores envolvidos: órgãos governamentais, empresas, organizações da sociedade civil e a população em geral.
É fundamental investir em capacitação e infraestrutura, fortalecer os mecanismos de participação pública e melhorar a fiscalização e o cumprimento da legislação. Ações complexas, mas essenciais para garantir a sustentabilidade dos recursos hídricos e o bem-estar da população.
Regina Esteves é diretora-presidente da Comunitas e Marília Melo é secretária de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais