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Desafio global, ação local: Brasil na encruzilhada da crise climática

Para cumprir com os compromissos do Acordo de Paris, o país deve priorizar políticas que facilitem o acesso e reduzam os custos de tecnologias limpas

Plantação de cana-de-açúcar: com Próalcool, Brasil tem liderança e expertise técnica e pode influenciar mercados mundialmente (Meaghan Skinner Photography/Getty Images)
Regina Esteves

CEO da Comunitas e colunista

Publicado em 27 de fevereiro de 2024 às 09h44.

Última atualização em 23 de outubro de 2024 às 16h57.

Por Regina Esteves, diretora-presidente da Comunitas

A crise climática, um dos mais urgentes desafios globais, já se tornou uma realidade do dia a dia, impactando desproporcionalmente aqueles mais vulneráveis nos países em desenvolvimento. Para evitar um cenário climático desastroso, é crucial que os países intensifiquem a descarbonização de suas economias, com foco na migração para fontes de energia que emitam menos carbono.

No Brasil, essa mudança energética representa um reflexo do desafio global. Com aproximadamente metade de sua matriz energética proveniente de fontes renováveis, o Brasil se encontra em uma posição favorável para liderar essa transformação, desde que haja reformas nas políticas que hoje tornam a descarbonização mais cara e lenta. O desafio, em sua essência, é mais de governança do que de tecnologia. E, sem dúvida, é necessário um alinhamento entre a urgência das mudanças nas cidades e o tempo requerido para estabelecer políticas públicas eficazes.

A recente medida do governo brasileiro deaumentar as tarifas sobre a importação de painéis solares e veículos elétricosdestaca um dos vários dilemas associados à transição energética. Há, neste contexto, metas em conflito.

Por um lado, existe o objetivo do governo federal de fomentar o desenvolvimento da indústria doméstica de tecnologias sustentáveis. Por outro, há o desejo de impulsionar a descarbonização da economia. Algumas ações planejadas para estimular a indústria nacional podem, no entanto, elevar o custo de importação de tecnologias estrangeiras, encarecendo a descarbonização - ao menos a curto prazo. Esta abordagem visa aumentar a competitividade dos produtores locais no mercado, tornando seus produtos mais atrativos em comparação aos importados.

Atualmente,99% dos painéis solares utilizados no Brasil são importados.Se anteriormente a aquisição de painéis solares era vista como um compromisso com o meio ambiente, hoje pode ser justificada puramente por lógica econômica.A energia solar é a mais barata, e tanto cidadãos quanto empresas são sensíveis a incentivos.

Por isso, qualquer medida que venha a elevar os custos de importação e instalação de painéis solares deve considerar o impacto no comportamento dos consumidores, em face do aumento dos preços de insumos cruciais para a descarbonização, como é o caso dos painéis solares.

Para alavancar a descarbonização da economia e cumprir com os compromissos do Acordo de Paris, o Brasil deve priorizar políticas que facilitem o acesso e reduzam os custos de tecnologias limpas, como painéis solares e baterias. Essas medidas são fundamentais para impulsionar a independência energética de empresas e residências, contribuindo significativamente para a redução da pressão sobre o sistema elétrico nacional.

A implementação de incentivos fiscais na aquisição e instalação de sistemas de energia solar, bem como a oferta de créditos a juros baixos para famílias de baixa renda, são estratégias eficazes para estimular a produção de energia fotovoltaica, que se destaca como a opção maisacessível financeiramente para os consumidores.

Cashback de carbono

Para financiar essas iniciativas de maneira sustentável, a adoção de mecanismos de"cashback" de imposto de carbonosurge como uma solução viável. Esta abordagem, já aplicada com sucesso em diferentes províncias do Canadá e também na Suíça, não apenas promove a redução das emissões de gases de efeito estufa, mas também possibilita a redistribuição dos recursos arrecadados entre a população, mantendo o sistema fiscalmente neutro - isto é, sem aumento da carga tributária total. Esse modelo poderia ser adaptado para direcionar especificamente os recursos para a aquisição de tecnologias que contribuem para a redução das emissões, como painéis solares e eletrodomésticos eficientes, em parceria com representantes destes setores industriais.

A estratégia proposta não só enfatiza a descarbonização como um objetivo central, mas também considera a importância de criar um ambiente que estimule os consumidores a optar por soluções mais sustentáveis.

Ao mesmo tempo, reconhece o papel crucial das parcerias intersetoriais e da inovação tecnológica como motores para o avanço econômico e a sustentabilidade. São inúmeros, aliás, os exemplos de boas práticas adotadas por governos em parceria com a iniciativa privada e a sociedade civil para acelerar a transição energética. As parcerias intersetoriais são fundamentais. A colaboração entre setores público, privado e a sociedade civil é essencial para criar um ambiente propício ao florescimento de inovações sustentáveis.

A adoção de painéis solares em prédios públicos é um exemplo notável. Em várias partes do país, estados, municípios e departamentos públicos têm investido na instalação de painéis solares, buscando reduzir suas emissões de carbono, melhorar a resiliência energética e contribuir para a descarbonização da economia. Em 2022, a ENAP estabeleceu um dos maiores parques solares do Plano Piloto, capaz de gerar mais de 70% de sua própria eletricidade. Em São Paulo, uma Parceria Público-Privada (PPP) está em consulta pública para a implementação de painéis solares em prédios públicos educacionais, visando reduzir a vulnerabilidade a cortes de energia nas escolas.

Exemplos internacionais também são fonte de aprendizado. No Chile, uma coalizão incluindo órgãos públicos, universidades e setor produtivo financia uma entidade dedicada a políticas de eficiência energética. Esta entidade incentiva ações variadas, desde a substituição de eletrodomésticos antigos e turbinas hidráulicas para aumentar a produção de energia até a promoção do uso de bicicletas. Iniciativas semelhantes existem globalmente, como na Ucrânia e no Reino Unido. Afinal, a energia mais econômica e limpa é aquela que não é consumida.

O Brasil já é um pioneiro em cooperação intersetorial para a produção de combustíveis limpos, antecedendo a emergência da crise climática na agenda global. O Proálcool é um testemunho de como, com liderança e expertise técnica, o país pode influenciar mercados mundialmente.

Fomos um dos primeiros a adotar biocombustíveis em larga escala, e hoje continuamos na vanguarda, liderando o desenvolvimento de etanol de segunda geração e investindo em biocombustíveis avançados para aviação. Para manter essa liderança em biocombustíveis de nova geração, é vital uma coordenação cuidadosa de políticas, investimentos e parcerias, integrando o potencial do agronegócio brasileiro, a excelência de centros de pesquisa como a Embrapa, e a colaboração de atores como a Embraer e a Petrobras.

Transição energética

Ressalta-se a vantagem comparativa do Brasil, mesmo frente à crescente eletrificação de veículos. O desafio na reciclagem de baterias de veículos elétricos contrasta com uma cadeia de reciclagem mais estabelecida para veículos tradicionais de biocombustível, representando uma vantagem para o país.

No cenário global, o Brasil tem potencial para se destacar como exportador de tecnologias e produtos sustentáveis. A implementação doMecanismo de Ajuste de Carbono pela União Europeiaé uma chance para o Brasil reforçar seu papel de liderança em sustentabilidade, alinhando-se às tendências globais e abrindo novas vias de comércio.Com quase metade de sua matriz energética renovável, o Brasil está bem posicionado para se beneficiar desse mecanismo e liderar na exportação de aço verde e outros recursos minerais e agrícolas. Agricultura e mineração podem ser sustentáveis, e o Brasil tem todas as condições para ser um líder mundial nessa área.

Entretanto, a transição energética vai além de políticas e tecnologias; ela está intrinsecamente ligada às dimensões sociais e econômicas. O avanço das energias renováveis deve vir acompanhado de políticas que assegurem inclusão e desenvolvimento social. Iniciativas pelo Brasil mostram como a promoção da resiliência energética em comunidades pode ser aliada à inclusão social, através da qualificação de residentes como técnicos de painéis solares, tornando-as não só beneficiárias, mas também agentes ativos na transição.

Olhando para o futuro, a transição energética no Brasil tem o potencial de ser um motor de crescimento econômico e inovação tecnológica. O sucesso depende de estabelecer e manter parcerias intersetoriais robustas e eficientes.

Isso inclui PPPs, políticas industriais inteligentes e uma abertura comercial que integre nossa indústria nas cadeias globais de valor da economia verde. Participar de diálogos globais avançados, como a parceria pelas florestas tropicais com Congo e Indonésia, e o inovador Acordo sobre Mudanças Climáticas, Comércio e Sustentabilidade (ACCTS), é chave para uma agenda ambiciosa de descarbonização e para posicionar o Brasil como um líder em produtividade e tecnologias verdes.

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Por Regina Esteves, diretora-presidente da Comunitas

A crise climática, um dos mais urgentes desafios globais, já se tornou uma realidade do dia a dia, impactando desproporcionalmente aqueles mais vulneráveis nos países em desenvolvimento. Para evitar um cenário climático desastroso, é crucial que os países intensifiquem a descarbonização de suas economias, com foco na migração para fontes de energia que emitam menos carbono.

No Brasil, essa mudança energética representa um reflexo do desafio global. Com aproximadamente metade de sua matriz energética proveniente de fontes renováveis, o Brasil se encontra em uma posição favorável para liderar essa transformação, desde que haja reformas nas políticas que hoje tornam a descarbonização mais cara e lenta. O desafio, em sua essência, é mais de governança do que de tecnologia. E, sem dúvida, é necessário um alinhamento entre a urgência das mudanças nas cidades e o tempo requerido para estabelecer políticas públicas eficazes.

A recente medida do governo brasileiro deaumentar as tarifas sobre a importação de painéis solares e veículos elétricosdestaca um dos vários dilemas associados à transição energética. Há, neste contexto, metas em conflito.

Por um lado, existe o objetivo do governo federal de fomentar o desenvolvimento da indústria doméstica de tecnologias sustentáveis. Por outro, há o desejo de impulsionar a descarbonização da economia. Algumas ações planejadas para estimular a indústria nacional podem, no entanto, elevar o custo de importação de tecnologias estrangeiras, encarecendo a descarbonização - ao menos a curto prazo. Esta abordagem visa aumentar a competitividade dos produtores locais no mercado, tornando seus produtos mais atrativos em comparação aos importados.

Atualmente,99% dos painéis solares utilizados no Brasil são importados.Se anteriormente a aquisição de painéis solares era vista como um compromisso com o meio ambiente, hoje pode ser justificada puramente por lógica econômica.A energia solar é a mais barata, e tanto cidadãos quanto empresas são sensíveis a incentivos.

Por isso, qualquer medida que venha a elevar os custos de importação e instalação de painéis solares deve considerar o impacto no comportamento dos consumidores, em face do aumento dos preços de insumos cruciais para a descarbonização, como é o caso dos painéis solares.

Para alavancar a descarbonização da economia e cumprir com os compromissos do Acordo de Paris, o Brasil deve priorizar políticas que facilitem o acesso e reduzam os custos de tecnologias limpas, como painéis solares e baterias. Essas medidas são fundamentais para impulsionar a independência energética de empresas e residências, contribuindo significativamente para a redução da pressão sobre o sistema elétrico nacional.

A implementação de incentivos fiscais na aquisição e instalação de sistemas de energia solar, bem como a oferta de créditos a juros baixos para famílias de baixa renda, são estratégias eficazes para estimular a produção de energia fotovoltaica, que se destaca como a opção maisacessível financeiramente para os consumidores.

Cashback de carbono

Para financiar essas iniciativas de maneira sustentável, a adoção de mecanismos de"cashback" de imposto de carbonosurge como uma solução viável. Esta abordagem, já aplicada com sucesso em diferentes províncias do Canadá e também na Suíça, não apenas promove a redução das emissões de gases de efeito estufa, mas também possibilita a redistribuição dos recursos arrecadados entre a população, mantendo o sistema fiscalmente neutro - isto é, sem aumento da carga tributária total. Esse modelo poderia ser adaptado para direcionar especificamente os recursos para a aquisição de tecnologias que contribuem para a redução das emissões, como painéis solares e eletrodomésticos eficientes, em parceria com representantes destes setores industriais.

A estratégia proposta não só enfatiza a descarbonização como um objetivo central, mas também considera a importância de criar um ambiente que estimule os consumidores a optar por soluções mais sustentáveis.

Ao mesmo tempo, reconhece o papel crucial das parcerias intersetoriais e da inovação tecnológica como motores para o avanço econômico e a sustentabilidade. São inúmeros, aliás, os exemplos de boas práticas adotadas por governos em parceria com a iniciativa privada e a sociedade civil para acelerar a transição energética. As parcerias intersetoriais são fundamentais. A colaboração entre setores público, privado e a sociedade civil é essencial para criar um ambiente propício ao florescimento de inovações sustentáveis.

A adoção de painéis solares em prédios públicos é um exemplo notável. Em várias partes do país, estados, municípios e departamentos públicos têm investido na instalação de painéis solares, buscando reduzir suas emissões de carbono, melhorar a resiliência energética e contribuir para a descarbonização da economia. Em 2022, a ENAP estabeleceu um dos maiores parques solares do Plano Piloto, capaz de gerar mais de 70% de sua própria eletricidade. Em São Paulo, uma Parceria Público-Privada (PPP) está em consulta pública para a implementação de painéis solares em prédios públicos educacionais, visando reduzir a vulnerabilidade a cortes de energia nas escolas.

Exemplos internacionais também são fonte de aprendizado. No Chile, uma coalizão incluindo órgãos públicos, universidades e setor produtivo financia uma entidade dedicada a políticas de eficiência energética. Esta entidade incentiva ações variadas, desde a substituição de eletrodomésticos antigos e turbinas hidráulicas para aumentar a produção de energia até a promoção do uso de bicicletas. Iniciativas semelhantes existem globalmente, como na Ucrânia e no Reino Unido. Afinal, a energia mais econômica e limpa é aquela que não é consumida.

O Brasil já é um pioneiro em cooperação intersetorial para a produção de combustíveis limpos, antecedendo a emergência da crise climática na agenda global. O Proálcool é um testemunho de como, com liderança e expertise técnica, o país pode influenciar mercados mundialmente.

Fomos um dos primeiros a adotar biocombustíveis em larga escala, e hoje continuamos na vanguarda, liderando o desenvolvimento de etanol de segunda geração e investindo em biocombustíveis avançados para aviação. Para manter essa liderança em biocombustíveis de nova geração, é vital uma coordenação cuidadosa de políticas, investimentos e parcerias, integrando o potencial do agronegócio brasileiro, a excelência de centros de pesquisa como a Embrapa, e a colaboração de atores como a Embraer e a Petrobras.

Transição energética

Ressalta-se a vantagem comparativa do Brasil, mesmo frente à crescente eletrificação de veículos. O desafio na reciclagem de baterias de veículos elétricos contrasta com uma cadeia de reciclagem mais estabelecida para veículos tradicionais de biocombustível, representando uma vantagem para o país.

No cenário global, o Brasil tem potencial para se destacar como exportador de tecnologias e produtos sustentáveis. A implementação doMecanismo de Ajuste de Carbono pela União Europeiaé uma chance para o Brasil reforçar seu papel de liderança em sustentabilidade, alinhando-se às tendências globais e abrindo novas vias de comércio.Com quase metade de sua matriz energética renovável, o Brasil está bem posicionado para se beneficiar desse mecanismo e liderar na exportação de aço verde e outros recursos minerais e agrícolas. Agricultura e mineração podem ser sustentáveis, e o Brasil tem todas as condições para ser um líder mundial nessa área.

Entretanto, a transição energética vai além de políticas e tecnologias; ela está intrinsecamente ligada às dimensões sociais e econômicas. O avanço das energias renováveis deve vir acompanhado de políticas que assegurem inclusão e desenvolvimento social. Iniciativas pelo Brasil mostram como a promoção da resiliência energética em comunidades pode ser aliada à inclusão social, através da qualificação de residentes como técnicos de painéis solares, tornando-as não só beneficiárias, mas também agentes ativos na transição.

Olhando para o futuro, a transição energética no Brasil tem o potencial de ser um motor de crescimento econômico e inovação tecnológica. O sucesso depende de estabelecer e manter parcerias intersetoriais robustas e eficientes.

Isso inclui PPPs, políticas industriais inteligentes e uma abertura comercial que integre nossa indústria nas cadeias globais de valor da economia verde. Participar de diálogos globais avançados, como a parceria pelas florestas tropicais com Congo e Indonésia, e o inovador Acordo sobre Mudanças Climáticas, Comércio e Sustentabilidade (ACCTS), é chave para uma agenda ambiciosa de descarbonização e para posicionar o Brasil como um líder em produtividade e tecnologias verdes.

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