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Além das máquinas: Tecnologia, gestão e integração comunitária para transformar a segurança pública

A tecnologia desempenha um papel importante na segurança, mas suscitam dilemas éticos. A verdadeira inovação resulta da reinvenção de práticas e estratégias

Diadema, na Grande São Paulo: Participação comunitária com engajamento dos comerciantes de bebidas foi responsável por drástica queda na taxa de homicídios de 1997 para cá (Marcos Luiz/PMD)
Diadema, na Grande São Paulo: Participação comunitária com engajamento dos comerciantes de bebidas foi responsável por drástica queda na taxa de homicídios de 1997 para cá (Marcos Luiz/PMD)

Por Regina Esteves, diretora-presidente da Comunitas

No cerne do debate sobre segurança pública no Brasil, a tecnologia aparece quase como uma solução milagrosa, capaz de resolver dilemas seculares com um simples toque de modernidade. Questiona-se, contudo, se essa crença não é apenas reflexo de uma era fascinada por inovações.

Diante disso, destacam-se duas perspectivas complementares: a relevância incontestável da tecnologia e o reconhecimento de que inovação vai além do uso de ferramentas tecnológicas.

Indiscutivelmente, a tecnologia desempenha um papel importante na modernização das forças de segurança. Equipamentos como câmeras corporais, drones e sistemas de reconhecimento facial se tornaram fundamentais. Contudo, essas inovações também suscitam questionamentos éticos acerca do equilíbrio entre segurança e privacidade, sobretudo em um contexto de desigualdades e discriminações.

Por outro lado, limitar a inovação à dimensão tecnológica é uma visão restrita. A verdadeira inovação em segurança pública frequentemente resulta da reinvenção de práticas e da revisão de estratégias.

"Cinco respostas"

Exemplificando, em Diadema, a aplicação de políticas de controle de álcool e a melhoria da iluminação pública resultaram em uma redução significativa nos índices de homicídio; enquanto em Barbacena, a estruturação de um atendimento integral à violência doméstica revelou que o profundo entendimento das peculiaridades locais e a cooperação da comunidade podem ser tão impactantes quanto a mais avançada tecnologia.

Iniciada em 2002 no subúrbio de Diadema, a iniciativa tomada nesta cidade se tornou um exemplo marcante do impacto positivo da cooperação multissetorial. Através de uma colaboração estreita com empresas e grupos comunitários, as autoridades locais implementaram restrições ao comércio noturno de bebidas alcoólicas, limitando as vendas após as 23h, além de reforçar a vigilância sobre os distribuidores de álcool, melhorar a iluminação pública e instalar câmeras de segurança.

Essas medidas resultaram em uma drástica queda na taxa de homicídios, de 140 mortes por 100.000 habitantes em 1997 para aproximadamente 21 em 2008, evidenciando o papel da participação comunitária, o engajamento dos comerciantes de bebidas e a rigorosa aplicação de regras e sanções.

Da mesma forma, em Barbacena, a Polícia Militar lançou o revolucionário "Cinco Respostas", visando combater a violência doméstica identificada em 34% dos crimes interpessoais contra mulheres em 2012.

O programa, premiado e reconhecido pelo BID em 2016, organiza o processo de intervenção e acompanhamento em cinco fases essenciais: recepção atenciosa, visita domiciliar inicial, monitoramento remoto, checagem comunitária e uma visita de reavaliação, engajando um suporte de autoridades locais e organizações da sociedade civil.

Tal abordagem, gerada a partir de uma visão local e voltada diretamente às necessidades comunitárias, demonstrou um efeito tão significativo que propiciou sua extensão a outros 18 municípios, abarcando um total de 260 mil habitantes, configurando-se como uma inovação gerada "de baixo para cima".

Celebrar iniciativas como essas é importante para assegurar que a integração da tecnologia nas políticas de segurança pública seja realizada de maneira estratégica, evitando a armadilha do fascínio pela novidade.

Abordagem holística

O verdadeiro desafio está na habilidade das instituições policiais em desenvolver um julgamento crítico sobre as tecnologias que escolhem implementar, assegurando que essas inovações sejam efetivamente empregadas para promover uma segurança pública mais justa e eficiente, e não apenas como elementos de um futurismo sem controle.

Ademais, o Brasil já demonstrou exemplos notáveis de como a tecnologia pode ser bem integrada a estratégias coerentes e consistentes de aprimoramento da gestão policial. O sucesso de tais programas prova que, embora a tecnologia desempenhe um papel vital, ela não deve ser o principal foco em processos de melhoria ou projetos de modernização.

A utilização astuta de tecnologia e exemplos de programas que, embora não tenham sido fundamentados predominantemente em soluções tecnológicas, causaram um impacto significativamente positivo em suas comunidades.

Essas iniciativas incorporaram, sim, elementos tecnológicos; contudo, foi o componente gerencial. O aprimoramento na coleta de informações e a utilização desses dados para refinar estratégias de policiamento, além da melhoria na qualidade das informações através da integração das subdivisões administrativas usadas por diversos órgãos para sincronizar o uso de dados e compreender as dinâmicas territoriais  — o que verdadeiramente impulsionou seu êxito.

O sucesso desses programas serve como prova de que, embora a tecnologia seja um elemento crucial, ela não deve ser o foco principal de qualquer processo de melhorias ou projeto de modernização.

Diante desse panorama, é imperativo que o Brasil continue a navegar no território complexo entre a inovação tecnológica e a inovação de processos e estratégias.

O desafio é monumental, porém, os benefícios de uma abordagem holística à segurança pública, que reconheça tanto o valor da tecnologia quanto a importância da inovação gerencial e comunitária, são inestimáveis. Afinal, a questão não é apenas como inovar, mas para quem e por que inovamos. A resposta a estas perguntas definirá o futuro da segurança pública no Brasil.