Saúde de Lula reforça papel de Haddad rumo a 2026
Contrariando especulações estimuladas pelo mercado, presidente mostra apetite eleitoral ao deixar hospital; ministro da Fazenda fica mais forte
Publicado em 16 de dezembro de 2024 às, 10h15.
Os recentes episódios envolvendo a saúde do presidente Luiz Inácio Lula da Silva reacenderam as especulações acerca de sua aptidão para disputar mais um mandato em 2026. A queda no banheiro do Palácio da Alvorada, seguida de uma cirurgia neurológica de emergência, semearam incertezas tanto no mercado quanto no meio político sobre a viabilidade de sua candidatura. No entanto, os movimentos recentes do presidente deixam claro que Lula não apenas rejeita a hipótese de afastamento, mas também almeja transformar essa adversidade em um reforço narrativo de sua resiliência, consolidando sua posição no tabuleiro eleitoral.
Sua aparição inesperada no domingo, durante a coletiva médica no Hospital Sírio-Libanês, foi um gesto eloquente de vigor político. Com a mesma firmeza, ao declarar-se “protegido por Deus” em entrevista ao programa Fantástico, Lula reafirmou seu protagonismo e desmentiu os rumores de afastamento, enquanto recuperava o tom de campanha que o projeta como um líder combativo, destemido diante de quaisquer adversidades, inclusive as relacionadas à sua saúde.
Essa estratégia transcende o simbolismo. No Brasil, questões de saúde envolvendo lideranças públicas frequentemente despertam sentimentos de solidariedade entre os eleitores. Para Lula, esse fator pode suavizar as pressões que enfrenta, em meio a uma governabilidade fragilizada e à queda de popularidade de sua gestão, impactadas pelas incertezas econômicas e pela fragmentação de sua base no Congresso. A empatia popular, assim, pode funcionar como uma válvula de escape, concedendo-lhe uma trégua enquanto o governo se reposiciona para os desafios de 2025.
Mais que saúde: a disputa de 2026
O debate sobre a sucessão presidencial ultrapassa as questões de saúde e está intrinsicamente ligado ao desempenho econômico e à costura política que sustenta a chapa já delineada com Fernando Haddad como figura central. Hoje à frente do Ministério da Fazenda, Haddad assume não apenas o comando da agenda econômica, mas também desponta como o sucessor natural do legado petista.
Em um partido carente de lideranças nacionais com densidade eleitoral, Haddad se destaca por sua experiência administrativa, testada tanto na prefeitura de São Paulo quanto na eleição presidencial de 2018, e por seu trânsito respeitável dentro e fora do PT, inclusive diante do empresariado e dos agentes financeiros.
O êxito dessa construção estará inevitavelmente atrelado aos resultados econômicos. Nos próximos dois anos, Haddad enfrentará o desafio de implementar medidas fiscais duras, conciliando cortes de gastos com iniciativas de apelo popular, como a prometida isenção de imposto de renda para trabalhadores de baixa renda. Essas ações terão o poder de mitigar os impactos negativos de um ajuste fiscal austero, pavimentando o caminho para a reconstrução de confiança no governo.
O cenário econômico será, portanto, o divisor de águas. Indicadores como crescimento, geração de empregos e aumento da renda serão determinantes para consolidar a chapa Lula-Haddad ou abrir espaço para a oposição questionar sua competitividade. Haddad, entretanto, transcende o papel de executor técnico: ele é o arquiteto político de um projeto voltado a garantir a continuidade do PT no poder. Sua liderança, especialmente entre as novas gerações do partido, o coloca como peça-chave na eventual transição do pós-Lula.
A variável Alckmin
O impacto político da saúde de Lula extrapola a esfera pessoal e reforça sua centralidade no processo sucessório, mas também reorganiza as dinâmicas dentro da aliança governista. Geraldo Alckmin, atual vice-presidente, figura como um aliado leal e peça estratégica para a manutenção do equilíbrio entre o campo progressista e o eleitorado de centro.
Sua presença na chapa de 2022 ampliou a base social de Lula, e retirá-lo dessa posição poderia gerar desgastes significativos.
Ainda assim, o PSB enfrenta dilemas quanto ao futuro político de Alckmin. Setores petistas pressionam por sua candidatura ao governo de São Paulo, mas o ex-governador, consciente do cenário desfavorável devido ao perfil conservador do interior paulista, reluta em aceitar o desafio.
Por outro lado, Haddad desponta como o nome capaz de unificar o campo progressista e liderar a sucessão petista, conferindo maior atratividade a uma chapa puro-sangue em 2026 — um movimento que reforçaria a identidade partidária e reduziria a dependência de aliados externos.
A convalescença de Lula, que à primeira vista poderia ser interpretada como um fator de vulnerabilidade, revela-se uma oportunidade para reorganização política. O episódio reforça não apenas a resiliência do presidente, mas também a necessidade de Haddad como figura central na articulação de um projeto de sucessão consistente.
Embora ainda em fase de consolidação, a chapa Lula-Haddad configura-se como a aposta mais lógica para o PT manter sua hegemonia e preparar a transição no pós-Lula. O principal desafio será equilibrar o desgaste causado por medidas econômicas impopulares com a entrega de resultados que ressoem positivamente junto à população.
Os próximos dois anos serão decisivos. Lula coloca suas fichas na continuidade de seu projeto, enquanto Haddad emerge como a ponte entre o peso histórico de um líder carismático e o futuro do campo progressista no Brasil.
Sim, Lula, caso dispute a eleição, terá 81 anos e estará lidando com diversos questionamentos acerca da viabilidade de uma campanha nacional extenuante. Sobretudo porque uma eventual vitória significaria encerrar o mandato com 85 anos em meio às adversidades de uma agenda de chefe de estado e governo.
Mas nada indica, por ora, que o presidente deixará que tais dúvidas afetem sua liderança no projeto político de seu campo. Somente uma catástrofe na economia e condições muito adversas no campo institucional o levariam a desistir da corrida pelo quarto mandato, segundo relato de seus auxiliares mais próximos.
A história de 2026 será escrita com a economia no centro do palco e a política conduzindo os bastidores, que prometem para 2025 mais boatos do que fatos. A montanha-russa da sucessão presidencial vai seguir precificando os ativos e impactando o câmbio. Apertem os cintos.