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O poder em transformação: triunfo do centro pragmático é baliza para 2026

ANÁLISE | Eleição municipal fortalece ‘partidos-pêndulo’ como PSD e MDB e sinaliza desconexão da esquerda com as aspirações de sua base social

Tarcísio de Freitas: governador saiu vitorioso com avanço de Nunes para o segundo turno (Campanha Ricardo Nunes/Divulgação)
Tarcísio de Freitas: governador saiu vitorioso com avanço de Nunes para o segundo turno (Campanha Ricardo Nunes/Divulgação)

A eleição municipal de 2024 não apenas redesenhou o mapa político brasileiro, mas também revelou sinais cruciais para o que está por vir em 2026. Partidos como PSD e MDB, que consolidaram sua presença em prefeituras estratégicas pelo país, emergem como forças centrais no jogo político nacional.

As urnas reafirmaram o papel dessas siglas, que agora se firmam como peças decisivas nas futuras negociações em Brasília, capazes de inclinar a balança em uma disputa presidencial que promete repetir a polarização das últimas jornadas.

Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, foi um dos maiores vencedores deste pleito. Seu partido, o Republicanos, avançou de forma expressiva no estado mais relevante do país, ampliando sua influência em cidades-chave.

Colecionando triunfos significativos, incluindo o aval inconteste a Ricardo Nunes, agora favorito na capital, Tarcísio se posiciona como um nome incontornável no cenário para 2026. Sua gestão técnica e pragmática, somada ao crescimento do Republicanos, revela uma reorganização no campo conservador, mesmo com a persistência da ala mais radical e antissistema que orbitou em torno de Jair Bolsonaro, responsável por 49% dos votos em 2022.

Enquanto isso, a esquerda enfrenta um cenário cada vez mais adverso. O PT, que por anos dominou a política local em regiões como o Nordeste, viu seu poder ser erodido em importantes centros urbanos. A dificuldade em renovar sua base e em apresentar novas lideranças capazes de dialogar com o eleitorado jovem e urbano é evidente. Mesmo em redutos tradicionais, como algumas capitais nordestinas, o PT não conseguiu evitar o avanço de partidos de centro e direita. Essa dinâmica evidencia uma crise de liderança na esquerda, que permanece excessivamente dependente da figura de Lula para garantir alguma coesão interna.

O PSDB, por sua vez, experimenta o epílogo de uma era. O partido, que outrora foi o protagonista do centro político brasileiro, agora enfrenta uma quase completa desintegração de sua força eleitoral. O fracasso nas urnas de 2024, especialmente em São Paulo, simboliza o colapso de uma estrutura que, por décadas, representou o equilíbrio entre a direita e a esquerda. A saída de cena dos tucanos abre espaço para novas forças de centro-direita, como o Republicanos e o União Brasil, que parecem mais conectados ao novo eleitorado conservador que antes votava no PSDB.

O PL, partido de Jair Bolsonaro, ganha consistência em suas bases tradicionais, especialmente no interior e em regiões conservadoras. Embora o bolsonarismo ainda demonstre uma resiliência impressionante, encontra obstáculos para avançar nos grandes centros urbanos, onde o eleitor demanda uma gestão mais técnica e soluções práticas para saúde, educação e mobilidade. Se o PL deseja mesmo expandir seu alcance, precisará de uma estratégia que vá além da retórica ideológica que mobiliza seu núcleo mais fiel.

Lideranças regionais, como João Campos (Recife), Eduardo Paes (Rio de Janeiro) e Bruno Reis (Salvador), são exemplos de que a eficiência na governança municipal, focada na resolução de problemas tangíveis, pode transcender as brigas ideológicas nacionais. Esses gestores demonstram que o eleitor municipal prioriza resultados imediatos, deixando de lado promessas grandiosas que demoram a se materializar.

Contudo, as eleições de 2024, embora centradas em questões locais, trazem mensagens claras para o próximo pleito. No campo conservador, existe uma disputa latente entre uma ala pragmática, que opera dentro das engrenagens do sistema, e uma ala mais radical e antissistema, representada por figuras emergentes como Pablo Marçal. Essa fissura ameaça enfraquecer o bolsonarismo tradicional, abrindo espaço para novos protagonistas na direita.

A esquerda, em contrapartida, caminha para alianças quase inevitáveis com PSD e MDB para sustentar sua base no Congresso e viabilizar a agenda prioritária do governo. A ausência de lideranças fortes fora da figura de Lula deixa a esquerda em uma posição frágil para 2026, forçando pactos que, outrora, seriam considerados improváveis.

Apesar do centro ter saído vitorioso nas disputas municipais, seu maior desafio é transformar essa força local em um projeto nacional robusto e eleitoralmente viável. A governabilidade no Brasil segue refém de um fisiologismo crônico, onde o controle do orçamento e a distribuição de emendas são as principais moedas para manter os alicerces de qualquer coalizão política. Esse ciclo, alimentado por fundos eleitorais e partidários generosos, perpetua a dependência de qualquer governo em relação ao centro fisiológico, dificultando rupturas reais com o status quo.

A primeira rodada de eleições municipais, ainda que focada preferencialmente em temas locais, já delineia os contornos de 2026. Quem domina mais prefeituras terá uma vantagem inegável na disputa pelo poder em Brasília, visto que se trata da montagem do quociente eleitoral dos principais partidos na sua aspiração de bancadas legislativas. E o centrão, com sua conhecida capacidade de negociação, já se apresenta como árbitro dessa contenda. A grande questão é se essa força será capaz de articular um projeto nacional que rompa a polarização que tem marcado a política brasileira.

Ruídos com a base social

O presidente Lula, que se equilibra entre os resultados econômicos e o desafio de controlar o aumento dos gastos públicos nos próximos dois anos, enfrenta outro dilema: a desconexão entre a esquerda e os anseios concretos do eleitorado, especialmente nas periferias das grandes metrópoles.

O discurso tradicional, centrado no fortalecimento das estruturas sindicais e na defesa de um Estado forte, já não encontra eco entre trabalhadores informais, pequenos empreendedores e jovens das comunidades mais carentes, que veem na regulação estatal um entrave ao progresso. O flerte com a flexibilização das regras trabalhistas – já vista na gestão Temer – se torna uma demanda crescente, ainda que isso vá contra o modelo sindical de onde Lula emergiu. Nessas periferias, o que se quer é menos interferência do Estado e mais autonomia nas relações de trabalho – algo que a esquerda, presa à sua retórica histórica, tem dificuldade de acomodar.

Além disso, a tentativa do governo de reverter a reforma do ensino médio, implantada no governo Temer, expõe uma nova falha de comunicação. Famílias e jovens das classes populares, cada vez mais preocupados com a inserção no mercado de trabalho, valorizam uma educação prática, que ofereça competências aplicáveis na vida real. A promessa de retornar a um modelo educacional mais teórico se afasta das aspirações dessa nova geração de eleitores, que não busca apenas diplomas, mas ferramentas que lhes permitam avançar economicamente.

Outro ponto de fragilidade de segmentos numerosos da esquerda é sua inabilidade de competir com a direita no campo das redes sociais. Enquanto o governo federal ainda se agarra a um modelo de comunicação de massa tradicional, seus adversários de direita dominam os algoritmos, utilizando plataformas como YouTube, WhatsApp e Instagram para disseminar suas mensagens de forma segmentada e eficiente. O poder de convencimento da direita no ambiente digital, já comprovado em eleições mundo afora, coloca a esquerda em uma desvantagem acentuada, ao passo que tenta manter uma narrativa mais linear e menos dinâmica.

A eleição de 2024 escancarou um eleitorado das periferias urbanas cada vez mais pragmático e menos alinhado a discursos ideológicos, vislumbrando baixo retorno de conquistas sociais pretéritas de governos esquerdistas.

A busca por melhores condições de vida, educação prática e flexibilização das relações de trabalho reflete uma transformação social e econômica que a maioria dos atores políticos de esquerda ainda não soube como acomodar. Enquanto isso, a direita se mostra mais habilidosa em capturar essa insatisfação, moldando-a em capital político e usando a arena digital para amplificar o alcance de sua mensagem. Se o governo federal continuar a ignorar esses sinais, corre o risco de ver seu espaço se restringir ainda mais – não só na ascendência sobre os entes subnacionais, mas também na luta pelo poder nacional.