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Lula mostra que pode conter erosão de popularidade

Com pacote emergencial que vai da economia à segurança, presidente aproveita crise da direita para buscar piso de aprovação até 2026

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursa durante o lançamento de um programa para facilitar o acesso a empréstimos bancários para trabalhadores, no Palácio do Planalto, em Brasília, em março (AFP/AFP)

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, discursa durante o lançamento de um programa para facilitar o acesso a empréstimos bancários para trabalhadores, no Palácio do Planalto, em Brasília, em março (AFP/AFP)

Fábio Zambeli
Fábio Zambeli

Vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos

Publicado em 27 de março de 2025 às 10h28.

Diante da ameaça concreta de erosão acelerada em sua popularidade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu recorrer a um manual conhecido da política: soluções pragmáticas, rápidas e de impacto direto na vida do eleitor médio. O objetivo, antes de tudo, é estancar a sangria nas pesquisas e proteger seu capital político até as eleições de 2026.

Há um claro tom emergencial na movimentação recente do governo. Não se trata de crescimento eleitoral imediato, mas de contenção de danos políticos frente a um cenário econômico delicado e em meio ao ambiente político ainda fortemente polarizado. Lula busca sustentar um piso mínimo de aprovação, evitando cair aos níveis perigosos experimentados por Dilma Rousseff e Michel Temer no ápice das crises de governabilidade que ambos enfrentaram num passado não muito remoto.

Ordem e progresso

Na área da segurança pública, o presidente não apenas recalibrou o discurso como adotou uma postura explicitamente favorável às forças policiais. Um exemplo dessa nova narrativa é a contundente defesa feita por Lula do combate aos roubos e furtos de celulares, crime cuja proliferação incomoda diariamente milhões de brasileiros.

Essa mudança é sintomática. Lula, tradicionalmente reticente em assumir posições alinhadas a um discurso de "lei e ordem", percebeu que segurança pública já supera saúde, educação e desemprego como principal preocupação popular em várias sondagens de opinião pública.

O governo tenta, assim, se afastar de uma posição ideológica excessivamente "garantista" e adota um posicionamento mais duro retoricamente contra o crime. Uma tentativa de neutralizar o avanço discursivo da direita nessa pauta, mitigando perdas significativas entre eleitores dos grandes centros urbanos.

O bolso em primeiro lugar

Na economia, a movimentação é mais incisiva ainda, com foco na rápida injeção de liquidez, visando impacto imediato no bolso da população mais vulnerável.

A liberação do empréstimo consignado com garantia dos próprios recursos do FGTS, embora polêmica do ponto de vista da educação financeira e dos conceitos macro, gera efeito perceptível imediato: mais dinheiro no bolso dos trabalhadores. Nos últimos dias, a procura pelo consignado do FGTS explodiu, revelando a força imediata dessa medida junto à base popular.

Apesar de aumentar riscos futuros de endividamento e possa criar problemas econômicos mais adiante, no curto prazo essa agenda impulsiona o consumo imediato e amplia a sensação de bem-estar econômico.

A ampliação do Auxílio-Gás, a expansão da lista de medicamentos gratuitos no programa Farmácia Popular, a criação do programa "Pé de Meia" para jovens estudantes – que prevê depósitos financeiros periódicos em nome dos estudantes para uso futuro –, são medidas claramente desenhadas para estabelecer uma sensação generalizada de amparo governamental direto e rápido à base social lulista.

Além disso, o governo aposta na comunicação de grandes investimentos em infraestrutura via empresas estatais e parcerias com a iniciativa privada, buscando criar uma narrativa de geração de empregos e recuperação econômica já no segundo semestre.

Banco Central, em Brasília: cálculo político do governo depende de aperto monetário melhorar as expectativas inflacionárias para os próximos meses (Leandro Fonseca/Exame)

Juros e carestia

Outra variável importante nesse cálculo político é a expectativa crescente no mercado financeiro e no governo de que os juros altos praticados até aqui, embora impopulares e criticados, tenham finalmente efeito concreto sobre o controle inflacionário nos próximos meses.

Uma redução significativa da inflação no segundo semestre pode gerar uma melhoria consistente na percepção popular da economia. E, caso essa expectativa se confirme, ajudará Lula na tarefa urgente de estabilizar, ao menos, seu capital político.

STF: direita imobilizada

O presidente conta ainda com um fator externo importante para estabilizar sua situação: o desgaste acentuado que a direita enfrentará ao longo de 2025 com o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos acusados pela tentativa de golpe no STF.

Além do impacto negativo imediato, esse julgamento drena energia política do campo bolsonarista, desviando esforços oposicionistas para uma agenda defensiva e restritiva, focada mais na proteção jurídica e política do ex-presidente do que no ataque ao governo petista.

Essa agenda "reativa" desmobiliza setores moderados da direita, que buscam uma narrativa eleitoral futura mais positiva e menos radicalizada. Bolsonaro, por sua vez, recusa-se a endereçar claramente sua sucessão, impedindo lideranças como o governador Tarcísio de Freitas (SP) de se posicionarem de maneira autônoma, travando planos alternativos para 2026.

Tal indefinição fragiliza o conjunto da oposição, que tende a adotar no Congresso postura pragmática mais negociadora com o governo Lula, em detrimento das investidas de seus próprios setores mais radicais.

Congresso e ajustes na base aliada

Nesse cenário, é sintomático que, na semana em que o julgamento de Bolsonaro começa no STF, Lula viaje ao Japão e Vietnã acompanhado pelos presidentes da Câmara e Senado, Hugo Motta e Davi Alcolumbre. É uma tentativa de aproximação institucional clara, alinhando agendas e garantindo um ambiente legislativo menos hostil nos próximos meses.

Esse movimento também se soma à promessa de uma reforma ministerial voltada para recompor pontes com partidos aliados. A ideia é garantir tranquilidade legislativa e ampliar governabilidade para a execução rápida das medidas de impacto econômico.

Limites da estratégia emergencial

Mesmo efetivas no curto prazo, essas medidas não necessariamente serão sustentáveis por longo tempo ou suficientes para recolocar Lula em patamares históricos de popularidade alcançados em mandatos anteriores.

São iniciativas governamentais defensivas, emergenciais, voltadas para impedir a corrosão maior do capital político de Lula.

Além disso, o ambiente interno do governo não autoriza uma guinada forte rumo ao centro político ou ao mercado financeiro. Setores influentes do Planalto – Casa Civil, Secretaria Geral e Secretaria de Relações Institucionais – avaliam que as concessões aos agentes financeiros e ao empresariado, embora ajudem a pacificar relações institucionais e melhorar a imagem perante formadores de opinião, teriam efeito eleitoral limitado.

Esse grupo, apesar de sua relevância econômica, seria numericamente insuficiente para alterar a correlação eleitoral em 2026. Seu voto, majoritariamente alinhado à oposição, já estaria perdido para o lulismo.

Nesse contexto, o ministro da Fazenda Fernando Haddad, uma voz moderada de interlocução com esse segmento, encontra-se cada vez mais fragilizado politicamente frente ao núcleo mais duro do Palácio.

Estancar perdas para chegar ‘vivo’ em 2026

Em face dessas múltiplas variáveis e apesar dos riscos econômicos e políticos envolvidos, o diagnóstico mais razoável hoje aponta para a possibilidade real de Lula conseguir, pelo menos no curto prazo, estancar a queda de popularidade.

Se será uma recuperação sólida ou apenas um espasmo político passageiro, dependerá, em grande medida, do comportamento da economia nos próximos meses e do controle sobre as variáveis políticas instáveis no horizonte.

De todo modo, o presidente tenta garantir, desde já, um piso mínimo de segurança eleitoral que permita navegar com menos turbulência rumo a 2026. Uma estratégia defensiva, mas necessária. Na política, afinal, sobreviver é sempre o primeiro passo.

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