Exame.com
Continua após a publicidade

Congresso ameaça ajuste nos gastos para negociar com Lula

Lira e Pacheco se engajam em agenda de cortes de despesas para demonstrar ao governo que aumento de impostos não terá vida fácil no Legislativo

Congresso e governo Lula: O partido do presidente Lula está majoritariamente empenhado em fazer valer a lógica que saiu vitoriosa nas urnas (Ricardo Stuckert/PR/Flickr)
Congresso e governo Lula: O partido do presidente Lula está majoritariamente empenhado em fazer valer a lógica que saiu vitoriosa nas urnas (Ricardo Stuckert/PR/Flickr)

*Ala do PT que duela com 'moderados' da economia por flexibilização em meta aposta em investimentos públicos para a eleição municipal

*Planalto vê gestos do Legislativo como tentativa de aumentar cacife para segunda fase da reforma ministerial, em dezembro


A dimensão do esforço arrecadatório que o governo terá que empreender para cumprir as metas fiscais recém-aprovadas pautou definitivamente em Brasília a agenda do corte de gastos.

Setores mais ortodoxos da equipe econômica e representantes do centro que ocupam posições de relevo no Executivo começam, de forma ainda sutil, a dar vazão ao discurso do ajuste, que ganha corpo no Congresso Nacional.

Em contraposição, a resistência a qualquer iniciativa que melindre os servidores públicos e o compromisso do investimento social engaja formadores de opinião importantes no entorno de Lula.

Depois do presidente da Câmara, Arthur Lira, virar um articulador, ao menos no discurso, da reforma administrativa, o seu colega do Senado, Rodrigo Pacheco, também vem aderindo à defesa de medidas de racionalização de despesas.

O movimento cresce na mesma proporção em que se consolida o diagnóstico no Legislativo de que nem todas as iniciativas que ajudariam o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a recolher os R$ 168 bilhões necessários para o prometido déficit zero nas contas em 2024 terão caminho fácil entre os parlamentares.

Do lado de Haddad, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, foi escalada para pregar cortes em programas "ineficientes" a partir do próximo ano. Seu time, formado por especialistas em orçamento com carreira técnica, tem sido um escudo contra o apetite da ala mais ideológica do governo, sobretudo do PT.

Como demonstração de empenho na missão, Tebet instituiu um Grupo de Trabalho com o objetivo de revisar e criar uma metodologia de avaliação das despesas e propor opções para redução, num prazo de um ano.

O próprio Haddad passou a falar publicamente sobre ações pontuais, mencionando combate a supersalários, em contraposição à série de gastos permanentes que vêm sendo autorizados pela pasta de Gestão, controlada pelo grupo mais desenvolvimentista, com forte apoio da base do funcionalismo público.

Ecos da campanha

O partido do presidente Lula está majoritariamente empenhado em fazer valer a lógica que saiu vitoriosa nas urnas, colocando o investimento público como carro-chefe da retomada do crescimento econômico.

Dirigentes petistas e integrantes do primeiro escalão, em especial na Casa Civil, buscaram antecipar o debate orçamentário cobrando a flexibilização das metas de resultado primário das contas públicas exatamente para assegurar alguma discricionariedade por parte do Planalto na gestão dos recursos para obras e projetos. São itens essenciais para garantir votos no ano que o PT tentará recuperar espaço nas prefeituras das principais cidades.

Um expoente petista, consultado pela coluna, resumiu da seguinte forma o embate que se trava no governo: "Foi uma campanha que falou em gasto, a transição garantiu mais gasto com a PEC, o início do governo foi dominado por medidas de mais gasto, mais investimento. É difícil enquadrar uma agenda que está dando certo. A governabilidade passa por fazer mais para quem precisa. O que o presidente ganha cedendo para os liberais, que perderam a eleição? Absolutamente nada".

Do outro lado, o segmento mais moderado do governo atua para manter os dispositivos automáticos de contenção de despesas e contingenciamentos, pois entende que seria a maneira mais segura de barrar o ímpeto petista. "Governo, em tese, tem que começar com ajustes e cortes de gastos. Se não o fizer no início, o risco do descontrole é enorme. É nesse sentido que o déficit zero tem um caráter simbólico. Jogar a toalha agora seria muito negativo", afirma uma fonte com trânsito no Planalto e na área econômica.

Estica e puxa

No QG político do Planalto, contudo, está cristalizado o entendimento de que a súbita mobilização de Lira pela reforma administrativa, inicialmente encaminhada na gestão de Jair Bolsonaro, trata-se de um instrumento de barganha política do chefe do "centrão" para valorizar o apoio da nova base governista aos projetos e MPs que busquem receitas adicionais.

Ninguém no entorno do presidente acredita que Lira levará adiante uma proposta mais robusta de reforma caso tenha seus pleitos atendidos até o final do ano, em especial numa segunda e mais ambiciosa reforma ministerial.

Quanto à execução orçamentária, os auxiliares de Lula apostam que os congressistas do bloco de partidos de centro virem "sócios" da agenda do gasto e não adversários, sobretudo por causa da proximidade com as eleições municipais.

Já em relação ao Senado, os governistas avaliam que a entrada de Pacheco na discussão do tema seria reflexo de uma construção política que visaria empoderá-lo com setores do mercado financeiro e do empresariado.

Do lado dos técnicos do Executivo, um trunfo a ser guardado para eventual embate com os parlamentares no tema corte de gastos é o alargamento do escopo de rubricas a serem monitoradas com lupa para eventual enxugamento. A ideia é tratar de tabus como o fundo eleitoral, os supersalários do Judiciário e as regalias das carreiras militares, assuntos tratados como de difícil digestão no ambiente legislativo.