Congresso ameaça ajuste nos gastos para negociar com Lula
Lira e Pacheco se engajam em agenda de cortes de despesas para demonstrar ao governo que aumento de impostos não terá vida fácil no Legislativo
Publicado em 15 de setembro de 2023 às, 11h28.
Última atualização em 15 de setembro de 2023 às, 12h02.
*Ala do PT que duela com 'moderados' da economia por flexibilização em meta aposta em investimentos públicos para a eleição municipal
*Planalto vê gestos do Legislativo como tentativa de aumentar cacife para segunda fase da reforma ministerial, em dezembro
A dimensão do esforço arrecadatório que o governo terá que empreender para cumprir as metas fiscais recém-aprovadas pautou definitivamente em Brasília a agenda do corte de gastos.
Setores mais ortodoxos da equipe econômica e representantes do centro que ocupam posições de relevo no Executivo começam, de forma ainda sutil, a dar vazão ao discurso do ajuste, que ganha corpo no Congresso Nacional.
Em contraposição, a resistência a qualquer iniciativa que melindre os servidores públicos e o compromisso do investimento social engaja formadores de opinião importantes no entorno de Lula.
Depois do presidente da Câmara, Arthur Lira, virar um articulador, ao menos no discurso, da reforma administrativa, o seu colega do Senado, Rodrigo Pacheco, também vem aderindo à defesa de medidas de racionalização de despesas.
O movimento cresce na mesma proporção em que se consolida o diagnóstico no Legislativo de que nem todas as iniciativas que ajudariam o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a recolher os R$ 168 bilhões necessários para o prometido déficit zero nas contas em 2024 terão caminho fácil entre os parlamentares.
Do lado de Haddad, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, foi escalada para pregar cortes em programas "ineficientes" a partir do próximo ano. Seu time, formado por especialistas em orçamento com carreira técnica, tem sido um escudo contra o apetite da ala mais ideológica do governo, sobretudo do PT.
Como demonstração de empenho na missão, Tebet instituiu um Grupo de Trabalho com o objetivo de revisar e criar uma metodologia de avaliação das despesas e propor opções para redução, num prazo de um ano.
O próprio Haddad passou a falar publicamente sobre ações pontuais, mencionando combate a supersalários, em contraposição à série de gastos permanentes que vêm sendo autorizados pela pasta de Gestão, controlada pelo grupo mais desenvolvimentista, com forte apoio da base do funcionalismo público.
Ecos da campanha
O partido do presidente Lula está majoritariamente empenhado em fazer valer a lógica que saiu vitoriosa nas urnas, colocando o investimento público como carro-chefe da retomada do crescimento econômico.
Dirigentes petistas e integrantes do primeiro escalão, em especial na Casa Civil, buscaram antecipar o debate orçamentário cobrando a flexibilização das metas de resultado primário das contas públicas exatamente para assegurar alguma discricionariedade por parte do Planalto na gestão dos recursos para obras e projetos. São itens essenciais para garantir votos no ano que o PT tentará recuperar espaço nas prefeituras das principais cidades.
Um expoente petista, consultado pela coluna, resumiu da seguinte forma o embate que se trava no governo: "Foi uma campanha que falou em gasto, a transição garantiu mais gasto com a PEC, o início do governo foi dominado por medidas de mais gasto, mais investimento. É difícil enquadrar uma agenda que está dando certo. A governabilidade passa por fazer mais para quem precisa. O que o presidente ganha cedendo para os liberais, que perderam a eleição? Absolutamente nada".
Do outro lado, o segmento mais moderado do governo atua para manter os dispositivos automáticos de contenção de despesas e contingenciamentos, pois entende que seria a maneira mais segura de barrar o ímpeto petista. "Governo, em tese, tem que começar com ajustes e cortes de gastos. Se não o fizer no início, o risco do descontrole é enorme. É nesse sentido que o déficit zero tem um caráter simbólico. Jogar a toalha agora seria muito negativo", afirma uma fonte com trânsito no Planalto e na área econômica.
Estica e puxa
No QG político do Planalto, contudo, está cristalizado o entendimento de que a súbita mobilização de Lira pela reforma administrativa, inicialmente encaminhada na gestão de Jair Bolsonaro, trata-se de um instrumento de barganha política do chefe do "centrão" para valorizar o apoio da nova base governista aos projetos e MPs que busquem receitas adicionais.
Ninguém no entorno do presidente acredita que Lira levará adiante uma proposta mais robusta de reforma caso tenha seus pleitos atendidos até o final do ano, em especial numa segunda e mais ambiciosa reforma ministerial.
Quanto à execução orçamentária, os auxiliares de Lula apostam que os congressistas do bloco de partidos de centro virem "sócios" da agenda do gasto e não adversários, sobretudo por causa da proximidade com as eleições municipais.
Já em relação ao Senado, os governistas avaliam que a entrada de Pacheco na discussão do tema seria reflexo de uma construção política que visaria empoderá-lo com setores do mercado financeiro e do empresariado.
Do lado dos técnicos do Executivo, um trunfo a ser guardado para eventual embate com os parlamentares no tema corte de gastos é o alargamento do escopo de rubricas a serem monitoradas com lupa para eventual enxugamento. A ideia é tratar de tabus como o fundo eleitoral, os supersalários do Judiciário e as regalias das carreiras militares, assuntos tratados como de difícil digestão no ambiente legislativo.