(Ricardo Moreira/Getty Images)
Vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos
Publicado em 21 de julho de 2023 às 11h03.
Última atualização em 22 de julho de 2023 às 12h10.
A retomada dos trabalhos no Congresso Nacional tende a aquecer a agenda populista do governo e do Legislativo, que perdeu força no crepúsculo do semestre na esteira da aprovação da reforma tributária e da prevalência de Fernando Haddad sobre a ala desenvolvimentista do PT.
Na medida em que a economia dá sinais de que crescerá em patamares menos robustos do que os desejados pelo presidente nos próximos anos, a retórica da "luta de classes" torna-se vital para Lula preservar sua popularidade na base social que é sua principal fortaleza eleitoral.
Essa diretriz tem permeado as medidas adotadas pelo Executivo até aqui, que visam estabelecer uma linha separando as políticas públicas voltadas para a população mais pobre, cidadela lulista, das outras iniciativas que miram, no discurso oficial, a redução da desigualdade social, sobretudo com a taxação dos mais ricos e subsídios para estimular o consumo. Contudo, o ministro da Fazenda, hábil nas articulações com os parlamentares de centro-direita e moderado na condução da pauta da sua pasta, tem servido de biombo para as aspirações do núcleo-duro do PT.
As coisas podem mudar. Lula ingressa agora numa espécie de "zona de conforto" estimulado pela transição do ambiente político, acelerada após a saída de Jair Bolsonaro do xadrez sucessório e diante da inconteste estabilização dos fundamentos da economia –em especial, inflação de alimentos e geração de empregos.
Deflagrando a operação política de embarque do "centrão" à base governista, o petista passa a manobrar com margem mais segura a agenda legislativa e evidencia o projeto de buscar novo mandato.
Embora tenha prometido ao centro político que não pleitearia a reeleição, alimentando assim um fetiche de setores da opinião pública pela suposta viabilidade de uma terceira via moderada em 2026, o presidente não esconde mais de ninguém que tem saúde e disposição para postergar a aposentadoria.
Para defender a bandeira da inclusão, o chefe do Executivo conta com a implementação de projetos que estiveram à frente da plataforma de campanha do ano passado, como o perdão de dívidas em bancos, a ampliação dos programas de transferência de renda e as mudanças na tributação –sobretudo impactando a renda e o patrimônio.
Também começa a ganhar espaço na Esplanada dos Ministérios a discussão sobre aditivos que possam dar mais liquidez à economia popular, estimulando o consumo e anabolizando o sentimento geral de melhora do poder de compra dos salários.
Haddad, admoestado por Lula após virar uma celebridade no mercado financeiro paulistano, procura se descolar do apelido de “rei da Faria Lima” e abraçar ao menos em parte a bandeira do chefe e do seu partido.
Os posicionamentos mais recentes do ministro emulam a verve lulista com recorrentes menções à “classe dominante” e aos “ricos que não pagam impostos”, associando mudanças no regime tributário ao financiamento dos programas de socorro aos estratos sociais mais alinhados historicamente ao presidente.
Na equipe da Fazenda, combate a fraudes e à sonegação, enfrentamento a privilégios e corte de subsídios estão onipresentes nas falas de assessores de Haddad. Tais medidas funcionariam como uma espécie de varredura de “compliance” na Receita Federal, mirando em especial o topo da pirâmide social.
Trata-se de uma explícita tentativa de imprimir verniz acadêmico ao discurso hoje hegemônico no Palácio do Planalto, segundo o qual a aliança com o centro fisiológico tem tudo para pavimentar a manutenção do PT no governo por mais quatro anos, com forte apelo popular de suas políticas públicas.
Agregando mais nitroglicerina ao embate da responsabilidade fiscal x responsabilidade social, muito em voga desde a transição, em dezembro, o recém-indicado pelo governo à diretoria de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, ingressa no colegiado disposto a resistir à cartilha de Roberto Campos Neto, ao menos no campo do debate público. O controverso capítulo da ‘censura’ a entrevistas, rechaçada pelo ex-número 2 da Fazenda, deu indicativos aos operadores do sistema financeiro de que a agenda econômica não está totalmente blindada dos comandos do núcleo político palaciano.
É nesse contexto que os deputados e senadores voltam ao trabalho em agosto, tendo à mesa medidas micro e macro que devem fazer com que as contas fechem, sem que haja o temido aumento da carga tributária.
A formação da comissão mista que vai deliberar sobre as diretrizes do Orçamento da União para 2024 é central para Lula e para o grupo de Arthur Lira, que engatam um franco namoro desde o final de junho.
É no texto que será votado em dezembro que estará consignado o desenho do plano de gastos sociais para o segundo ano de mandato e dimensionado o desafio da Fazenda de arrecadar o suficiente para cumprir a regra fiscal, que ainda carece de aprovação definitiva, mas pressupõe mais de R$ 110 bilhões em novas receitas.
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*Fábio Zambeli, 50 anos, é jornalista com pós-graduação em comunicação pública. Atualmente é vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos. Especialista em monitoramento de risco institucional, tem 31 anos de experiência em cobertura política em veículos e agências de São Paulo e Brasília. Atuou como repórter, chefe de reportagem, colunista e editor da Folha de S. Paulo, repórter especial e coordenador editorial da Associação Paulista de Jornais. Foi diretor da FSB Comunicação, com especialização em estratégia, análise de conjuntura, gestão de contas públicas e relações governamentais. Liderou, durante as eleições, a equipe de análise da plataforma JOTA, especializada no acompanhamento dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para C-Level de empresas e executivos do mercado financeiro.