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Análise: Mercado precisa se acostumar com a volta de Lula ao palanque

Presidente entra de vez em modo campanha pela reeleição e tende a exagerar na retórica

 (Ricardo Stuckert / PR/Divulgação)
(Ricardo Stuckert / PR/Divulgação)

O semestre termina com uma notícia má e outra boa para o mercado financeiro, ambas vindas do Palácio do Planalto. A má: é melhor se acostumar com Lula em modo campanha pela reeleição, o que implica um discurso ruidoso e voltado à sua base social, estado de permanente "luta de classes" e apetite por gastos. A boa, sob a ótica dos agentes da Faria Lima: nem sempre o que o presidente faz é exatamente aquilo que diz.

Dadas as complexidades da atual dinâmica de Brasília, não é possível reproduzir na com fidelidade total na agenda de realizações do governo a retórica de palanque, na qual o petista mergulhou precocemente na semana passada ao lançar informalmente sua candidatura a novo mandato.

Em menos de dez dias, o chefe do Executivo concedeu 5 entrevistas a veículos de comunicação nacionais e regionais e realizou ao menos 8 discursos em eventos públicos. É com o microfone ligado que o jogo da política será jogado nos próximos dois anos. Deve-se, entretanto, aplicar um filtro à narrativa que emerge no núcleo do poder na capital federal.

Ainda que Lula tenha assumido, na prática, a direção da Fazenda, tirando do chefe da pasta, Fernando Haddad, a condição de superministro, conquistada em 2023, há obstáculos já contratados que obrigarão o presidente a recuos estratégicos.

O Congresso Nacional, de maioria de centro-direita, é um dos muros de contenção à cartilha lulista. Um exemplo esteve na pauta nos últimos dias: contrariando o desejo pessoal do chefe do Executivo e da primeira-dama Janja, cada vez mais influente nas tomadas de decisão palacianas, foi sancionada a taxação das compras internacionais com valores abaixo de US$ 50.

Implantada pelo centrão como 'jabuti' num projeto de interesse do governo, a cobrança afeta um segmento substantivo dos eleitores de Lula, como o próprio reconheceu seguidas vezes.
As contingências políticas, contudo, levaram o presidente a aceitar uma derrota em troca de fôlego para a governabilidade.

Outra trava é a dificuldade de manejo do orçamento federal para ativar o presidencialismo de coalizão que prospera no Planalto Central desde a redemocratização.

Sem autonomia plena para gerir os recursos da União, Lula dependerá de uma maioria legislativa ainda remota para acelerar sua administração rumo a 2026. Enquanto não viabiliza uma base robusta, terá de mobilizar as estatais e os bancos públicos para custear o "espetáculo do investimento". A linha foi dada na posse da nova presidente da Petrobras, Magda Chambriard, um verdadeiro chamamento a um programa ambicioso de obras patrocinadas pela empresa no contexto da promoção do que o presidente chamou de "desenvolvimento nacional".

É a economia

Já a última e não menos espinhosa barreira de contenção natural à versão Lula "com faca nos dentes" é a macroeconomia. O câmbio, por exemplo, incomoda o QG presidencial. Desde que tomou posse após um resultado apertadíssimo no segundo turno de 2022, uma das vacinas aplicadas pelo presidente à oposição foi o revés do discurso apocalíptico segundo o qual o Brasil viraria a Argentina "em seis meses" e a Venezuela, "em um ano e meio", vocalizado pelos próceres da gestão de Jair Bolsonaro.

Já na transição de governos, em novembro e dezembro de 2022, o recém-eleito petista testou os mercados com declarações controversas sobre o equilíbrio fiscal, mas nem de longe a cotação da moeda americana beirou os R$ 7 profetizados pelos bolsonaristas. Se o primeiro ano de "Lula 3" foi de calmaria nos mercados, inflação sob controle e valorização do real, o fantasma do dólar num patamar mais alto começa a rondar o país no "ano e meio", impulsionado por mudanças no cenário externo e mais volatilidade no doméstico. Entra no radar, portanto, um potencial reflexo nos preços e na percepção de bem-estar do brasileiro, o que preocupa os auxiliares mais próximos do presidente.

É fato que existe uma consolidação de polos ideológicos antagônicos no xadrez sucessório, mas as pesquisas mais recentes também evidenciam que uma parcela significativa do eleitorado, que considera a gestão de Lula “regular”, está em movimento pendular, oscilando entre o apoio e a reprovação do governo conforme as variáveis cotidianas do bolso. Trata-se de um contingente de quase um terço dos cidadãos, insuficiente para pavimentar uma candidatura alternativa de centro, mas decisivo para resolver eleições polarizadas.

Em curto prazo, despontam dois prováveis pontos de inflexão para o triunfo da plataforma desenvolvimentista em gestação no Planalto: a escolha dos sucessores de Roberto Campos Neto e Arthur Lira, hoje vistos como “freios” aos pleitos lulistas.

A partir do início de de 2025, Lula perderá o posto de comentarista da política monetária e possivelmente será indutor da pauta do BC. Já na Câmara dos Deputados o quadro é bastante turvo e não é possível determinar o figurino preciso do futuro condutor da agenda legislativa.

Vencidos esses dois obstáculos, os álibis para o tímido crescimento econômico tendem a desaparecer e as tentações para turbinar a reta final do mandato com aditivos heterodoxos aumentarão exponencialmente.