Colunistas

A crise do PIX explicita nova dinâmica de poder no governo Lula

Episódio mostra que pêndulo do Planalto até 2026 privilegiará agenda político-eleitoral em detrimento da pauta mais técnica da Fazenda

14.01.2025 - Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a cerimônia de posse de Sidônio Palmeira no cargo de Ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, no Palácio do Planalto. Brasília - DF. Foto: Ricardo Stuckert / PR (Ricardo Stuckert / PR/Flickr)

14.01.2025 - Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a cerimônia de posse de Sidônio Palmeira no cargo de Ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, no Palácio do Planalto. Brasília - DF. Foto: Ricardo Stuckert / PR (Ricardo Stuckert / PR/Flickr)

Fábio Zambeli
Fábio Zambeli

Vice-presidente da Ágora Assuntos Públicos

Publicado em 17 de janeiro de 2025 às 14h15.

A controvérsia em torno do PIX, iniciada pela tentativa da Receita Federal de monitorar transações da ferramenta acima de R$ 5 mil, expôs muito mais que uma derrapada na comunicação do governo. O episódio revelou rearranjos silenciosos, mas profundos, no tabuleiro político do Palácio do Planalto, com efeitos diretos sobre a correlação de forças internas e as condições de governabilidade da área econômica.

A chegada de Sidônio Palmeira ao núcleo estratégico lulista, com a missão velada de arquitetar o caminho eleitoral de 2026, ampliou significativamente o poder de influência do bloco capitaneado pelo chefe da Casa Civil, Rui Costa — um dos mais ativos contrapontos às ideias defendidas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Palmeira, reconhecido pela longa parceria com Lula e pela condução de campanhas eleitorais vitoriosas, em especial na cidadela petista na Bahia, imprimiu seu estilo de ação imediata e articulada ao recuo na normativa do PIX.

Decisão que, embora bem recebida pela opinião pública, não passou incólume dentro do governo. Mais que uma operação de controle de danos, o imbróglio serviu para sublinhar o estreito alinhamento entre Palmeira e Costa, ambos cientes de que a coesão política em torno do presidente é fundamental para blindar o governo contra desgastes e pavimentar a permanência do grupo no poder.

Tal aliança, no entanto, tende a dificultar o trabalho de Haddad, cuja visão de austeridade e controle fiscal frequentemente colide com as prioridades mais políticas e eleitorais do núcleo palaciano.

Duelo

A tensão entre as duas alas do governo evidencia uma contenda maior: de um lado, a necessidade de entregar resultados fiscais concretos para conter a desconfiança do mercado e estabilizar a economia, evitando desequilíbrio do câmbio e escalada da inflação; de outro, a prioridade em resguardar os interesses da base social que sustentou Lula em 2022.

A súbita ascensão do marqueteiro Palmeira nesse cenário fortalece a predominância de uma lógica político-eleitoral, que prioriza a narrativa e a conexão direta com os eleitores em detrimento de medidas economicamente impopulares e desejadas pelos agentes financeiros.

Rui Costa, ao capitalizar essa dinâmica, consolida seu papel como peça-chave na mediação das decisões políticas e como opositor interno ao modelo de governança mais técnico e ortodoxo proposto por Haddad.

Para o ministro da Fazenda, a crise do PIX veio no pior momento possível. Iniciando um ano que deveria ser marcado pelo avanço de reformas e pela implementação do arcabouço fiscal, Haddad se vê desafiado não apenas por adversários externos, mas também pela crescente perda de autonomia dentro do governo.

Enquanto tenta projetar confiabilidade aos mercados e reduzir a vulnerabilidade das contas públicas, o ministro enfrenta o fortalecimento de vozes que priorizam a contenção de desgastes populares e a manutenção de um discurso alinhado às expectativas eleitorais de 2026.

A disputa não é meramente técnica, mas estrutural. A base social afetada pela controvérsia do PIX, composta majoritariamente por trabalhadores informais que dependem dessa ferramenta para sua subsistência, é também uma parte crucial do eleitorado que Rui Costa e Sidônio Palmeira buscam proteger –ou, quem sabe, reconquistar.

Essa tensão espelha um embate de concepções dentro do governo: a tentativa de Haddad de implementar ajustes que garantam a estabilidade de longo prazo enfrenta o pragmatismo político de quem enxerga a sobrevivência eleitoral como prioridade incontornável.

O efeito mais visível dessa nova configuração de forças é a fragilização da posição de Haddad como fiador de uma agenda econômica confiável.

O recuo estratégico sobre o PIX, conduzido com destreza por Palmeira, não apenas inviabilizou qualquer tentativa de reforçar a narrativa fiscalista, como também destacou a dificuldade do ministro em estabelecer uma base de sustentação política para suas ideias dentro do próprio governo. Esse desgaste, no entanto, não é apenas individual: ele se traduz em maior ceticismo dos atores econômicos quanto à capacidade do Planalto de implementar medidas de corte de gastos nos próximos anos.

Antes e depois

A crise do PIX, assim, tornou-se um divisor de águas. Para além do estresse provocado em camadas sociais numerosas e ruidosas, que acabou por fortalecer a oposição, ela ilustra os desafios do governo Lula em manter uma ponte entre a governança econômica e a articulação política.
A crescente influência do novo titular da Secom e sua proximidade com Rui Costa indicam uma clara opção do Planalto por reforçar o eixo político-eleitoral em detrimento da autonomia técnica da área econômica.

Para Haddad, o desafio agora é reagir a um ambiente cada vez menos favorável e provar que ainda há espaço para protagonismo em um governo cujas prioridades estão, cada vez mais, subordinadas ao calendário de 2026.

Uma das tarefas iniciais será a condução da agenda da pasta com o Congresso Nacional, em fevereiro, já sob novo comando nas Mesas Diretoras. O ministro, que detém bom trânsito e habilidade no trato com os parlamentares, pode reverter essa tendência e se reposicionar politicamente com vigor no tabuleiro do Brasília caso prospere nessa articulação.

Acompanhe tudo sobre:Governo LulaLuiz Inácio Lula da SilvaPIX