Retrospectiva do cenário macroeconômico global em 2024 e expectativas para 2025
Análise dos principais desafios e oportunidades no Brasil e no mundo
Publicado em 16 de dezembro de 2024 às, 09h00.
No início de 2024, a expectativa para o cenário econômico global estava marcada por uma série de fatores complexos, refletindo tanto desafios persistentes quanto sinais de recuperação em algumas áreas.
No mercado internacional, a inflação, que foi uma grande preocupação ao longo de 2022 e 2023, estava começando a desacelerar em muitas regiões, particularmente nos Estados Unidos e na Zona do Euro, sem muitos impactos na atividade e no mercado de trabalho. O CPI (inflação ao consumidor) nos EUA e na Zona do Euro começou o ano de 2024 em 3,4% e 2,9% em termos anualizados, respectivamente. Contudo, os bancos centrais, como o Federal Reserve (EUA) e o Banco Central Europeu, mantinham políticas monetárias relativamente restritivas, com altas taxas de juros para combater a inflação persistente. Esses bancos enfrentavam o dilema de manter as taxas de juros elevadas para provocar uma desaceleração mais rápida da economia. Esperava-se que essas taxas altas continuassem a pesar sobre o crescimento, mas já havia sinais de que o aperto monetário poderia ser suavizado ao longo de 2024, caso o processo desinflacionário persistisse. Como o maior objetivo dos bancos centrais era conter as altas expectativas de mercado, seus membros faziam declarações enfatizando a necessidade de mais dados que evidenciassem a possibilidade de cortes de juros.
Porém, o que se viu nas economias internacionais, principalmente nos EUA, foi o reaquecimento, com aumento na criação de novas vagas de emprego e salários maiores do que o esperado, o que pressionava ainda mais a inflação. Além disso, os grandes incentivos fiscais e investimentos em empresas de tecnologia atraíram investidores de todo o mundo, fortalecendo ainda mais o dólar.
Na China, os dados de atividade mostravam preocupações com a capacidade de crescimento. O PBoC (Banco Central da China) iniciou um ciclo de incentivos à economia, com cortes nos juros de curto e médio prazo e no depósito compulsório. Contudo, esses incentivos não foram suficientes.
No cenário geopolítico, a guerra na Ucrânia continuava a impactar a economia global, com efeitos diretos na cadeia de suprimentos, nos preços de energia e na insegurança política. A expectativa era de que o conflito permanecesse uma fonte significativa de incerteza para 2024, embora com menor escalada do que em 2022 e 2023.
Em julho, assistimos à tentativa de assassinato do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, o que acirrou ainda mais a corrida presidencial, favorecendo-o nas pesquisas, onde já aparecia como líder.
Com o passar do ano, divergências entre os dirigentes do Federal Reserve e as declarações de Trump sobre medidas econômicas caso fosse eleito (como aumento de tarifas de importação, redução de impostos para empresas e maior desregulação do mercado) levaram o mercado a precificar taxas de juros mais altas por um período prolongado devido à maior pressão inflacionária. Assim, a possibilidade de uma recessão nos EUA voltou a ser debatida nas reuniões econômicas.
Após todos estes acontecimentos, chegou novembro e demonstrou que “o jogo só termina quando o juiz apita”. Trump foi eleito com 312 votos no colégio eleitoral, conquistando também a maioria no Senado, com 53 senadores, e na Câmara, com 218 deputados. Nomeações como Elon Musk para o Departamento de Eficiência Governamental, Scott Bessent para a Secretaria do Tesouro, Marco Rubio como Secretário de Estado e Howard Lutnick como Secretário do Comércio sinalizam uma gestão focada em eficiência e corte de gastos no médio prazo. Contudo, no curto prazo, pode haver aumento da inflação devido à elevação de tarifas e à política imigratória.
Perspectivas para o Brasil e os Desafios Econômicos de 2024
No Brasil, 2024 começou com o mercado projetando uma inflação de 3,90%, um avanço do PIB de 1,59% e uma redução na taxa Selic para 9,00%. Inclusive, na primeira reunião do COPOM no ano, a taxa Selic foi reduzida em 0,50 ponto percentual. Contudo, incertezas sobre a desaceleração da economia dos EUA geraram dúvidas entre gestores globais sobre a possibilidade de um "hard landing, soft landing" ou mesmo um "no landing". Mesmo neste cenário, as sugestões de alocações dos ativos já apontavam uma melhor performance na classe de renda fixa e um risco maior em renda variável.
Em maio, houve a tragédia da chuva no Rio Grande do Sul, que impactou tanto o governo quanto a população. Com o objetivo de financiar a transferência de recursos para a população, que foi extremamente importante, o governo emitiu novos títulos, o que aumentou o déficit fiscal. Outro problema importante causado pelo estrago das chuvas foram os choques negativos na oferta, com todo o comércio parado, e na demanda, devido às perdas das famílias.
Concomitantemente, houve outros motivos que levaram o mercado a precificar novas expectativas de alta da taxa Selic tanto para o final de 2024 quanto para 2025, tais como: piora na dívida pública, atingindo 80% do PIB, mudança no regime de metas de inflação, aquecimento da atividade econômica e queda do desemprego.
Em novembro, o Brasil continuou tomando medidas equivocadas em relação à política fiscal. O país se encontra em um momento em que não adianta mais apenas falar “farei”, mas sim executar o corte de gastos. Para piorar, após um mês de aguardo do anúncio de um pacote de cortes de gastos, o Ministro Haddad fez um pronunciamento apresentando um pacote insuficiente para fazer efeito no déficit das contas públicas e ainda anunciou uma renúncia fiscal ao isentar o imposto de renda de todos os trabalhadores que ganham até R$ 5 mil mensais. Um ponto importante a ser observado é que, em nenhum momento deste pronunciamento, foi mencionada a redução de gastos, mas sim como se compensará um gasto através de um incremento de receita.
Após todos esses acontecimentos adicionais e até o momento da elaboração deste artigo, o Boletim Focus do BC mostrava um aumento da taxa Selic para 11,75% ao ano, PIB com crescimento de 3,22% e IPCA em 4,71%.
Para 2025, podemos esperar um mix de desafios e oportunidades. No cenário internacional, será vista a manutenção do processo desinflacionário nos EUA e na Zona do Euro.
Nos EUA, a taxa de juros poderá permanecer mais alta por mais tempo devido a alguns motivos: (i) medidas protecionistas de Trump, com o aumento nas tarifas dos produtos, principalmente oriundos da China, que devem chegar a 50%, elevando os preços devido à menor oferta; (ii) corte de impostos para empresas, o que reduzirá receitas e poderá impactar o déficit fiscal; e (iii) política de deportação de imigrantes ilegais, cuja grande maioria realiza serviços básicos. Com menos pessoas realizando esses serviços, pode haver pressão inflacionária via aumento nos salários devido à menor oferta de mão de obra.
No campo positivo, o governo republicano pretende adotar medidas para reduzir os gastos públicos. Como já mencionado, o Secretário do Tesouro nomeado, Scott Bessent, tem um plano chamado "3 x 3 x 3". Isso significa que o projeto prevê um crescimento real do PIB de 3%, reduzir o déficit fiscal para 3% (atualmente em torno de 7%) e aumentar a produção de petróleo para 3 milhões de barris por dia. O resultado disso será a manutenção de um dólar apreciado, com aumento de fluxo para investimentos. Neste ponto, isso não seria interessante para o Brasil.
Com relação à Zona do Euro, observa-se uma atividade ainda fraca, demonstrada nos resultados dos PMIs composto e industrial, que permaneceram abaixo dos 50 pontos durante quase todo o ano. Outro índice a ser acompanhado é o Sentix, que mede a confiança dos investidores na Zona do Euro, e que caiu para -17,5 pontos, o menor nível desde novembro de 2023. No caso da Alemanha, país com maior representatividade nos resultados, esses PMIs vieram fracos durante todo o ano, e a confiança dos investidores também caiu para -33,2 pontos em dezembro.
Na China, o governo local continuará com incentivos à economia, principalmente no mercado imobiliário, onde grandes incorporadoras seguem bastante endividadas. Além disso, continuam investindo muito no projeto de autossuficiência em todos os produtos que consomem, adquirindo minas de cobre no Chile e reservas de nióbio e urânio no Amazonas.
Para o Brasil, o cenário macroeconômico continuará bastante desafiador. O problema fiscal seguirá no foco das atenções, com viés de alta que pode levar a dívida pública a atingir 83% do PIB. Além disso, há uma atividade econômica aquecida e uma taxa de desemprego na mínima (6,2%), o que gera maior pressão inflacionária. Isso exigirá que o BC, sob nova diretoria, tome decisões mais contracionistas em relação à taxa de juros, com o mercado já precificando cerca de 15%. Outro ponto importantíssimo a ser monitorado é se o país não entrará em uma dominância fiscal, pois a relação dívida/PIB pode alcançar níveis tão altos que levarão a maior desconfiança dos investidores estrangeiros, os quais exigirão maior retorno (juros) nos títulos brasileiros. Dessa forma, o efeito esperado da alta dos juros, que deveria ser a queda da inflação, poderá não se concretizar.
Portanto, para o próximo ano podemos esperar um cenário desafiador no âmbito doméstico, com grande pressão inflacionária e contínua trajetória de alta na taxa Selic. No cenário internacional, as incertezas geradas pelas declarações de Donald Trump, principalmente sobre os possíveis aumentos das tarifas, podem ocasionar um choque de oferta e pressionar ainda mais a inflação.
Marco Harbich, MsC, CGA, CFP®
Founder e CEO da Gordon Multi Family Office