Não atualize o custo de aquisição do seu imóvel no IR
Entenda por que a atualização de imóveis no imposto de renda com alíquota favorecida pode não ser vantajosa
Publicado em 23 de outubro de 2024 às 06h00.
Recentemente foi publicada a Lei 14.793 de 2024, que, em seu artigo 6º, traz a possibilidade de atualizar o custo de aquisição de imóveis com uma alíquota favorecida de 4%.
A mesma legislação também permite que bens não declarados ou declarados com algum erro ou omissão sejam regularizados no imposto de renda, mediante o pagamento de imposto mais multa, que totalizam cerca de 30%.
Essa regularização (novo RERCT) abrange bens de todos os tipos, tanto no Brasil quanto no exterior, diferente do RERCT proposto em 2016, que era apenas para a regularização de bens no exterior.
Outra diferença em 2024 é que pessoas politicamente expostas (PEPs) também podem aproveitar o benefício da regularização, o que foi expressamente proibido na lei de 2016.
No entanto, apesar de vermos a regularização com bons olhos para o investidor que tem bens não declarados, este artigo focará apenas na opção de atualização de imóveis (já devidamente declarados no IR) com “desconto” no imposto de renda.
Apesar de, num primeiro momento, ter a oportunidade de pagar apenas 4% de IR, ao invés da alíquota convencional de ganho de capital (de 15% a 22,5%), parecer uma escolha óbvia e sem erro, após rodar projeções em diversos cenários, avaliando os impactos financeiros da atualização de imóveis na declaração de imposto de renda de pessoas físicas, a conclusão geral é de que a antecipação de IR não é vantajosa para o contribuinte. Acredito ser possível afirmar que a atualização do custo de aquisição em 2024 não é vantajosa em hipótese alguma, seja por motivos jurídicos, seja puramente financeiros.
Para quem apenas quer saber se vale a pena atualizar ou não, sem entrar em detalhes, pode parar por aqui e simplesmente não realizar a opção de antecipação do IR. Já para quem quer entender melhor como chegar a essa conclusão, vamos fazer um exercício prático, avaliando dados concretos com três cenários, para provar essa teoria em números.
Qual será o valor da venda do imóvel no futuro?
Antes de tudo, é necessário imaginar o valor de venda do imóvel no futuro. Como premissa, foi adotada a variação média de preços de venda de imóveis residenciais na cidade de São Paulo nos últimos 181 meses (período em que a Lei 14.793/2024 confere a maior vantagem possível para a opção da atualização).
Para o estudo, foram utilizados os dados de variação (%) em 12 meses, desde abril de 2009 até abril de 2024 (último dado disponível), o que resultou numa variação média de 9,22% ao ano nesse período.
Esse é o percentual que iremos tomar como premissa para calcular o futuro valor de alienação (venda) do imóvel candidato à atualização.
Cenário 1:
Conforme a tabela acima, o investidor que tem um imóvel declarado por R$ 200.000 no imposto de renda, e que hoje está avaliado em R$ 1.500.000, deveria pagar um imposto de R$ 52.000 para atualizar seu custo de aquisição.
Após 16 anos (dezembro de 2040), o imóvel deveria ter o valor de mercado de R$ 6.150.720,81 (bruto, devendo ser descontado IR de 15% na venda).
Descontar valor do dinheiro no tempo
De toda forma, é necessário descontar também o valor do IR pago a fim de antecipação (opção de atualização por 4%), visto que esse imposto pago tem valor no tempo e deve ser considerado.
Existem diversas formas de aplicar esse ajuste e, para fins de simplificação, este estudo optou por descontar o imposto pago do próprio valor do imóvel no momento da atualização, o que gera um “valor de mercado” em 2040 diferente para cada opção (atualizar x não atualizar).
Feitas todas as explicações quanto à metodologia, fica mais fácil avaliar o resultado financeiro da opção pela atualização simulando uma alienação apenas após o prazo em que a lei não aplicará nenhum tipo de penalidade para o contribuinte que optar pela atualização (mínimo de 181 meses).
Conforme o gráfico acima, podemos chegar a algumas conclusões.
A primeira é que, ao não atualizar, o patrimônio total do investidor é maior ao longo do tempo, pois nenhum ajuste negativo é necessário para descontar o “gasto” com a antecipação do IR para a atualização.
No entanto, conforme podemos ver no gráfico de barras, o valor total de IR a pagar (em 2040) para quem não optou pela atualização também é maior, o que acaba anulando a vantagem de maior crescimento ao longo do tempo e gerando um resultado financeiramente igual ao que teria se houvesse escolhido a opção da atualização do custo no IR.
No cenário 1, não existe vantagem pela atualização, pois ambos os cenários ficam equivalentes, com uma diferença (líquida) ao final do período de apenas R$ 13.759 (menos de 100 reais por mês).
Cenário 2
Há quem diga que, para o caso em que o proprietário de um imóvel declarou o bem por um valor muito abaixo do atual valor de mercado, a atualização seria, sem sombra de dúvidas, a melhor alternativa.
Vamos imaginar um caso extremo, e o único dado que iremos alterar em relação ao cenário 1 será o valor de mercado atual (em 2024), que, ao invés de R$ 1.500.000, será de R$ 10.000.000. (importante ressaltar que ao aplicar 9,22% de rentabilidade média anual, os valores futuros também serão alterados, mas se manterão proporcionalmente equivalentes, visto que o percentual será constante).
A dúvida que fica é: “Como fica o gráfico no final do mesmo período (2040), após feitos todos os ajustes?”. E é isso que podemos observar abaixo:
Mais uma vez, exatamente o mesmo resultado do cenário 1 se repete e, igualmente, não faz o menor sentido escolher antecipar nenhum IR hoje.
A diferença total (vantagem) pela atualização é de apenas R$ 103.720 em todo o prazo de 16 anos (média de R$ 6.500 por ano), representando só 0,25% do valor de venda projetado para 2040.
Cenário 3
Apenas para estressar o exercício, vamos voltar às premissas do cenário 1, fazendo um ajuste na rentabilidade esperada. Afinal, se o imóvel tiver uma valorização estratosférica, sem dúvida a atualização fará sentido, certo?
Vamos imaginar uma rentabilidade de 20% ao ano pelos próximos 16 anos.
Quando aplicamos 20% de rentabilidade ao ano, o valor de IR pago para a atualização em 2024 (R$ 52.000) desaparece do gráfico por conta da escala, que atinge quase 30 milhões de reais em 2040.
No terceiro cenário, acontece algo diferente em relação aos dois últimos. Desta vez, a atualização não só não vale a pena, como também gera retorno negativo para o investidor em relação à opção de não fazer nada.
Mas qual o motivo?
Ao se valer de R$ 52.000 para antecipar o imposto em 2024, se aplicarmos aquele mesmo “ajuste” mencionado no cenário 1, visto que, ao “gastar” um valor hoje, precisamos descontar esse valor, considerando o efeito que ele tem “no tempo”.
E R$ 52.000 em 16 anos, com uma rentabilidade média de 20% ao ano, é equivalente a R$ 961.398,15 (quase 1 milhão de reais).
A conclusão a que chegamos, após essas projeções, é de que a atualização não só não compensa, como também é prejudicial ao investidor. Afinal, se o imóvel for alienado antes de 36 meses, ele perde todas as vantagens da atualização, e, no caso de venda entre 37 e 180 meses, ainda assim a lei aplica “penalties” para quem se valeu da atualização. A vantagem completa só é aproveitada após 181 meses (ver artigo 8º da Lei 14.973/2024).
Motivos bônus para não atualizar
Dois elementos ainda precisam ser acrescentados.
O primeiro é o risco de liquidez a que o investidor fica exposto ao escolher a atualização. O segundo, que sequer foi considerado dentro das premissas em cada um dos cenários, é que, ao optar pela atualização, o contribuinte não tem o direito de aplicar nenhum redutor para a atualização do custo de aquisição.
Afinal, a Lei 11.196 de 2005 permite que sejam aplicados percentuais de redução no cálculo do ganho de capital, como forma de descontar parte dos efeitos da inflação na valorização do imóvel.
Se considerarmos esse dado, imaginando que um imóvel tenha sido adquirido, por exemplo, em 20/02/2001 por R$ 200.000 e fosse vendido (e não atualizado) pelos mesmos R$ 1.500.000 em 23/09/2024, a base de cálculo do imposto não seria o valor de venda menos o valor declarado.
Deveria ser ainda descontado o redutor* total de R$ 882.810,55, o que geraria uma base de cálculo de R$ 417.189,45 a ser tributada, resultando em um IR (caso o investidor vendesse o imóvel agora) de R$ 62.578,41.
E é aqui que está outra pegadinha (de várias) que apenas uma leitura e estudo atento podem trazer. Mas será que a maior parte das pessoas está avaliando com cuidado esses pontos?
*Redutores FR1 e FR2 previstos no artigo 40 da Lei 11.196/05.
Autor: Willian Savio, advogado na Avere Partners
Recentemente foi publicada a Lei 14.793 de 2024, que, em seu artigo 6º, traz a possibilidade de atualizar o custo de aquisição de imóveis com uma alíquota favorecida de 4%.
A mesma legislação também permite que bens não declarados ou declarados com algum erro ou omissão sejam regularizados no imposto de renda, mediante o pagamento de imposto mais multa, que totalizam cerca de 30%.
Essa regularização (novo RERCT) abrange bens de todos os tipos, tanto no Brasil quanto no exterior, diferente do RERCT proposto em 2016, que era apenas para a regularização de bens no exterior.
Outra diferença em 2024 é que pessoas politicamente expostas (PEPs) também podem aproveitar o benefício da regularização, o que foi expressamente proibido na lei de 2016.
No entanto, apesar de vermos a regularização com bons olhos para o investidor que tem bens não declarados, este artigo focará apenas na opção de atualização de imóveis (já devidamente declarados no IR) com “desconto” no imposto de renda.
Apesar de, num primeiro momento, ter a oportunidade de pagar apenas 4% de IR, ao invés da alíquota convencional de ganho de capital (de 15% a 22,5%), parecer uma escolha óbvia e sem erro, após rodar projeções em diversos cenários, avaliando os impactos financeiros da atualização de imóveis na declaração de imposto de renda de pessoas físicas, a conclusão geral é de que a antecipação de IR não é vantajosa para o contribuinte. Acredito ser possível afirmar que a atualização do custo de aquisição em 2024 não é vantajosa em hipótese alguma, seja por motivos jurídicos, seja puramente financeiros.
Para quem apenas quer saber se vale a pena atualizar ou não, sem entrar em detalhes, pode parar por aqui e simplesmente não realizar a opção de antecipação do IR. Já para quem quer entender melhor como chegar a essa conclusão, vamos fazer um exercício prático, avaliando dados concretos com três cenários, para provar essa teoria em números.
Qual será o valor da venda do imóvel no futuro?
Antes de tudo, é necessário imaginar o valor de venda do imóvel no futuro. Como premissa, foi adotada a variação média de preços de venda de imóveis residenciais na cidade de São Paulo nos últimos 181 meses (período em que a Lei 14.793/2024 confere a maior vantagem possível para a opção da atualização).
Para o estudo, foram utilizados os dados de variação (%) em 12 meses, desde abril de 2009 até abril de 2024 (último dado disponível), o que resultou numa variação média de 9,22% ao ano nesse período.
Esse é o percentual que iremos tomar como premissa para calcular o futuro valor de alienação (venda) do imóvel candidato à atualização.
Cenário 1:
Conforme a tabela acima, o investidor que tem um imóvel declarado por R$ 200.000 no imposto de renda, e que hoje está avaliado em R$ 1.500.000, deveria pagar um imposto de R$ 52.000 para atualizar seu custo de aquisição.
Após 16 anos (dezembro de 2040), o imóvel deveria ter o valor de mercado de R$ 6.150.720,81 (bruto, devendo ser descontado IR de 15% na venda).
Descontar valor do dinheiro no tempo
De toda forma, é necessário descontar também o valor do IR pago a fim de antecipação (opção de atualização por 4%), visto que esse imposto pago tem valor no tempo e deve ser considerado.
Existem diversas formas de aplicar esse ajuste e, para fins de simplificação, este estudo optou por descontar o imposto pago do próprio valor do imóvel no momento da atualização, o que gera um “valor de mercado” em 2040 diferente para cada opção (atualizar x não atualizar).
Feitas todas as explicações quanto à metodologia, fica mais fácil avaliar o resultado financeiro da opção pela atualização simulando uma alienação apenas após o prazo em que a lei não aplicará nenhum tipo de penalidade para o contribuinte que optar pela atualização (mínimo de 181 meses).
Conforme o gráfico acima, podemos chegar a algumas conclusões.
A primeira é que, ao não atualizar, o patrimônio total do investidor é maior ao longo do tempo, pois nenhum ajuste negativo é necessário para descontar o “gasto” com a antecipação do IR para a atualização.
No entanto, conforme podemos ver no gráfico de barras, o valor total de IR a pagar (em 2040) para quem não optou pela atualização também é maior, o que acaba anulando a vantagem de maior crescimento ao longo do tempo e gerando um resultado financeiramente igual ao que teria se houvesse escolhido a opção da atualização do custo no IR.
No cenário 1, não existe vantagem pela atualização, pois ambos os cenários ficam equivalentes, com uma diferença (líquida) ao final do período de apenas R$ 13.759 (menos de 100 reais por mês).
Cenário 2
Há quem diga que, para o caso em que o proprietário de um imóvel declarou o bem por um valor muito abaixo do atual valor de mercado, a atualização seria, sem sombra de dúvidas, a melhor alternativa.
Vamos imaginar um caso extremo, e o único dado que iremos alterar em relação ao cenário 1 será o valor de mercado atual (em 2024), que, ao invés de R$ 1.500.000, será de R$ 10.000.000. (importante ressaltar que ao aplicar 9,22% de rentabilidade média anual, os valores futuros também serão alterados, mas se manterão proporcionalmente equivalentes, visto que o percentual será constante).
A dúvida que fica é: “Como fica o gráfico no final do mesmo período (2040), após feitos todos os ajustes?”. E é isso que podemos observar abaixo:
Mais uma vez, exatamente o mesmo resultado do cenário 1 se repete e, igualmente, não faz o menor sentido escolher antecipar nenhum IR hoje.
A diferença total (vantagem) pela atualização é de apenas R$ 103.720 em todo o prazo de 16 anos (média de R$ 6.500 por ano), representando só 0,25% do valor de venda projetado para 2040.
Cenário 3
Apenas para estressar o exercício, vamos voltar às premissas do cenário 1, fazendo um ajuste na rentabilidade esperada. Afinal, se o imóvel tiver uma valorização estratosférica, sem dúvida a atualização fará sentido, certo?
Vamos imaginar uma rentabilidade de 20% ao ano pelos próximos 16 anos.
Quando aplicamos 20% de rentabilidade ao ano, o valor de IR pago para a atualização em 2024 (R$ 52.000) desaparece do gráfico por conta da escala, que atinge quase 30 milhões de reais em 2040.
No terceiro cenário, acontece algo diferente em relação aos dois últimos. Desta vez, a atualização não só não vale a pena, como também gera retorno negativo para o investidor em relação à opção de não fazer nada.
Mas qual o motivo?
Ao se valer de R$ 52.000 para antecipar o imposto em 2024, se aplicarmos aquele mesmo “ajuste” mencionado no cenário 1, visto que, ao “gastar” um valor hoje, precisamos descontar esse valor, considerando o efeito que ele tem “no tempo”.
E R$ 52.000 em 16 anos, com uma rentabilidade média de 20% ao ano, é equivalente a R$ 961.398,15 (quase 1 milhão de reais).
A conclusão a que chegamos, após essas projeções, é de que a atualização não só não compensa, como também é prejudicial ao investidor. Afinal, se o imóvel for alienado antes de 36 meses, ele perde todas as vantagens da atualização, e, no caso de venda entre 37 e 180 meses, ainda assim a lei aplica “penalties” para quem se valeu da atualização. A vantagem completa só é aproveitada após 181 meses (ver artigo 8º da Lei 14.973/2024).
Motivos bônus para não atualizar
Dois elementos ainda precisam ser acrescentados.
O primeiro é o risco de liquidez a que o investidor fica exposto ao escolher a atualização. O segundo, que sequer foi considerado dentro das premissas em cada um dos cenários, é que, ao optar pela atualização, o contribuinte não tem o direito de aplicar nenhum redutor para a atualização do custo de aquisição.
Afinal, a Lei 11.196 de 2005 permite que sejam aplicados percentuais de redução no cálculo do ganho de capital, como forma de descontar parte dos efeitos da inflação na valorização do imóvel.
Se considerarmos esse dado, imaginando que um imóvel tenha sido adquirido, por exemplo, em 20/02/2001 por R$ 200.000 e fosse vendido (e não atualizado) pelos mesmos R$ 1.500.000 em 23/09/2024, a base de cálculo do imposto não seria o valor de venda menos o valor declarado.
Deveria ser ainda descontado o redutor* total de R$ 882.810,55, o que geraria uma base de cálculo de R$ 417.189,45 a ser tributada, resultando em um IR (caso o investidor vendesse o imóvel agora) de R$ 62.578,41.
E é aqui que está outra pegadinha (de várias) que apenas uma leitura e estudo atento podem trazer. Mas será que a maior parte das pessoas está avaliando com cuidado esses pontos?
*Redutores FR1 e FR2 previstos no artigo 40 da Lei 11.196/05.
Autor: Willian Savio, advogado na Avere Partners