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Investindo em ações: preço, valor e paciência 

Estratégias para investir com inteligência e paciência no mercado de ações 

Diversificar a carteira com ativos mais voláteis, como ações, não é necessário para todos os investidores.




 (	Jackyenjoyphotography/Getty Images)

Diversificar a carteira com ativos mais voláteis, como ações, não é necessário para todos os investidores. ( Jackyenjoyphotography/Getty Images)

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Panorama Econômico

Panorama Econômico

Publicado em 5 de março de 2025 às 20h46.

Sem receio de falar o óbvio, começo este artigo lembrando que investir em ações é investir em empresas. Assim, quem compra uma ação compra uma pequena parte de um negócio que, por trás do ticker (código de negociação das ações na bolsa de valores), é formado por empregados, infraestrutura, máquinas, produtos, serviços, marca, tecnologia, entre outros fatores de produção necessários para as operações. Contudo, diferentemente de um negócio ilíquido, como uma empresa de capital fechado, as ações de uma empresa de capital aberto podem ser negociadas a qualquer momento. 

Essa liquidez, que pode ser entendida como a facilidade de negociação, resulta em cotações diferentes a cada segundo de um pregão na bolsa de valores. A oscilação de preços causa desconforto em grande parte dos investidores, por acreditarem que estão ficando mais ricos ou mais pobres a cada segundo. Assim, a possibilidade de negociar as ações diariamente e a oscilação de preços levam muitos investidores a cair na tentação de acreditar que podem acertar para que direção o preço está indo, levando-os a negociar as ações em operações de curto prazo (alguns meses, dias ou, até mesmo, horas ou minutos). 

Você conhece empresários que vendem suas empresas poucos dias após as fundarem ou comprarem de outro empresário? Ou você conhece fazendeiros que compram áreas de terra hoje e tentam negociá-las nos próximos dias ou semanas? Se isso não parece fazer sentido, por que faria sentido para um investidor que compra participações de empresas na bolsa de valores? 

O investimento em participações de empresas, por definição, não é um investimento de curto prazo. O investidor em ações deve esperar o retorno do seu investimento a partir da apreciação do capital e do recebimento de proventos. A apreciação do capital pode ser resultado de dois fatores. O primeiro é o aumento do valor intrínseco do ativo, ou seja, a empresa passou a valer mais, seja devido a investimentos bem-sucedidos, crescimento do negócio, inovações, gestão, entre outros motivos. O segundo fator que pode levar à apreciação do capital é a mudança de múltiplos de negociação da empresa, ou seja, o mercado passa a pagar mais caro pelas ações da empresa, independentemente do quanto elas valem. Isso pode acontecer devido à melhora nas perspectivas para a empresa, redução de incertezas, mudanças macroeconômicas, correção de distorções, entre outros fatores. 

Considere, como exemplo, dois cenários para uma empresa que tenha um patrimônio líquido (diferença entre ativos e passivos) de R$ 1,0 bilhão e que, após 3 anos reinvestindo uma parte dos resultados e crescendo, tenha um patrimônio líquido de R$ 1,5 bilhão. 

No primeiro cenário, no momento zero essa empresa seria negociada por 80,0% do patrimônio líquido, ou seja, um múltiplo preço/patrimônio líquido de 0,80. Após o terceiro ano, o múltiplo estaria sendo negociado a 1,4 vez. Isso levaria o market cap (preço de mercado das ações da empresa), de R$ 800,0 milhões no primeiro ano para R$ 2,1 bilhões no terceiro, ou seja, uma alta de 162,5%. 

Por outro lado, no segundo cenário, considere que o múltiplo preço/patrimônio líquido estivesse sendo negociado, inicialmente, por 1,5 vez, levemente acima do múltiplo do terceiro ano. Neste caso, o market cap sairia de R$ 1,5 bilhão para R$ 2,1 bilhões, ou seja, uma alta de 40,0%, bem menos expressiva do que no primeiro cenário. 

Note que a empresa é a mesma; a nossa variável aqui foi o preço pago pelo investidor. Esse exemplo ilustra a importância de pagar barato ao investir. 

Além disso, os proventos não foram considerados no exemplo. Atualmente, com um claro bear market (mercado de baixa) na bolsa de valores brasileira, é fácil encontrar empresas com um dividend yield (razão entre os proventos pagos e o preço de mercado) de 8,0% a.a., 10,0% a.a. ou até mais. Não estou falando de pequenas empresas desconhecidas, estou falando de algumas das maiores empresas do Brasil. 

O melhor dos mundos para o investidor seria comprar ações de boas empresas, pagando barato e mantendo-as, reinvestindo os proventos por um longo tempo, até que o mercado decida pagar muito caro por elas ou até que surjam sinais de deterioração no negócio. 

Mas se todos querem isso, como o investidor conseguirá comprar boas empresas, pagando barato? Em geral, isso pode acontecer quando as notícias são ruins, seja para a empresa, para o segmento da empresa ou para a economia como um todo. Notícias e perspectivas ruins resultam em bons preços para os compradores. Boas notícias e perspectivas favoráveis resultam em preços mais elevados. Assim, o investidor conseguirá “comprar bem” apenas quando existirem incertezas em relação ao ativo ou ao mercado.  

Isso pode parecer fácil, mas não é. A implicação da adoção dessa estratégia é que o investidor deverá ir contra a manada. Não é fácil adotar uma abordagem contrarian, contudo, fica mais fácil quando o investidor mantém o foco no valor das empresas e aprende o conceito da margem de segurança de Benjamim Graham. A margem de segurança em investimentos pode ser resumida em pagar por um ativo um preço abaixo do que ele vale. Isso contribui para o sucesso do investidor de algumas formas. Uma delas é de fato pagar um preço barato por um bom ativo, o que pode impactar positivamente o desempenho futuro do investimento. Outra é ter uma margem de erro em relação ao valor estimado para o ativo, pois a avaliação pode estar otimista demais e não refletir o valor intrínseco do ativo. A margem de segurança evita grandes erros. Além disso, a margem de segurança ajuda a reduzir o risco caso um cenário inesperado aconteça, como uma crise econômica.  

O que pode ajudar o investidor a se sentir mais confiante nas suas decisões é o processo de análise para escolha dos ativos. A avaliação e tomada de decisão de investimento deve começar pelos fundamentos do ativo, não pelo seu preço. O investidor deve começar entendendo o que a empresa faz, sua governança, seus diferenciais competitivos, seus riscos, seu mercado de atuação e os seus fundamentos econômico-financeiros. O histórico de desempenho econômico-financeiro é mais importante do que o desempenho do preço das ações na bolsa de valores. Apenas após uma estimativa sobre o valor do ativo é que o investidor deve se ater ao preço de mercado. No fim do dia é para isso que o preço de mercado deve servir, para que o investidor tome decisões de compra ou venda, baseado na relação entre preço e valor estimado do ativo.  

Agora, é fundamental que o investidor tenha ciência de que o preço de mercado pode demorar um certo tempo para convergir ao valor estimado. Esse tempo pode ser meses (com sorte), alguns anos ou vários anos. O fato de um ativo demorar para convergir ao valor estimado não significa um erro na tomada de decisão. A paciência e o tempo são aliados do investidor de valor. Entenda o investimento em ações mais como uma maratona do que uma corrida de 100 metros. Contudo, claro, o investidor sempre pode estar errado em suas avaliações e teses de investimento. Buy and hold não significa comprar e esquecer, mas acompanhar e manter posição naqueles ativos que fazem sentido e que agreguem valor para o portfólio. Quando o investidor estiver errado na tese de investimento, realocações deverão ser feitas e a margem de segurança ajudará a amortecer a queda.  

Autor: Jorge Ferreira, economista, CFA charterholder e mestre em Ciências Contábeis, é sócio fundador da Ostrya Investimentos e Ostrya Capital, além de professor de economia, finanças e gestão em cursos de graduação, MBA e Mestrado na Unisinos.  

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