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Nana Baffour: “Acusar Magalu de ‘racismo reverso’ é banalizar escravidão”

Um dos poucos CEOs negros no Brasil, ganês radicado no país escreve sobre o novo programa de estágios da varejista

Escultura ligada a protestos do movimento Black Lives Matter (Rebecca Naden/Reuters)
DS

Daniel Salles

Publicado em 5 de outubro de 2020 às 09h44.

Última atualização em 5 de outubro de 2020 às 10h47.

Na semana passada, o Citibank, uma instituição financeira global, adicionou seu peso e voz ao debate sobre o racismo estrutural, anunciando duas significantes iniciativas no tema da diversidade racial. A primeira delas, de natureza educacional, na publicação do relatório “Closing the Racial Inequality Gap”. O documento, emitido através do Citi GPS (Perspectivas e Soluções Globais), argumenta que “se os Estados Unidos tivessem encerrado o gap/lacuna racial para os norte-americanos negros em relação a salários, educação, habitação e investimentos há 20 anos, então 16 trilhões de dólares poderiam ter sido acrescentados à economia”. O Estudo afirma também que se estas lacunas fossem fechadas hoje, 5 trilhões de dólares poderiam ser acrescentados à economia, nos próximos cinco anos.

A segunda iniciativa – uma colaboração entre o Citi e a Fundação Citi – anunciou cerca de 1 bilhão de dólares americanos em iniciativas estratégicas para os próximos 3 anos, para reduzir a desigualdade racial nos Estados Unidos. Além da pesquisa do Citi e o investimento de 1 bilhão de dólares da empresa, há ações concretas sendo feitas por outras companhias como Paypal, Mastercard, Google, Netflix, etc. As grandes corporações globais estão, portanto, buscando ações em relação à igualdade racial na economia.

Considerando que as pessoas de descendência africana representam cerca de 13% da população dos Estados Unidos apenas, em comparação com cerca de mais de 50% da população no Brasil, as notícias do Citi me fizeram pensar em qual impacto potencial haveria sobre o crescimento econômico brasileiro, caso também diminuíssemos a desigualdade racial no Brasil.

Como um orgulhoso residente brasileiro nascido em Gana (além de afro-americano) e um dos poucos CEOs negros no Brasil (sou CEO & Chief Culture Officer da Qintess, uma das 10 maiores empesas de tecnologia do país), eu me sinto motivado a opinar sobre o atual debate relacionado ao programa de estágios da Magalu. Eu acredito que acusar a Magalu, ou qualquer outra empresa de “racismo reverso” por ações endereçadas à desigualdade racial, banaliza 400 anos de escravidão e cerca de 150 anos de exclusão das pessoas de descendência africana, em todos os aspectos-chave do poder civil e econômico no Brasil.

Iniciativas como esta são uma gota no oceano que ainda nos cerca, mas representam um começo importante neste movimento de mudança. Em minha opinião, há três áreas-chave em que precisam de ações significativas vindas da comunidade corporativa brasileira:

Primeiro, nós deveríamos trazer mais diversidade e líderes de descendência africana para os conselhos de administração e posições executivas. Pesquisas têm mostrado que apenas ao mudarmos a diversidade daqueles em posições de liderança é que verdadeiramente poderemos iniciar uma conversa honesta sobre igualdade racial.

O segundo ponto se refere ao conceito de “Diversidade de Fornecedores”. Assunto novo e ainda pouco explorado por aqui, trata-se de um ponto de partida fundamental para o debate sobre diversidade no meio empresarial. Os CEOs brasileiros precisam se perguntar sobre sua cadeia de suprimentos e como eles poderiam usar o seu gasto econômico para facilitar o empreendedorismo negro, por exemplo. De acordo com uma pesquisa recente da Harvard Business Review, “a estratégia inclusiva de compras alarga a cadeia de potenciais fornecedores e promove a competição na base do fornecimento, o que pode melhorar a qualidade do produto e reduz custos. E ao fornecer mais opções de abastecimento, a inclusão pode tornar as cadeias de fornecimento mais resilientes e ágeis – uma vantagem cada vez mais importante nestes tempos incertos.”

Nana Baffour: CEO e Chef Culture Officer da Qintess (Divulgação)

Muito do progresso que foi feito nos últimos 50 anos no crescimento e empoderamento econômico negro nos Estados Unidos aconteceu porque empresas como a GM, UPS e os grandes bancos de Wall Street, entre outras corporações, firmaram um compromisso para dedicarem parte de seus gastos com fornecedores em empresas de propriedade de pessoas de descendência africana, mulheres, pessoas com deficiências, nativos americanos e outros grupos menos privilegiados. Na Qintess, além do nosso compromisso de financiar startups de tecnologia de fundadores negros, estamos trabalhando para dedicar entre 10% e 15% do nosso gasto com fornecedores com empresas pertencentes a afro-brasileiros, mulheres e outros grupos sub-representados.

O terceiro ponto se refere à alocação de capital. Dos 16 trilhões de dólares americanos que o Citi identificou como sendo possíveis de terem sido adicionados ao PIB dos Estados Unidos nos últimos 20 anos, caso fossem endereçados à desigualdade racial, mais de 13 trilhões (ou cerca de 80%) teriam sido o resultado das decisões de alocação de capital no formato de investimentos ou através de empréstimos a negócios pertencentes a negros e empreendedores negros. Imagine se bancos e investidores institucionais no Brasil começarem a examinar suas práticas de investimento e empréstimo, visando às desigualdades estruturais baseadas por conta do racismo que atualmente existe e está inibindo o empreendedorismo negro? Qual percentual de crescimento poderia ser adicionado ao PIB brasileiro?

O Brasil ainda enfrenta muitos desafios para acelerar seu crescimento econômico e eu acredito que uma das alavancas mais poderosas é o investimento na criatividade e no empreendedorismo de seu povo. Adotar a inclusão econômica da grande população negra, que representa cerca de 50% da população e cerca de 80% da classe C, pode ser a estratégia mais fácil e eficiente de gerar renda no Brasil.

Para finalizar, convido toda comunidade corporativa do Brasil para que se juntem a mim e à Qintess para trabalharmos em prol de mais inclusão nos níveis de conselho e executivos, diversidade de fornecedores e alocação de capital para empreendedores afro-brasileiros e empresas fundadas por populações historicamente marginalizadas. Não há dúvidas de que juntos podemos mudar o Brasil.

Nana Baffour é CEO e Chef Culture Officer da Qintess, uma empresa de tecnologia obcecada por inovação, baseada nas cidades de São Paulo e Nova York.

 

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Na semana passada, o Citibank, uma instituição financeira global, adicionou seu peso e voz ao debate sobre o racismo estrutural, anunciando duas significantes iniciativas no tema da diversidade racial. A primeira delas, de natureza educacional, na publicação do relatório “Closing the Racial Inequality Gap”. O documento, emitido através do Citi GPS (Perspectivas e Soluções Globais), argumenta que “se os Estados Unidos tivessem encerrado o gap/lacuna racial para os norte-americanos negros em relação a salários, educação, habitação e investimentos há 20 anos, então 16 trilhões de dólares poderiam ter sido acrescentados à economia”. O Estudo afirma também que se estas lacunas fossem fechadas hoje, 5 trilhões de dólares poderiam ser acrescentados à economia, nos próximos cinco anos.

A segunda iniciativa – uma colaboração entre o Citi e a Fundação Citi – anunciou cerca de 1 bilhão de dólares americanos em iniciativas estratégicas para os próximos 3 anos, para reduzir a desigualdade racial nos Estados Unidos. Além da pesquisa do Citi e o investimento de 1 bilhão de dólares da empresa, há ações concretas sendo feitas por outras companhias como Paypal, Mastercard, Google, Netflix, etc. As grandes corporações globais estão, portanto, buscando ações em relação à igualdade racial na economia.

Considerando que as pessoas de descendência africana representam cerca de 13% da população dos Estados Unidos apenas, em comparação com cerca de mais de 50% da população no Brasil, as notícias do Citi me fizeram pensar em qual impacto potencial haveria sobre o crescimento econômico brasileiro, caso também diminuíssemos a desigualdade racial no Brasil.

Como um orgulhoso residente brasileiro nascido em Gana (além de afro-americano) e um dos poucos CEOs negros no Brasil (sou CEO & Chief Culture Officer da Qintess, uma das 10 maiores empesas de tecnologia do país), eu me sinto motivado a opinar sobre o atual debate relacionado ao programa de estágios da Magalu. Eu acredito que acusar a Magalu, ou qualquer outra empresa de “racismo reverso” por ações endereçadas à desigualdade racial, banaliza 400 anos de escravidão e cerca de 150 anos de exclusão das pessoas de descendência africana, em todos os aspectos-chave do poder civil e econômico no Brasil.

Iniciativas como esta são uma gota no oceano que ainda nos cerca, mas representam um começo importante neste movimento de mudança. Em minha opinião, há três áreas-chave em que precisam de ações significativas vindas da comunidade corporativa brasileira:

Primeiro, nós deveríamos trazer mais diversidade e líderes de descendência africana para os conselhos de administração e posições executivas. Pesquisas têm mostrado que apenas ao mudarmos a diversidade daqueles em posições de liderança é que verdadeiramente poderemos iniciar uma conversa honesta sobre igualdade racial.

O segundo ponto se refere ao conceito de “Diversidade de Fornecedores”. Assunto novo e ainda pouco explorado por aqui, trata-se de um ponto de partida fundamental para o debate sobre diversidade no meio empresarial. Os CEOs brasileiros precisam se perguntar sobre sua cadeia de suprimentos e como eles poderiam usar o seu gasto econômico para facilitar o empreendedorismo negro, por exemplo. De acordo com uma pesquisa recente da Harvard Business Review, “a estratégia inclusiva de compras alarga a cadeia de potenciais fornecedores e promove a competição na base do fornecimento, o que pode melhorar a qualidade do produto e reduz custos. E ao fornecer mais opções de abastecimento, a inclusão pode tornar as cadeias de fornecimento mais resilientes e ágeis – uma vantagem cada vez mais importante nestes tempos incertos.”

Nana Baffour: CEO e Chef Culture Officer da Qintess (Divulgação)

Muito do progresso que foi feito nos últimos 50 anos no crescimento e empoderamento econômico negro nos Estados Unidos aconteceu porque empresas como a GM, UPS e os grandes bancos de Wall Street, entre outras corporações, firmaram um compromisso para dedicarem parte de seus gastos com fornecedores em empresas de propriedade de pessoas de descendência africana, mulheres, pessoas com deficiências, nativos americanos e outros grupos menos privilegiados. Na Qintess, além do nosso compromisso de financiar startups de tecnologia de fundadores negros, estamos trabalhando para dedicar entre 10% e 15% do nosso gasto com fornecedores com empresas pertencentes a afro-brasileiros, mulheres e outros grupos sub-representados.

O terceiro ponto se refere à alocação de capital. Dos 16 trilhões de dólares americanos que o Citi identificou como sendo possíveis de terem sido adicionados ao PIB dos Estados Unidos nos últimos 20 anos, caso fossem endereçados à desigualdade racial, mais de 13 trilhões (ou cerca de 80%) teriam sido o resultado das decisões de alocação de capital no formato de investimentos ou através de empréstimos a negócios pertencentes a negros e empreendedores negros. Imagine se bancos e investidores institucionais no Brasil começarem a examinar suas práticas de investimento e empréstimo, visando às desigualdades estruturais baseadas por conta do racismo que atualmente existe e está inibindo o empreendedorismo negro? Qual percentual de crescimento poderia ser adicionado ao PIB brasileiro?

O Brasil ainda enfrenta muitos desafios para acelerar seu crescimento econômico e eu acredito que uma das alavancas mais poderosas é o investimento na criatividade e no empreendedorismo de seu povo. Adotar a inclusão econômica da grande população negra, que representa cerca de 50% da população e cerca de 80% da classe C, pode ser a estratégia mais fácil e eficiente de gerar renda no Brasil.

Para finalizar, convido toda comunidade corporativa do Brasil para que se juntem a mim e à Qintess para trabalharmos em prol de mais inclusão nos níveis de conselho e executivos, diversidade de fornecedores e alocação de capital para empreendedores afro-brasileiros e empresas fundadas por populações historicamente marginalizadas. Não há dúvidas de que juntos podemos mudar o Brasil.

Nana Baffour é CEO e Chef Culture Officer da Qintess, uma empresa de tecnologia obcecada por inovação, baseada nas cidades de São Paulo e Nova York.

 

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