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Definir o Fator R e Esperar pela Vacina

Em virtude dos custos astronômicos para “achatar a curva” das infecções pela covid-19, os governantes estão sob crescente pressão para “reabrir a economia”

Itália o país conseguiu controlar a proliferação do vírus após medidas de isolamento (Remo Casilli/Reuters)
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beatrizcorreia

Publicado em 28 de abril de 2020 às 15h35.

Última atualização em 28 de abril de 2020 às 15h37.

Muitos países estão hoje em regime de isolamento para diminuir a taxa de crescimento de casos e mortes de COVID-19 . Em virtude dos custos astronômicos de tais esforços para "achatar a curva" das infecções por COVID-19, os governantes estão sob crescente pressão para "reabrir a economia". Mas como podem fazer isso com segurança?

Uma vez que em média, demora 5,2 dias entre infecção e início dos sintomas e 13 dias entre início e morte, se o isolamento evitar novas infecções, em três semanas o número de novos casos e mortes deverá cair para zero. De acordo com esse padrão, o processo real tem sido surpreendentemente lento.

A Itália , por exemplo, impôs um rígido bloqueio em 9 de março, dia em que as autoridades confirmaram 1.797 novos casos e 97 novas mortes. Em 18 de abril, os números eram respectivamente 3.491 e 482. Os italianos estão morrendo a uma taxa quatro vezes maior do que antes do isolamento.

E, no entanto, alguns, incluindo o presidente dos EUA, Donald Trump, acreditam que é hora de afrouxar as restrições. Se a curva epidêmica é um U invertido e já atingimos um pico, o pior ficou para trás, certo?

Errado. E esse erro pode custar dezenas de milhares de vidas (se não muitas mais) e levar a uma recessão mais longa em forma de W.

Conhecemos o suficiente sobre a "matemática" das epidemias para saber quando devemos esperar o pico do surto em um determinado local.

O crescimento exponencial ocorre se o número de pessoas suscetíveis infectadas por cada pessoa infectada for superior a um.

Esse número é igual ao fator R: o número de indivíduos para quem cada pessoa infectada transmite o vírus multiplicado pela probabilidade de que a pessoa que recebe a carga viral seja suscetível.

O fator R pré-isolamento, na maioria dos países estava mais próximo de três do que de dois. Confinamentos reduziram o fator R; abaixo de um, o número de casos e mortes diminui. Portanto, o pico que vimos é aquele associado ao baixo fator R de isolamento, não ao fator R do pós-isolamento, que, sem controle, seria muito maior. Um pico está bem à nossa frente e seu tamanho dependerá do que faremos a seguir.

Dada a velocidade de contágio do coronavírus, a única maneira de superar a pandemia é que 80-90% da população possua imunidade. Na verdade, esse número não é sensível demais ao fator R. Existem duas maneiras de se adquirir imunidade: adoecer ou ser vacinado.

Sem uma vacina, o pico da pandemia ocorre quando uma proporção de 1/R da população ainda não foi exposta. Assim, um fator R de 1,5, dois e três implica que o pico ocorre quando, respectivamente, 33,3%, 50% e 66,7% da população já foram expostos.

Quão perto estamos desses números? O cálculo não é simples, mas na verdade estamos muito longe, mesmo nas áreas mais afetadas. O problema é que não podemos confiar no número oficial de casos, porque poucos dos que foram expostos à doença foram testados. Por exemplo, dividir o número de casos confirmados na Itália pela população do país gera apenas 0,27%.

Uma maneira de estimar um limite superior do número de pessoas expostas é assumir uma taxa de mortalidade otimista e a partir daí tentar inferir o número de pessoas expostas o número real de mortes.

Se assumirmos como otimista uma taxa de mortalidade de apenas 0,2%  em vez de 0,3-3%, como outros têm estimado, no máximo 16,6% dos italianos e 22,5% dos nova-iorquinos foram expostos.

Abrir a economia significa permitir mais interação humana e, portanto, maior potencial para novas infecções. Dois números são importantes para decidir se isso pode em breve ser feito com segurança: o fator R pós-bloqueio que resulta das medidas de flexibilização e a porcentagem de pessoas que já foram expostas.

O fator R é a variável que os governos tentam influenciar por meio de políticas de distanciamento social e outros comportamentos recomendados, e pode ser “revisto" diariamente, observando-se a taxa de crescimento diária de casos e mortes.

Um fator R de dois geraria um pico no final do verão que faria a Lombardia e Nova York parecerem uma suave inclinação. A escala de morte e caos seria politicamente inaceitável, especialmente depois de tanto esforço ter sido investido no isolamento.

Um fator R de 1,5 geraria um pico mais raso, mas ainda esmagador, entre novembro e fevereiro, que traria muitos meses difíceis ​​depois dele. Qualquer fator R superior a um acabará por sobrecarregar a maioria dos sistemas de saúde.

Uma estratégia alternativa é que os governos tenham como alvo um determinado fator R, tomando-se emprestada a estrutura da meta de inflação dos bancos centrais. Primeiro, precisamos estabelecer metodologias claras e robustas para agora divulgar o fator R todos os dias. Depois vem a questão de escolher o alvo.

A diferença epidemiológica entre um fator R de um e 1,5 é enorme: provavelmente uma diferença no número de mortes de um fator de 50. A diferença do PIB é difícil de estimar, porque é difícil projetar o comportamento das pessoas em meio a pandemônio induzido de 1,5. Pode ser pior que o fator R<1.

Além disso, um fator R de 1,5 colocaria o pico não muito longe de quando seja razoável esperar que uma vacina apareça. Dadas as escalas de tempo envolvidas, faz sentido almejar um fator R que seja de um ou menos que isso e esperar que a vacina forneça imunidade à população.

Devido ao período médio de incubação antes do início dos sintomas, as consequências das medidas direcionadas ao fator R serão visíveis apenas durante a semana subsequente. Portanto, a estratégia de abertura deve ser gradual, adotando-se algumas decisões a cada duas semanas, a fim de aprender com seu impacto. Quanto menos alterações simultâneas, mais fácil será o aprendizado.

Uma vacina é uma questão muito importante para ser entendida como um evento exógeno que é deixado para especialistas ou para a FDA (Food and Drug Administration) dos EUA. Muitas vidas e pontos do PIB estão em jogo.

Os países devem estar negociando com as empresas agora e estar dispostos a participar de ensaios clínicos em troca de acesso à vacina. Formas inovadoras de teste acelerado já deveriam estar prontas. E os países deveriam estar preparando toda a produção, embalagem e logística necessária para vacinação em massa.

O fator R>1 leva a um número exorbitante de mortes e a ciclos de negócios de para e anda. A definição do fator R até a chegada da vacina parece mais sensata e humana, porque salvaria vidas e pouparia a economia.

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Muitos países estão hoje em regime de isolamento para diminuir a taxa de crescimento de casos e mortes de COVID-19 . Em virtude dos custos astronômicos de tais esforços para "achatar a curva" das infecções por COVID-19, os governantes estão sob crescente pressão para "reabrir a economia". Mas como podem fazer isso com segurança?

Uma vez que em média, demora 5,2 dias entre infecção e início dos sintomas e 13 dias entre início e morte, se o isolamento evitar novas infecções, em três semanas o número de novos casos e mortes deverá cair para zero. De acordo com esse padrão, o processo real tem sido surpreendentemente lento.

A Itália , por exemplo, impôs um rígido bloqueio em 9 de março, dia em que as autoridades confirmaram 1.797 novos casos e 97 novas mortes. Em 18 de abril, os números eram respectivamente 3.491 e 482. Os italianos estão morrendo a uma taxa quatro vezes maior do que antes do isolamento.

E, no entanto, alguns, incluindo o presidente dos EUA, Donald Trump, acreditam que é hora de afrouxar as restrições. Se a curva epidêmica é um U invertido e já atingimos um pico, o pior ficou para trás, certo?

Errado. E esse erro pode custar dezenas de milhares de vidas (se não muitas mais) e levar a uma recessão mais longa em forma de W.

Conhecemos o suficiente sobre a "matemática" das epidemias para saber quando devemos esperar o pico do surto em um determinado local.

O crescimento exponencial ocorre se o número de pessoas suscetíveis infectadas por cada pessoa infectada for superior a um.

Esse número é igual ao fator R: o número de indivíduos para quem cada pessoa infectada transmite o vírus multiplicado pela probabilidade de que a pessoa que recebe a carga viral seja suscetível.

O fator R pré-isolamento, na maioria dos países estava mais próximo de três do que de dois. Confinamentos reduziram o fator R; abaixo de um, o número de casos e mortes diminui. Portanto, o pico que vimos é aquele associado ao baixo fator R de isolamento, não ao fator R do pós-isolamento, que, sem controle, seria muito maior. Um pico está bem à nossa frente e seu tamanho dependerá do que faremos a seguir.

Dada a velocidade de contágio do coronavírus, a única maneira de superar a pandemia é que 80-90% da população possua imunidade. Na verdade, esse número não é sensível demais ao fator R. Existem duas maneiras de se adquirir imunidade: adoecer ou ser vacinado.

Sem uma vacina, o pico da pandemia ocorre quando uma proporção de 1/R da população ainda não foi exposta. Assim, um fator R de 1,5, dois e três implica que o pico ocorre quando, respectivamente, 33,3%, 50% e 66,7% da população já foram expostos.

Quão perto estamos desses números? O cálculo não é simples, mas na verdade estamos muito longe, mesmo nas áreas mais afetadas. O problema é que não podemos confiar no número oficial de casos, porque poucos dos que foram expostos à doença foram testados. Por exemplo, dividir o número de casos confirmados na Itália pela população do país gera apenas 0,27%.

Uma maneira de estimar um limite superior do número de pessoas expostas é assumir uma taxa de mortalidade otimista e a partir daí tentar inferir o número de pessoas expostas o número real de mortes.

Se assumirmos como otimista uma taxa de mortalidade de apenas 0,2%  em vez de 0,3-3%, como outros têm estimado, no máximo 16,6% dos italianos e 22,5% dos nova-iorquinos foram expostos.

Abrir a economia significa permitir mais interação humana e, portanto, maior potencial para novas infecções. Dois números são importantes para decidir se isso pode em breve ser feito com segurança: o fator R pós-bloqueio que resulta das medidas de flexibilização e a porcentagem de pessoas que já foram expostas.

O fator R é a variável que os governos tentam influenciar por meio de políticas de distanciamento social e outros comportamentos recomendados, e pode ser “revisto" diariamente, observando-se a taxa de crescimento diária de casos e mortes.

Um fator R de dois geraria um pico no final do verão que faria a Lombardia e Nova York parecerem uma suave inclinação. A escala de morte e caos seria politicamente inaceitável, especialmente depois de tanto esforço ter sido investido no isolamento.

Um fator R de 1,5 geraria um pico mais raso, mas ainda esmagador, entre novembro e fevereiro, que traria muitos meses difíceis ​​depois dele. Qualquer fator R superior a um acabará por sobrecarregar a maioria dos sistemas de saúde.

Uma estratégia alternativa é que os governos tenham como alvo um determinado fator R, tomando-se emprestada a estrutura da meta de inflação dos bancos centrais. Primeiro, precisamos estabelecer metodologias claras e robustas para agora divulgar o fator R todos os dias. Depois vem a questão de escolher o alvo.

A diferença epidemiológica entre um fator R de um e 1,5 é enorme: provavelmente uma diferença no número de mortes de um fator de 50. A diferença do PIB é difícil de estimar, porque é difícil projetar o comportamento das pessoas em meio a pandemônio induzido de 1,5. Pode ser pior que o fator R<1.

Além disso, um fator R de 1,5 colocaria o pico não muito longe de quando seja razoável esperar que uma vacina apareça. Dadas as escalas de tempo envolvidas, faz sentido almejar um fator R que seja de um ou menos que isso e esperar que a vacina forneça imunidade à população.

Devido ao período médio de incubação antes do início dos sintomas, as consequências das medidas direcionadas ao fator R serão visíveis apenas durante a semana subsequente. Portanto, a estratégia de abertura deve ser gradual, adotando-se algumas decisões a cada duas semanas, a fim de aprender com seu impacto. Quanto menos alterações simultâneas, mais fácil será o aprendizado.

Uma vacina é uma questão muito importante para ser entendida como um evento exógeno que é deixado para especialistas ou para a FDA (Food and Drug Administration) dos EUA. Muitas vidas e pontos do PIB estão em jogo.

Os países devem estar negociando com as empresas agora e estar dispostos a participar de ensaios clínicos em troca de acesso à vacina. Formas inovadoras de teste acelerado já deveriam estar prontas. E os países deveriam estar preparando toda a produção, embalagem e logística necessária para vacinação em massa.

O fator R>1 leva a um número exorbitante de mortes e a ciclos de negócios de para e anda. A definição do fator R até a chegada da vacina parece mais sensata e humana, porque salvaria vidas e pouparia a economia.

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