Colunistas

OPINIÃO: Daniel Kahneman: Vai um Gênio e fica um Legado!

Nobel de Economia em 2002, Kahneman ficou conhecido pelos seus estudos em relação ao impacto da psicologia na tomada de decisões, a chamada teoria da economia comportamental

Daniel Kahneman (Foto/Getty Images)

Daniel Kahneman (Foto/Getty Images)

Samuel Barros
Samuel Barros

Colunista

Publicado em 31 de março de 2024 às 20h10.

Daniel Kahneman é responsável por significativas contribuições às ciências sociais e econômicas. O seu trabalho é focado na mente humana, revelou como nossas decisões, muitas vezes imperfeitas, moldam o mundo ao nosso redor. Este artigo busca, em forma de homenagem, mergulhar um pouco no legado de Kahneman, desvelando como suas ideias transcenderam os limites para influenciar não apenas o campo da economia comportamental, mas também o modo como compreendemos a nós mesmos e aos outros no cotidiano.

Nascido em 1934 e falecido em 27 de março de 2024, Kahneman, psicólogo de formação, juntamente com Amos Tversky, colega de longa data, introduziu conceitos que desafiaram a visão tradicional de racionalidade humana na economia. Através de uma série de experimentos e teorias inovadoras, à época, ilustraram como as heurísticas e os vieses cognitivos distorcem nossa percepção da realidade, levando-nos a tomar decisões que, sob a ótica da racionalidade econômica clássica, parecem pouco racionais.

Talvez a mais conhecida entre suas contribuições, "Prospect Theory", apresenta uma explicação sobre como as pessoas avaliam ganhos e perdas, destacando nossa aversão desproporcional às perdas. Este princípio desafiou o modelo econômico tradicional, o "homo economicus", que pressupõe decisões racionais e voltadas à maximização da utilidade, e abriu oportunidades de investigação sobre como as emoções e a psicologia afetam nossas escolhas econômicas.

Uma das principais pesquisas de Kahneman na economia comportamental trata do trabalho sobre o "sistema 1" e o "sistema 2" de pensamento, detalhado no livro best-seller "Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar", fornece explicação profunda sobre os dois modos de operação do cérebro humano. Enquanto o Sistema 1 é rápido, intuitivo e emocional, o Sistema 2 é mais lento, deliberativo e lógico. Esta dualidade esclarece por que frequentemente recorremos a simplificações e somos susceptíveis a erros de julgamento.

A influência de Kahneman ultrapassou as fronteiras acadêmicas, penetrando em campos tão diversos quanto da gestão, o marketing, a saúde, o design de políticas públicas e privadas. Governos e organizações internacionais adotaram princípios da economia comportamental para criar intervenções mais eficientes focadas em direcionar as pessoas para escolhas mais saudáveis e sustentáveis sem coibir sua liberdade de escolha.

Além disso, a visão de Kahneman sobre à tomada de decisão e ao julgamento humano trouxeram implicações profundas na ética e na justiça social, oferecendo um modelo para compreender e diminuir preconceitos implícitos que afetam indivíduos e grupos marginalizados. Seu trabalho nos faz questionar não apenas as decisões individuais, mas também as estruturas que moldam essas decisões coletivas, afinal, elas são criadas por cérebros que possuem vieses.

O reconhecimento do impacto de Kahneman no mundo das ciências foi evidenciado também pelo Prêmio Nobel de Economia de 2002, um prêmio que raramente é concedido a psicólogos. O Nobel não apenas consolidou a economia comportamental como um campo legítimo de estudo, mas também reconheceu a importância de cruzar fronteiras disciplinares para entender complexidades humanas.

Infelizmente, no dia 27 de março de 2024 Daniel Kahneman veio a falecer. Viveu bem, produziu muito, rompeu fronteiras cientificas e influenciou gerações de pesquisadores, inclusive eu. Kahneman é um dos grandes responsáveis pelo pesquisador de comportamento que sou hoje. Lembro-me como se fosse ontem a primeira vez que li o artigo “Prospect Theory: An Analysis of Decision Under Risk” publicado em 1979 na Econometrica, esse trabalho fez com que eu mudasse de forma significativa a minha percepção de sobre como tomamos decisão em ambiente de incerteza, e logo em seguida, na busca de me aprofundar no tema, li “Availability: A heuristic for judging frequency and probability”, que foi publicado em 1973, na revista Cognitive Psychology, que me fez deixar de ser um financista tradicional e voltar meus olhos para o mundo da economia comportamental. Recomendo muito a leitura desses dois trabalhos, que foram escritos com Tversky, e dos livros de Kahneman.

A obra de Daniel Kahneman é um farol que ilumina a nossa psique, desvendando como as falhas e peculiaridades do pensamento humano afetam tudo, desde escolhas triviais do dia a dia até decisões que têm o poder de moldar o curso da história. Fazendo isso, Kahneman não apenas transformou disciplinas inteiras, mas também nos forneceu as ferramentas para navegar melhor a complexidade de nossas vidas e sociedades. Sua influência perdurará, uma demonstração da capacidade humana de introspecção e inovação, lembrando-nos de que, no cerne das ciências, está o eterno enigma da condição humana.

Daniel Kahneman, vá em paz e obrigado por suas contribuições!

Samuel de Jesus Monteiro de Barros

Doutor em Administração, Reitor do Ibmec Rio de Janeiro e Pesquisador em Comportamento.

Acompanhe tudo sobre:Blogs

Mais de Colunistas

Só o ROIC retrata o verdadeiro retorno da empresa

Lições da Austrália para o Brasil