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Conheça 5 curiosidades – e uma polêmica – sobre a Kombi, que completa 75 anos

Importado da Alemanha em 1950, Volkswagen mais longevo do Brasil se despediu em 2013 com versão especial

Kombi completa 75 anos. (Divulgação/Divulgação)

Kombi completa 75 anos. (Divulgação/Divulgação)

Rodrigo Mora
Rodrigo Mora

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Publicado em 8 de março de 2025 às 08h21.

Um dos veículos mais importantes na história do automóvel completa hoje 75 anos: em 8 de março de 1950, a primeira unidade da Kombi saiu da linha de produção em Wolfsburg, na Alemanha. Desde então, mais de 12,5 milhões foram feitas.

Kombi, na verdade, é uma abreviação de Kombinationsfahrzeug, termo alemão que traduz seu propósito de veículo de usos combinados e tal como Panelvan e Microbus uma das três versões oferecidas inicialmente para a Transporter, seu nome de batismo.

Que nunca foi usado no Brasil, onde a Kombi desembarcou em 11 de setembro de 1950, no Porto de Santos, importada pela Companhia Distribuidora Geral Brasmotor. De acordo com o jornalista e historiador Jason Vogel, os anúncios da época se referiam ao veículo como “caminhonete Volkswagen” e “furgões Volkswagen”.    

Aqui a fabricante alemã chegaria oficialmente apenas em 23 de março de 1953. Instalada em um armazém na Rua do Manifesto, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, montou ali com peças importadas da Alemanha 2.268 exemplares do Fusca e 552 da Kombi, que em 2 de setembro de 1957 passou a ser produzida na planta da Anchieta, em São Bernardo do Campo; o primeiro Fusca sairia da primeira fábrica da Volkswagen fora da Alemanha no dia 3 de janeiro de 1959. 

“Em 1953, aparece um anúncio com ‘Furgões Kombi’, e em 1957, no anúncio do início da produção no Brasil, chamavam a versão de passageiros de ‘Kombi Rural’. Detalhe: ‘O’ Volkswagen Kombi, assim, no masculino”, explica Vogel.

Nos 56 anos seguintes ao início da fabricação nacional, a Kombi viveu intensamente. Ganhou versão abrasileirada da Camper alemã, se converteu em picape, ganhou nova geração, adotou motores a álcool e a diesel e recebeu porta corrediça e freios dianteiros a disco. Entre as raridades estão as versões Carat, de apelo mais luxuoso, Série Prata, que marca a despedida do motor arrefecido a ar, e Edição 50 Anos, que comemora as cinco décadas de nacionalidade brasileira.

Em 2013, a versão Last Edition foi anunciada como o capítulo final da Kombi, tecnicamente incapaz de receber freios ABS e airbag, equipamentos de segurança obrigatórios nos carros novos a partir de 1º de janeiro de 2014. Cerca de um mês após divulgar que faria 600 unidades, cada uma custando R$ 85 mil, a Volkswagen anunciou que dobraria a produção da série especial.

Quem é o pai?

Mas essa não foi a única, muito menos a principal controvérsia na história da Kombi.

Rendida em 8 de maio de 1945, a Alemanha foi dividida entre os aliados (EUA, Inglaterra, França e União Soviética) ao fim da Segunda Guerra Mundial. O objetivo era reconstruir e reorganizar o país, e aos ingleses coube a região conhecida como Stadt des KdF-Wagens e consequentemente a fábrica da Volkswagen, ali estabelecida. Foi quando "a cidade dos KdF-Wagens” virou Wolfsburg, sede da marca até hoje.

Escalado para resolver a situação daquela fábrica devastada pelos bombardeios inimigos, o major Ivan Hirst (1916 – 2000) se mostrou personagem crucial para a sobrevivência da Volkswagen, marcada naquele momento não apenas pela transição da produção bélica sob domínio nazista para a manufatura civil sob custódia inglesa, mas também por incertezas quanto ao seu futuro.

"Inicialmente, a fábrica era usada apenas como oficina de reparos para veículos militares. Hirst foi o primeiro a reconhecer as possibilidades oferecidas pelo estabelecimento da produção de veículos civis na área quase totalmente destruída", explica a Volkswagen ao relembrar o que ela mesma chama de "raízes britânicas”. 

Tão destruída que sequer contava com empilhadeiras para a elementar tarefa de transportar peças. Donde o major Hirst inventou o Plattenwagen: sobre um chassi de Fusca, uma chapa longitudinal (daí o "platten", que pode ser traduzido como prancha, placa ou simplesmente algo plano) posicionada à frente do motorista e seus comandos.

Importador oficial da Volkswagen na Holanda, Ben Pon frequentemente viajava à Wolfsburg para negociar novas fornadas de Fusca. Numa das visitas, deu de cara com o Plattenwagen. 

"Ben Pon divisou ali uma oportunidade de negócio inexplorada. Tão logo pôde, tentou obter um certificado de homologação para aquele veículo transitar pelas ruas da Holanda. Mas a licença foi negada pela autoridade de transportes holandesa por conta de uma regra que determinava que o motorista deveria se sentar na dianteira do veículo", revela Richard Copping, ex-editor da VW Magazine e autor de Volkswagen Transporter: a celebration of an automotive and cultural icon (Ed. Haynes, 2011).

Pon então rabiscou seu famoso esboço, revelado a Hirst em um encontro no dia 23 de abril de 1947. No desenho, o holandês atendeu a exigência da Dutch Transport Authority e transferiu para a frente do veículo a posição do motorista e passageiros, mantendo o motor na traseira. Calculou que o vão entre as extremidades deveria comportar até 750 kg e imaginou uma carroceria levemente arredondada nas extremidades.

Hirst até gostou do rascunho de Pon. O problema foi seu chefe, o coronel Charles Radclyffe, cuja opinião era a de que montar outro carro seria impraticável por sobrecarregar uma fábrica que já enfrentava escassez de recursos e mão de obra. 

"O papel de Ben Pon na história da evolução da Kombi foi, assim, sumariamente encerrado, com seu esquema ambicioso, mas bastante factível, naufragado diante do primeiro obstáculo", detalha Copping.

Quando chegou a hora de indicar um sucessor para comandar a Volkswagen à medida que a Alemanha reconquistava sua autonomia, Hirst apontou para um engenheiro mecânico que começou a carreira automobilística na BMW e que naquele momento dirigia a Opel. A partir de 1º de janeiro de 1948, o alemão Heinz Nordhoff era o novo diretor-geral da Volkswagen.

Para converter uma fábrica em recuperação em potência industrial, o experiente Nordhoff sabia que precisava de outro modelo para encaixar na linha de produção. "Poucos, se é que alguém o fez, reconhecem que sem Nordhoff não teria existido a Kombi; que a ideia de Ben Pon era exatamente aquela, um esboço num pedaço de papel, descartado pelo coronel Radclyffe como impraticável", pondera Copping, concluindo que Nordhoff pode ou não ter tido contato com o desenho de Pon, mas, ao fim e ao cabo, foi ele quem efetivamente materializou a Kombi.

Concorda com o escritor outro estudioso da marca alemã, Alexander Gromow. "Quem inventou a Kombi, ou melhor, desenvolveu um veículo de transporte usando parte dos componentes mecânicos do Fusca, foi a equipe de técnicos da VW do pós-guerra contratados por Nordhoff. Ben Pon era um comerciante que queria ter um produto para vender e fazer lucro. O esquema que ele fez naquela agenda qualquer um que estivesse em contato com a Volkswagen e conhecesse sua técnica faria. Chamá-lo de inventor da Kombi é uma grande bobagem", avalia o ex-presidente do Fusca Clube do Brasil e autor dos livros Eu amo Fusca e Eu amo Fusca II.

Copping também levanta a hipótese de Nordhoff ter instruído Alfred Haesner, o gerente de desenvolvimento da VW que pôs de pé e testou os protótipos da Transporter, a trabalhar a partir dos desenhos de Ferdinand Porsche para um veículo utilitário baseado no Fusca – concebido, como todos sabem, por Porsche.

O que também faz sentido para Gromow: “A origem dos tempos no caso da Kombi se iniciou com Ferdinand Porsche, e só não terminou com ele devido à Segunda Guerra Mundial.” 

Em 11 de março de 1940, Porsche entrou com um pedido de patente (homologada no ano seguinte) que diz: “A invenção se refere a um chassi para veículos motorizados, no qual o assento de direção para obter uma maior utilidade e maior área de carregamento é movido para a frente, entre as rodas dianteiras.” 

5 curiosidades sobre a Kombi 

  • Quando apresentou seu segundo modelo à imprensa, em 11 de novembro de 1949, a Volkswagen não sabia como chamá-lo. Queriam que fosse Bully, mas, de acordo com a própria VW, a fabricante de tratores Lanz já detinha o nome. No fim das contas, substitui-se o “y” por “i” e Bulli virou seu apelido oficial na Alemanha.
  •  A produção da Kombi começara havia cinco meses quando chegou a vez do chassi número 20-1880, em 5 de agosto de 1950. Restaurada décadas depois e batizada de Sofie, hoje o exemplar mais antigo existente descansa no acervo de clássicos na sede da marca.
  • A última Kombi equipada com motor arrefecido a ar, produzida em 2005 na planta da Anchieta, pertence a um colecionador paulista. Mas, antes, foi de uma instituição que cuidava de idosos, em Franca, no interior de São Paulo. Atualmente tem 204 mil quilômetros rodados.
  •  Branco e da versão Standard como milhares de outros que labutam a serviço de lavanderias e padarias, o exemplar que repousa na Garagem Volkswagen, em São Bernardo do Campo, é o último produzido no mundo, em dezembro de 2013.
  •  O acervo brasileiro da marca tem outros oito exemplares da van, entre elas a Last Edition número 56, a unidade pré-série, número 00/50, da Edição 50 anos e até uma Kombi conversível 1988, criada pela Engenharia de Protótipos para ampliar a visibilidade e enriquecer a experiência dos visitantes da planta da Anchieta.
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