Viver o momento ou registrar a experiência?
Tem muita gente que opta por ver as coisas através de sua telinha particular
Publicado em 16 de janeiro de 2024 às, 12h13.
Na semana passada, um vídeo ganhou notoriedade sem precedentes nas redes sociais: a gravação mostrava o momento em que chegava o ano novo em Paris (mais precisamente, na avenida Champs-Élysées, em frente ao Arco do Triunfo). O espetáculo pirotécnico ficou ofuscado pela quantidade absurda de telefones celulares registrando a cena. Praticamente todos os presentes à queima de fogos preferiu assisti-la através da telinha de seu smartphone do que captar o show de fogos a olho nu..
Nos meus dias de férias, fui a dois shows. Percebi que era um dos poucos na plateia a não sacar o celular nenhuma vez. E, em ambas as ocasiões, várias pessoas ficaram o tempo todo gravando o que acontecia no palco.
Fiquei matutando sobre essas ocasiões. E cheguei à conclusão de que entre viver o momento ou registrar a experiência, as pessoas em geral ficam com a segunda opção. Mas por que tem gente que prefere ver as coisas através de sua telinha particular?
Estamos em um mundo no qual boa parte das coisas não é nossa: não temos mais a propriedade de discos, livros ou filmes. Tudo está na nuvem ou em uma plataforma que acessamos. Os vídeos e as fotos que fazemos com nossos celulares, no entanto, estão se transformando em algo particular. Talvez essa seja uma forma de exercermos a propriedade sobre algum tipo de mídia, já que o formato físico acabou.
Mas, no fundo, também registramos as coisas com nossos aparelhinhos para compartilhá-las. Sem esse registro, nada tem graça nas redes sociais. Uma coisa é dizer: estive lá. Outra coisa é mostrar que esteve. No universo digital, definitivamente, uma imagem vale mais do que mil palavras. E o que dizer de um vídeo? Qualquer filminho tem mais importância que um livro de 300 páginas.
Mas compartilhar é algo que não termina no ato em si. O compartilhamento precisa gerar “likes” e comentários. Trata-se de uma forma pessoal e intransferível daquilo que os americanos chamam de “show-off”. Assim, o mais importante é compartilhar para se exibir. Ou ostentar. Ou construir uma imagem. Assim, tudo tem a ver com a vaidade, transformando os momentos da própria vida em uma oportunidade para exercer a presunção.
Nessas horas, lembro de uma amiga japonesa radicada no Brasil que tinha o hábito de viajar ao exterior e tirar fotografias quase que a cada minuto. Nos anos 1980, os orientais eram conhecidos por portar suas máquinas fotográficas e registrar muitos momentos – uma espécie de prenúncio do que ocorreria com todas as pessoas nos tempos de hoje,
Naquela década, havia um hábito: revelar as fotografias tiradas durante uma viagem e chamar os amigos para mostrar as reproduções (sei que é algo esquisito, mas as pessoas de fato faziam isso). Quando essa amiga voltou de Paris, vi uma foto que me impressionou e perguntei qual havia sido o local daquela foto. Ela olhou, olhou, olhou e me respondeu: “Não me lembro”.
Depois de alguns anos, encontrei essa amiga no aeroporto de Heathrow, quando ambos estávamos voltando ao Brasil. Não resisti e a questionei sobre quantos filmes ela havia utilizado na viagem. Ela, então, me disse que tinha feito poucos registros desde a viagem para Paris. Eu não tinha sido o único a perguntar sobre suas fotos naquela ocasião – e ela também não se recordava muito das outras fotografias. Desde aquele momento, assim, ela decidira que iria ficar mais tempo observando os locais em vez de tirar fotos rapidamente e partir para o próximo destino.
Não vejo essa amiga há mais de vinte anos. E imagino, agora, como ela estará se portando com um celular nas mãos. Será que ela manteve a sua decisão ou voltou ao comportamento antigo, registrando cada segundo em seu celular?
Provavelmente, não exista comportamento certo ou errado. Há gente que vai preferir fotografar tudo e outros, como eu, que optam pela lente dos olhos e o hard disk da memória. Nessas horas, porém, o importante é fazer aquilo que nos deixa felizes – sem ligar para a opinião dos outros (a minha inclusive).