Por que Anderson Torres ainda está preso?
Torres está detido em Brasília desde o dia 14 de janeiro, quando voltou de uma viagem internacional
Publicado em 28 de abril de 2023 às, 08h03.
Cresce nos meios jurídicos um questionamento que ultrapassa as barreiras ideológicas do bolsonarismo e do lulismo: por que o ex-ministro da Justiça Anderson Torres ainda está preso? Torres está detido na sede do Batalhão de Aviação Operacional da Polícia Militar de Brasília desde o dia 14 de janeiro, quando voltou de uma viagem internacional. Ele é investigado pela suspeita de omissão e conivência com o vandalismo praticado na capital do país em 8 de janeiro, quando era secretário de segurança no Governo do Distrito Federal.
No dia 10 de abril, os advogados do ex-ministro entraram com um pedido para revogar a prisão. “A manutenção da prisão do requerente, que já dura cerca de 90 dias, passaria a ser vista como uma grande injustiça e só se justificaria sob a ótica da antecipação do juízo de valor sobre o mérito da causa”, disse Eumar Novacki, da equipe jurídica de Torres. Contudo, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, manteve na semana passada a detenção, sob a justificativa de que surgiram indícios de uma “operação golpista” engendrada pelo réu para dificultar a votação de petistas no segundo turno das eleições de 2022.
Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, o jurista Pedro Estevam Serrano escreveu o seguinte sobre o caso: “O que não se pode admitir é a antecipação da punição, deturpando-se a prisão preventiva como tática de responsabilização penal imediata, o que caracteriza ato de barbárie incompatível com o sistema penal constitucional. Não se pode retribuir os ataques criminosos às instituições da República por meio da banalização da prisão preventiva, que em si mesma é também uma grave afronta ao Estado democrático de Direito”.
Para quem não está ligando o nome à pessoa, Serrano faz parte do Prerrogativas, um grupo de advogados ligados à esquerda, que promoveu o primeiro evento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva apareceu em público com o então ex-governador Geraldo Alckmin, atual vice-presidente da República. É o mesmo Serrano que, em 10 de dezembro, disse o seguinte: “Coloco meu nome à disposição de Lula para ser ministro do STF”.
Portanto, não se pode dizer que o autor do artigo seja um simpatizante da causa bolsonarista ou do ex-ministro da Justiça. Serrano está apenas analisando o caso aos olhos da lei e preocupado com as decisões tomadas por Alexandre de Moares. E chamando atenção para um ponto importante: Torres pode até ser julgado culpado pelas acusações no julgamento, mas não pode ser condenado por antecipação.
A partir de 2022, percebeu-se no STF um crescente desconforto em relação aos atos do senador Sérgio Moro quando era juiz e comandava a força-tarefa da Operação Lava-Jato – uma das decisões do Supremo, neste sentido, foi a de anular a condenação de Lula. Também na Alta Corte se criticava, no ano passado, a postura do então magistrado de promover prisões preventivas para obter confissões e delações.
Não parece ser algo muito diferente do que está ocorrendo com o ex-ministro Torres. Não há exatamente um motivo que justifique sua prisão por tanto tempo – e, percebendo isso, Moraes até levantou um argumento adicional para basear sua decisão de manter o réu sob cárcere. A tese é a de que ele demorou para fornecer as senhas de seus aparelhos celulares.
Sobre esse ponto, o jurista Serrano afirma: “Tal circunstância revela, lamentavelmente, uma visão autoritária do processo penal, segundo a qual o investigado deve contribuir ativamente para a produção da prova, o que não apenas viola o direito fundamental ao silêncio e a garantia à não autoincriminação, mas corrompe a essência da prisão cautelar, desvirtuando-a em verdadeiro instrumento de tortura mediante a imposição de sofrimento ao investigado como forma de obtenção de informações ou confissões”.
É possível torturar alguém sem o auxílio da violência, como faziam os militares dos DOI-CODis da vida. Os juízes, de Moro a Moraes, inventaram essa nova modalidade de flagelo psicológico: o encarceramento que só termina com uma confissão ou uma delação. Com o ex-ministro Antonio Palocci foi assim. Depois de dois anos no xilindró, ele produziu uma delação premiada absolutamente sem pé nem cabeça, atirando para tudo o que é lado, com um único propósito, o de sair da prisão.
Torres, após cem dias de cárcere, parece estar baqueado. Os relatos são de uma depressão profunda e perigosa. Ele agirá como Palocci e fornecerá a história que Moraes quer ouvir? Ou ficará em silêncio, prolongando sua estada na cadeia? Moraes cederá à pressão e libertará o ex-ministro?
São muitas perguntas sem resposta imediata. Uma coisa, porém, é certa. Em Brasília, cresce diariamente o número de deputados e senadores – de esquerda, centro e de direita – preocupados com a situação de Torres. Tudo indica que eles deverão pressionar o STF para libertar o ex-ministro, o que pode gerar mais um confronto entre poderes da República.