Ontem, deparei-me com o seguinte meme, postado por uma conhecida nas redes sociais : “Toda vez que alguém disser que não é Lula e nem Bolsonaro, ele é Lula; Toda vez que alguém disser que não existe só Lula e Bolsonaro , ele é Lula; Toda vez que alguém reclamar de Lula e Bolsonaro, ele é Lula. Aprendam, o isentão é Lula”. Entre perplexo e curioso, fui verificar a reação de quem interagiu com este post. Centenas de curtidas e dezenas de comentários positivos.
Confesso uma certa ingenuidade por achar que essa discussão já tinha sido superada há muito. Mas, aparentemente, nas hostes governistas mais extremadas, o eleitorado é dividido em branco e preto, sem espaço algum no meio. Não estamos falando de eleitores que votarão em Jair Bolsonaro pelo ceticismo diante dos parcos números obtidos pelos representantes da chamada Terceira Via nas pesquisa de intenção de voto. Quem posta e curte esse tipo de mensagem é um bolsonarista raiz até o último fio de cabelo.
Trata-se de uma espécie de flashback daquilo que vivemos em 2018: os chamados isentões foram tachados de esquerdistas disfarçados e malhados à exaustão nas redes sociais. A pressão era direta e reta. Lembro de uma postagem da época que dizia: “Se alguém escrever ‘não sou petista, mas…’, tenha certeza: é petista”.
A necessidade de polarizar é algo importantíssimo dentro da estratégia de Bolsonaro para ter, em um eventual segundo turno, Luiz Inácio Lula da Silva como adversário e apostar no sentimento antipetista para conquistar a reeleição.
Neste contexto, a inexistência de contrapontos é algo sintomático. A princípio, a falta de internautas questionando o post descrito acima pode parecer um sintoma de unanimidade. Mas as evidências mostram que, na arena de debates que se transformou a internet, há mensagens que provocam indiferença ou rejeição por parte de um grupo que não quer nem discutir – ou dar a cara a tapa para ser engolido em um mar de agressões.
Vejo que o post em questão foi surrupiado da conta de alguém que não faz parte de meu rol de amizades. Curioso, resolvo verificar o perfil de quem colocou essa tese em primeiro lugar na rede. Logo no primeiro movimento do mouse, levanto as sobrancelhas. Nesta página, há muitas postagens criticando o uso de máscaras de proteção – uma prática recomendada pela maioria dos médicos. Todas, inclusive, estão cobertas com uma tarja que diz o seguinte: “Informação falsa – as mesmas informações foram conferidas por verificadores de fatos independentes em outra publicação”.
Contradizer a eficácia das máscaras é algo temerário, especialmente em tempos de variante Delta. O americano Caleb Wallace que o diga. Líder de um movimento antimáscara, teve Covid-19 e morreu aos 30 anos. Caleb dizia que as máscaras são ineficazes contra Covid-19, apesar das recomendações das autoridades sanitárias.
Percebe-se que há uma forte superposição entre quem apoia incondicionalmente o presidente Jair Bolsonaro e aqueles que duvidam da eficácia da vacina e questionam a capacidade das máscaras de proteção. Bolsonaro representa para esse grupo um líder que não se curva às regras criadas pela elite intelectual (ou cientifica) e faz aquilo que bem quiser. Além de não respeitar as normas criadas por autoridades sanitárias, também passa para frente teorias da conspiração ou fake news – como faz boa parte de seus seguidores.
O resultado é a solidificação cada vez maior de uma visão de mundo que se estabelece nesta panela de pessoas. Ao conviver cada vez mais dentro de uma bolha e insuflado constantemente pelo presidente, esse grupo ganha uma coesão enorme – mas, pelo radicalismo, acaba não convencendo quem poderia ser catequizado.
Pode-se dizer que a esquerda também convive entre si e consolida suas convicções em uma pregação contínua entre convertidos. A diferença está no gatilho dos comentários que fazem a cabeça dos militantes dos dois lados. A direita se pauta pelas manifestações de Bolsonaro, enquanto Lula pouco fala ou raramente manda mensagens para seus apoiadores. Quem acaba unindo a esquerda, assim, é o próprio Bolsonaro, cujo comportamento causa repulsa a quem pensa o mundo pela ótica socialista.
E aqueles que, ao contrário do que pensam os radicais, estão no meio? Os eleitores que não querem saber de Lula ou Bolsonaro? A esses indivíduos resta apenas a esperança no surgimento de uma Terceira Via, cada vez mais longínqua, ou a perspectiva de abandonar o dever cívico de votar no ano que vem.
Para os bolsonaristas mais empedernidos, o conceito de empatia é inexistente. Em vez de convencer quem está no muro a votar em seu candidato, os seguidores de Bolsonaro preferem fustigar essas pessoas, mesmo que isso signifique a perda de votos preciosos no futuro. Mas, para esses eleitores da direita extrema, não haverá necessidade dos sufrágios vindos do Centro. Segundo esse grupo, a eleição já está ganha e as pesquisas que mostram a queda de Bolsonaro são mentirosas – pois são todas ligadas a veículos esquerdistas. Mas e aqueles institutos de pesquisa ligados a instituições financeiras? Também seriam de esquerda?
Já vi de tudo nessa vida. Mas banqueiro de esquerda? Essa seria a primeira vez.
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