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O que explica o fenômeno "pobre de direita"?

O livro “Pobre de direita – a vingança dos bastardos”, do sociólogo Jesse Souza, caiu no gosto popular após as eleições municipais

O livro “Pobre de direita – a vingança dos bastardos”, do sociólogo Jesse Souza, caiu no gosto popular após as eleições municipais (NILTON FUKUDA/AFP)

Publicado em 5 de novembro de 2024 às 18h59.

O livro “Pobre de direita – a vingança dos bastardos”, do sociólogo Jesse Souza, está no topo dos best-sellers de não-ficção da revista Veja pela segunda semana consecutiva. O texto caiu no gosto popular logo após as eleições municipais, que apontaram uma derrota fragorosa da esquerda, que perdeu quase metade de suas prefeituras. O título, assim, traria uma explicação para a votação significativa do conservadorismo no último pleito, que não seria obtida sem a adesão das camadas sociais de baixo poder aquisitivo.

Não se trata, porém, de uma publicação que exalta conservadores. Pelo contrário. A narrativa traz críticas (veladas ou não) aos direitistas e às diferenças sociais do capitalismo. Além disso, boa parte de seu conteúdo é dedicado a discutir o racismo no Brasil.

Há três pontos, no entanto, que merecem destaque.

O primeiro é que Jessé Souza busca entender o fenômeno sem desmerecer o eleitor de classe baixa que decidiu votar em candidatos direitistas. “Dizer que o pobre de direita é burro, ‘bolsominion’, ou que a raiz do problema é a filiação religiosa ou o caráter intrinsecamente conservador da pessoa, como muitos fazem, não ajuda muito. Afinal, como já foi dito, o que importa é saber o que motivou a escolha por determinada filiação religiosa e aprofundar ‘o que’ a inclinação ‘conservadora’ lhe proporciona”, escreve o autor.

A tese de Souza é a de que a religião tem papel importante na aproximação dos pobres com a direita – mas há outros fatores que explicam esse fenômeno. “Foi o decidido apoio do mundo evangélico que funcionalizou o voto do negro a favor de [Jair] Bolsonaro. Mas o decisivo aqui é que o negro não se identifica integralmente com Bolsonaro, enquanto o branco pobre, sim. O que está por trás da relação tão especial de Bolsonaro com os brancos pobres? A identificação afetiva e irracional é o mecanismo decisivo, e é o que explica o irracionalismo das massas”, interpreta o sociólogo.

Por fim, o autor aponta como “razão maior” o “ressentimento e a raiva juntos, na medida em que “o acesso a boas escolas e boas universidades é restrito para a classe média branca e ‘real’ e o branco pobre foi injustamente excluído dessas chances pelo nascimento em uma família pobre”. Souza vai adiante: “Se ele fosse consciente de sua opressão, então poderia transformar a raiva e o ressentimento em indignação – o que o levaria para a luta política junto com os demais oprimidos. Mas não é isso o que acontece. Ninguém explica, muito menos nossa imprensa venal, quem causa seu sofrimento. Como a relação com a classe média ‘real’ e a elite é ambivalente, misturando inveja e admiração, então ele se torna presa de seu próprio desconhecimento”.

Como se vê, é a visão de um sociólogo de esquerda tentando encontrar as razões de um fenômeno que vem drenando eleitores do PT, PSOL e congêneres. Além disso, trata-se de um livro escrito antes das eleições municipais – daí as menções constantes ao ex-presidente Bolsonaro. Mas pelo menos duas razões listadas por Souza – a interferência da religião e o ressentimento reinante em boa parte da sociedade – devem ser analisadas com maior profundidade.

O livro se baseia fortemente no teor de entrevistas feitas com eleitores que se encaixam no perfil abordado pelo autor – e frequentemente mistura direita e extrema-direita, como se fossem uma coisa só. Mas é uma leitura que deve ser feita, mesmo com o risco de desagradar muitos leitores. Os de esquerda podem se sentir desconfortáveis com o cenário descrito por Souza, que lhes é desfavorável – e os de direita seguramente não vão gostar de certas opiniões, francamente alinhadas com a chamada pauta progressista. Para aproveitar o que o texto tem a oferecer, portanto, é preciso se livrar de boa parte dos preconceitos políticos que a maioria de nós carrega. E usar o livro como ponto de partida para suas próprias reflexões.

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O livro “Pobre de direita – a vingança dos bastardos”, do sociólogo Jesse Souza, está no topo dos best-sellers de não-ficção da revista Veja pela segunda semana consecutiva. O texto caiu no gosto popular logo após as eleições municipais, que apontaram uma derrota fragorosa da esquerda, que perdeu quase metade de suas prefeituras. O título, assim, traria uma explicação para a votação significativa do conservadorismo no último pleito, que não seria obtida sem a adesão das camadas sociais de baixo poder aquisitivo.

Não se trata, porém, de uma publicação que exalta conservadores. Pelo contrário. A narrativa traz críticas (veladas ou não) aos direitistas e às diferenças sociais do capitalismo. Além disso, boa parte de seu conteúdo é dedicado a discutir o racismo no Brasil.

Há três pontos, no entanto, que merecem destaque.

O primeiro é que Jessé Souza busca entender o fenômeno sem desmerecer o eleitor de classe baixa que decidiu votar em candidatos direitistas. “Dizer que o pobre de direita é burro, ‘bolsominion’, ou que a raiz do problema é a filiação religiosa ou o caráter intrinsecamente conservador da pessoa, como muitos fazem, não ajuda muito. Afinal, como já foi dito, o que importa é saber o que motivou a escolha por determinada filiação religiosa e aprofundar ‘o que’ a inclinação ‘conservadora’ lhe proporciona”, escreve o autor.

A tese de Souza é a de que a religião tem papel importante na aproximação dos pobres com a direita – mas há outros fatores que explicam esse fenômeno. “Foi o decidido apoio do mundo evangélico que funcionalizou o voto do negro a favor de [Jair] Bolsonaro. Mas o decisivo aqui é que o negro não se identifica integralmente com Bolsonaro, enquanto o branco pobre, sim. O que está por trás da relação tão especial de Bolsonaro com os brancos pobres? A identificação afetiva e irracional é o mecanismo decisivo, e é o que explica o irracionalismo das massas”, interpreta o sociólogo.

Por fim, o autor aponta como “razão maior” o “ressentimento e a raiva juntos, na medida em que “o acesso a boas escolas e boas universidades é restrito para a classe média branca e ‘real’ e o branco pobre foi injustamente excluído dessas chances pelo nascimento em uma família pobre”. Souza vai adiante: “Se ele fosse consciente de sua opressão, então poderia transformar a raiva e o ressentimento em indignação – o que o levaria para a luta política junto com os demais oprimidos. Mas não é isso o que acontece. Ninguém explica, muito menos nossa imprensa venal, quem causa seu sofrimento. Como a relação com a classe média ‘real’ e a elite é ambivalente, misturando inveja e admiração, então ele se torna presa de seu próprio desconhecimento”.

Como se vê, é a visão de um sociólogo de esquerda tentando encontrar as razões de um fenômeno que vem drenando eleitores do PT, PSOL e congêneres. Além disso, trata-se de um livro escrito antes das eleições municipais – daí as menções constantes ao ex-presidente Bolsonaro. Mas pelo menos duas razões listadas por Souza – a interferência da religião e o ressentimento reinante em boa parte da sociedade – devem ser analisadas com maior profundidade.

O livro se baseia fortemente no teor de entrevistas feitas com eleitores que se encaixam no perfil abordado pelo autor – e frequentemente mistura direita e extrema-direita, como se fossem uma coisa só. Mas é uma leitura que deve ser feita, mesmo com o risco de desagradar muitos leitores. Os de esquerda podem se sentir desconfortáveis com o cenário descrito por Souza, que lhes é desfavorável – e os de direita seguramente não vão gostar de certas opiniões, francamente alinhadas com a chamada pauta progressista. Para aproveitar o que o texto tem a oferecer, portanto, é preciso se livrar de boa parte dos preconceitos políticos que a maioria de nós carrega. E usar o livro como ponto de partida para suas próprias reflexões.

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