O caso Venturini: sou contra (vaias); quer dizer, sou a favor
O comportamento negacionista contra as vacinas existe há algum tempo e não se resume à pandemia atual
Publicado em 28 de junho de 2021 às, 09h07.
Última atualização em 28 de junho de 2021 às, 09h07.
Aluizio Falcão Filho
A ex-jogadora de vôlei Fernanda Venturini (foto) viveu neste final de semana uma situação inusitada. Divulgou um vídeo no qual estava esperando para receber a dose de imunizante contra a Covid-19 e dizia o seguinte: “Eu sou contra a vacina, mas, como eu quero viajar o mundo, vou tomar”. Diante da repercussão negativa, apagou o post das redes sociais e publicou um outro no qual afirmou ter sido “mal interpretada” e que era a favor da vacinação.
A atitude de Venturini mostra como as pessoas não têm direito a sursis nas redes sociais. Ela falou algo que não agradou a maioria e levou uma saraivada interminável de vaias digitais. No caso da ex-atleta, para piorar, ela quis negar o que havia declarado – ao contrário do que fazem outras celebridades, que simplesmente pedem desculpas quando recebem ataques e tocam a vida.
Mas a ex-esportista não está sozinha. Uma pesquisa do Datafolha mostra que 8 % dos brasileiros não querem se vacinar. E engana-se quem pensa que essa disposição está concentrada apenas nas camadas mais desinformadas da população. Na última semana, por exemplo, durante um jantar com amigos, ouvi do CEO de uma multinacional que ele não havia se vacinado porque os imunizantes que estão aí são “experimentais”.
Retruquei que se passaram pelas três fases de aprovação estabelecidas pelos órgãos que regulam a Saúde no país e no mundo, as vacinas não poderiam ser consideradas experimentais (essas etapas testam segurança, potência e eficácia dos imunizantes). Meu interlocutor rebateu dizendo que não houve tempo hábil para se testar efeitos colaterais e que, por isso, não iria para as filas nos postos do SUS. Novamente respondi que houve o mapeamento de efeitos colaterais nos estudos realizados nas duas primeiras fases de testagem.
Neste momento, ele disse que, no passado, uma vacina era testada durante anos e, assim, eram escrutinadas todas as reações, coisa que não ocorreu durante a pandemia. Repliquei que a tecnologia havia evoluído bastante nos últimos anos e que etapas foram queimadas no processo atual. “É. Mas eu prefiro esperar”, devolveu. Não quis insistir e alguém mudou o assunto da mesa.
Não foi o primeiro diálogo do gênero em que estive envolvido. Já ouvi muita gente que tem rigorosamente a mesma opinião que a do meu amigo negacionista. A diferença é que, na semana passada, o detrator da vacina era educadíssimo e não queria convencer ninguém que estava ao seu redor – ao contrário de outras pessoas que, no início de 2021, tentaram me convencer a todo custo de suas convicções sobre antígenos de combate à Covid-19.
O comportamento negacionista contra as vacinas, entretanto, existe há algum tempo e não se resume à pandemia atual. Conheço inúmeros casos de famílias que resolveram adotar um estilo de vida alternativo e não vacinam as crianças contra as doenças infantis. Trata-se de uma atitude temerária, pois enfermidades como o sarampo podem matar. Aliás, essa é uma das minhas piores lembranças de quando tinha 7 anos de idade. Os efeitos são devastadores. Febre, uma dor de cabeça insuportável e a sensação de que qualquer feixe de luz era equivalente a um verdadeiro holofote.
Lembro também do verdadeiro horror que senti quando criança diante da possibilidade de contrair poliomielite – doença que, infelizmente acometeu alguns conhecidos, que tiveram de utilizar aparelhos para andar durante toda a vida. Outro momento de puro pavor foi durante o surto de meningite. Ainda me recordo da sensação de alívio que tive quando recebi a vacina.
É possível começar uma discussão sobre se os pais têm o direito de não vacinar seus filhos – ou se o Estado pode ou não interferir nessa decisão. Este debate, no entanto, não terminaria tão cedo. Defensores da liberdade de escolha vão se encastelar de um lado e os defensores de políticas de saúde pública ficarão de outro. E um grupo não conseguirá convencer o oponente mesmo se polêmica durar cem anos.
Quem adotar o pragmatismo, porém, verá que a carteira de vacinação já é algo obrigatório para matricular as crianças em qualquer escola de São Paulo, particular ou pública, de acordo com a lei promulgada em junho de 2020. Alguns planos de Saúde também nem aceitam dependentes que não apresentam essa carteirinha.
No caso específico da Covid, esses 8 % da população brasileira, cerca de 12 milhões quando contabilizamos apenas os adultos, podem manter a contaminação pelo coronavírus por mais tempo do que o necessário, arriscando a própria vida e a dos outros. Curiosamente, se o restante da população for imunizado, os riscos serão apenas dos negacionistas, cujas eventuais mortes devem ser lamentadas igualmente por todos.
Diante de tudo o que vemos nos dias de hoje, chegamos a uma conclusão lamentável: o fenômeno negacionista está longe de acabar, uma vez que parece ser uma praga dos tempos modernos e talvez sobreviva no futuro. E, por falar em futuro, talvez a explicação para tudo isso esteja em uma frase do escritor Isaac Asimov, um dos maiores gênios da ficção científica: “A maneira mais fácil de resolver um problema é negar a sua existência”.
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