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O apreço por ditaduras na política externa

Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Guerra Fria ainda não terminou

O ministro russo das Relações Exteriores, Serguei Lavrov (AFP/AFP)
O ministro russo das Relações Exteriores, Serguei Lavrov (AFP/AFP)

Teoricamente, a Guerra Fria acabou no dia 9 de novembro de 1989. Foi nessa data em que se deu a queda do Muro de Berlim e a antiga União Soviética entrou em colapso, mostrando a inviabilidade do socialismo como sistema de governo. Depois disso, nações comunistas como Rússia e China passaram a permitir a iniciativa privada e a atuar como países capitalistas no mercado internacional – embora, do ponto de vista estritamente político, continuem a ser ditaduras. Uma, a chinesa, de forma escancarada. A outra, a russa, de forma velada.

Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porém, a Guerra Fria ainda não terminou. Como se estivesse em uma adolescência tardia, Lula resolveu se alinhar à China e à Rússia em um contraponto flagrante aos Estados Unidos. A justificativa para esse desastre diplomático é o interesse comercial que a ditadura chinesa desperta.

Um país não tem amigos, apenas interesses comuns, já dizia John Foster Dulles, secretário americano de Estado na gestão de Dwight Eisenhower. Lula parece que não entendeu essa máxima, que rege a diplomacia no mundo há mais de seis décadas.

Ao dirigir afagos a Vladimir Putin e a Xi Jinping, Lula semeia a má vontade em relação ao Brasil junto aos Estados Unidos e à União Europeia. Curiosamente, esses são os dois eixos de poder que celebraram o fim dos quatro anos de Jair Bolsonaro e saudavam o petista, após sua eleição, como um líder internacional.

Na prática, porém, Lula se alinhou a duas ditaduras contra os países desenvolvidos no mundo livre. Esse gesto apenas se agrava quando lembramos que recentemente o Brasil se recusou a assinar uma declaração da Organização das Nações Unidas com críticas ao regime de exceção praticado na Nicarágua. E fica ainda pior quando se pensa na proximidade entre Lula e mais dois ditadores: Nicolás Maduro, da Venezuela, e Miguel Díaz-Canel, de Cuba.

Lula já não esconde que tem o sonho de ser indicado ao Prêmio Nobel da Paz. Mas pode haver paz verdadeira quando não se tem democracia? É possível se alinhar com líderes que não respeitam as liberdades mais básicas do ser humano?

Para deixar o quadro ainda mais turbulento, o presidente brasileiro aproveitou a visita do chanceler soviético Sergei Lavrov e voltou a bater na tecla de que a Ucrânia tinha sido responsável pela Guerra com a Rússia. A tese de Lula é a de que o líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, teria provocado a Rússia com sua intenção de aderir à OTAN e isso teria justificado a invasão promovida por Putin.

Na prática, Lula está repetindo o comportamento dos imbecis que justificam qualquer tipo de violência sexual praticada contra mulheres que se vestem de forma provocante – ou seja, colocar a culpa na vítima, não no agressor.

É preciso repetir uma pergunta que muitos analistas fizeram ao longo dos últimos dias: o que o Brasil ganha com esse alinhamento de Lula?

A sequência de gafes e declarações inconvenientes se ampliou quando o presidente disse que “a Europa e os Estados Unidos terminam dando contribuição para a continuidade dessa guerra”. A resposta à provocação veio em tom irritado. “Nós acreditamos que é profundamente problemático como o Brasil abordou de forma substancial e retórica esta questão, sugerindo que os Estados Unidos e Europa de alguma forma não estão interessados na paz ou que compartilhamos a responsabilidade pela guerra”, disse John Kirby, porta-voz de Segurança Nacional da Presidência dos EUA. “Francamente, neste caso, o Brasil está repetindo propaganda russa e chinesa sem olhar os fatos”.

A ascensão de Lula foi vista por muitos como uma forma de tirar o Brasil do isolamento internacional sofrido durante o mandato de Bolsonaro. O comportamento recente de Lula, entretanto, sugere que poderemos continuar a ser vistos com reservas pela comunidade internacional – só que por motivos totalmente diferentes dos de antes. É como se tivéssemos saído de um extremo e caído em outro.

Como se sabe, a sina dos extremistas, em política internacional, é a obliteração ou o ostracismo.

Qual será, diante disso, o destino de Lula?