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Milei será a prova de fogo das alianças entre direita e populistas

Candidato se define como um político de direita, mas suas propostas intrigam até quem está no mesmo quadrante ideológico

Javier Milei: no mercado brasileiro, candidato é visto como "malucão" (Erica Canepa/Bloomberg/Getty Images)
Javier Milei: no mercado brasileiro, candidato é visto como "malucão" (Erica Canepa/Bloomberg/Getty Images)

O candidato à presidência da Argentina, Javier Milei, é conhecido em todo continente latino-americano pelo corte de cabelo extravagante e por ideias que não fazem parte da pauta cotidiana dos políticos da região. Milei se define como um político de direita, mas suas propostas intrigam até quem está no mesmo quadrante ideológico. No mercado financeiro brasileiro, por exemplo, muitos o chamam de “malucão” e questionam a ideia de dolarizar a economia argentina.

No último debate entre os candidatos que disputam a eleição de 22 de outubro (o segundo turno, se houver, será em 19 de novembro), o postulante do partido “La Libertad Avanza”, mais uma vez, deu declarações polêmicas. Questionado se negava o aquecimento global ocorrido nos últimos anos, ele respondeu: “Não nego as mudanças climáticas, o que eu digo é que na história da terra, há um ciclo de temperaturas. Este é o quinto ciclo e a principal diferença para os anteriores é que não existia ser humano, agora existe. Então, todas as políticas que culpam os seres humanos são falsas”.

Não existe exatamente relação consistente entre os argumentos e a conclusão de Milei. Mas o postulante ao cargo mais importante da Argentina, antes de opinar sobre o tema, poderia dar uma olhada no site da NASA – um órgão que pode ser acusado de tudo, menos de seguir a narrativa da esquerda. Em uma página dedicada às transformações climáticas globais, a agência espacial americana diz: “É importante lembrar que cientistas sempre focam nas evidências, não em opiniões. As evidências científicas continuam a mostrar que as atividades humanas (principalmente a queima de combustíveis fósseis) aqueceram a superfície da Terra e as bacias oceânicas, o que por sua vez continuou a impactar o clima do planeta. Essa conclusão é baseada em mais de um século de evidências científicas que formam a estrutura da civilização atual”.

Lembremos também que o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou – em um evento realizado por MONEY REPORT – que havia uma ligação direta entre aquecimento global e a intervenção humana na natureza. Salles é, hoje, um dos principais expoentes da direita brasileira.

Tudo indica que Milei será eleito em novembro (ou ainda em outubro, dependendo de sua votação). Se isso de fato ocorrer, seu governo deve ser seguido com atenção, por dois motivos.

O primeiro é verificar se suas propostas anarcocapitalistas (como a de “dinamitar” o Banco Central) são viáveis e podem consertar a tão combalida economia argentina, que sofre uma decadência firme e constante desde o início do peronismo, nos anos 1940.

A segunda razão é analisar a relação que se estabelecerá entre os direitistas argentinos e um eventual presidente Milei. Em quase todas as vezes que a direita chegou ao poder através do voto na América Latina, o fez através da aliança com algum político populista. No Brasil, isso pôde ser visto com Jânio Quadros, Fernando Collor e Jair Bolsonaro.

No caso desses três políticos brasileiros, há uma característica em comum – impaciência. Acompanhada da tendência para atitudes intempestivas (esse mesmo comportamento é observado no favorito para vencer o pleito argentino).

Javier Milei pode abrir a porta de uma nova dimensão para a direita latino-americana caso obtenha sucesso com propostas que hoje são incompreendidas. Mas, caso não seja bem-sucedido, acionará um alarme entre aqueles que apoiam as propostas de direita: caso isso ocorra, talvez seja melhor trabalhar um candidato puro-sangue, em vez de se encaixar nos adesismos de ocasião. Talvez esteja na hora de se buscar maior consistência ideológica, mesmo que isso signifique perder algumas eleições no início deste processo.