Há descontrole fiscal; como contas públicas tiveram superávit em setembro?
Apesar do superávit assinalado no mês retrasado, os indicadores fiscais apresentados pelo Brasil destoam da maioria dos países emergentes
Da Redação
Publicado em 3 de novembro de 2021 às 13h57.
Aluizio Falcão Filho
Todos os economistas, incluindo aqueles que apoiam o governo federal, concordam em um ponto: há temor por um rombo gigantesco nas contas públicas do ano que vem. Mas, dias atrás, surgiu uma notícia surpreendente: o setor público apresentou superávit de R$ 12,9 bilhões em setembro, contra um déficit de R$ 64,5 bilhões no mesmo mês do ano passado.
Como isso foi possível? Afinal, a impressão que se tem é que o desarranjo vem se arrastando desde 2020, quando o país teve de injetar bilhões na economia. A dúvida procede: se existe receio por uma desorganização fiscal, estaríamos no vermelho desde agora. Mas o Banco Central divulgou exatamente o contrário. Os impostos arrecadados superaram em muito as despesas (sem contas os juros da dívida pública) – e essa contabilidade leva em consideração não só o governo federal, como também estados, municípios e empresas estatais.
Zeina Latif, uma das economistas mais conhecidas do país, foi ouvida por nossa reportagem sobre o assunto. É sempre bom lembrar que, enquanto havia uma espécie de encantamento com o ministro Paulo Guedes ainda em seu primeiro ano de Esplanada, Zeina foi uma das primeiras vozes críticas a surgir, levantando pontos que hoje são repetidos por analistas financeiros tarimbados.
Para ela, o superávit nas contas públicas é fruto de uma conjunção de fatores – mas três chamam a atenção.
O primeiro é a recuperação circunstancial de alguns setores da indústria, que tradicionalmente tem uma carga tributária elevada. Este aumento da atividade industrial criou uma elevação na arrecadação que contribuiu para um número positivo.
Outro ponto tem a ver com o comércio. O segmento informal da economia apanhou muito da pandemia. Muitas lojas pequenas e ambulantes, que não recolhiam todos os tributos, encerraram suas atividades. Mas o público não parou de consumir – e procurou estabelecimentos maiores, com um grau muito maior de formalidade e conformidade com o pagamento de impostos.
Por fim, parte desse aumento decorre da inflação. A alta de preços no atacado, medida pelo IGP-M, foi muito forte – bem mais forte que a do varejo, medida pelo IPCA. Com preços maiores na seara atacadista, os impostos pagos subiram na mesma proporção, trazendo em seu bojo um crescimento na arrecadação.
“Além disso, tivemos um certo artificialismo que veio das contas de estados e municípios”, explica Zeina. Muitos desses estados e municípios conseguiram liminares junto ao Supremo Tribunal Federal para não pagar suas dívidas com a União enquanto o país estivesse vivendo sob a pandemia gerada pela Covid-19. Sem precisar desembolsar recursos para reduzir o endividamento que têm contra o Governo Federal, o resultado líquido apresentado por governadores e prefeitos melhorou substancialmente. Mas essa questão é transitória. Em algum momento, esses débitos contra a União terão de ser quitados.
Apesar do superávit assinalado no mês retrasado, os indicadores fiscais apresentados pelo Brasil destoam da maioria dos países emergentes. Um estudo feito pela MB Associados sobre o tema mostra que, dentro de uma cesta com 19 nações emergentes, o Brasil só está melhor que Argentina e África do Sul. E pior que Colômbia, Peru, Filipinas, Índia, Turquia, Hungria, Chile, México, Tailândia, Polônia, Rússia, Malásia, Indonésia, Vietnã, China e Coréia do Sul.
Trocando em miúdos: este alívio não deve durar por muito tempo. Mais um motivo para o governo se preocupar com as contas públicas e encontrar uma forma mais ortodoxa para viabilizar seus projetos assistencialistas, considerados pelo Planalto essenciais para um ano como o de 2022, de eleição.
Aluizio Falcão Filho
Todos os economistas, incluindo aqueles que apoiam o governo federal, concordam em um ponto: há temor por um rombo gigantesco nas contas públicas do ano que vem. Mas, dias atrás, surgiu uma notícia surpreendente: o setor público apresentou superávit de R$ 12,9 bilhões em setembro, contra um déficit de R$ 64,5 bilhões no mesmo mês do ano passado.
Como isso foi possível? Afinal, a impressão que se tem é que o desarranjo vem se arrastando desde 2020, quando o país teve de injetar bilhões na economia. A dúvida procede: se existe receio por uma desorganização fiscal, estaríamos no vermelho desde agora. Mas o Banco Central divulgou exatamente o contrário. Os impostos arrecadados superaram em muito as despesas (sem contas os juros da dívida pública) – e essa contabilidade leva em consideração não só o governo federal, como também estados, municípios e empresas estatais.
Zeina Latif, uma das economistas mais conhecidas do país, foi ouvida por nossa reportagem sobre o assunto. É sempre bom lembrar que, enquanto havia uma espécie de encantamento com o ministro Paulo Guedes ainda em seu primeiro ano de Esplanada, Zeina foi uma das primeiras vozes críticas a surgir, levantando pontos que hoje são repetidos por analistas financeiros tarimbados.
Para ela, o superávit nas contas públicas é fruto de uma conjunção de fatores – mas três chamam a atenção.
O primeiro é a recuperação circunstancial de alguns setores da indústria, que tradicionalmente tem uma carga tributária elevada. Este aumento da atividade industrial criou uma elevação na arrecadação que contribuiu para um número positivo.
Outro ponto tem a ver com o comércio. O segmento informal da economia apanhou muito da pandemia. Muitas lojas pequenas e ambulantes, que não recolhiam todos os tributos, encerraram suas atividades. Mas o público não parou de consumir – e procurou estabelecimentos maiores, com um grau muito maior de formalidade e conformidade com o pagamento de impostos.
Por fim, parte desse aumento decorre da inflação. A alta de preços no atacado, medida pelo IGP-M, foi muito forte – bem mais forte que a do varejo, medida pelo IPCA. Com preços maiores na seara atacadista, os impostos pagos subiram na mesma proporção, trazendo em seu bojo um crescimento na arrecadação.
“Além disso, tivemos um certo artificialismo que veio das contas de estados e municípios”, explica Zeina. Muitos desses estados e municípios conseguiram liminares junto ao Supremo Tribunal Federal para não pagar suas dívidas com a União enquanto o país estivesse vivendo sob a pandemia gerada pela Covid-19. Sem precisar desembolsar recursos para reduzir o endividamento que têm contra o Governo Federal, o resultado líquido apresentado por governadores e prefeitos melhorou substancialmente. Mas essa questão é transitória. Em algum momento, esses débitos contra a União terão de ser quitados.
Apesar do superávit assinalado no mês retrasado, os indicadores fiscais apresentados pelo Brasil destoam da maioria dos países emergentes. Um estudo feito pela MB Associados sobre o tema mostra que, dentro de uma cesta com 19 nações emergentes, o Brasil só está melhor que Argentina e África do Sul. E pior que Colômbia, Peru, Filipinas, Índia, Turquia, Hungria, Chile, México, Tailândia, Polônia, Rússia, Malásia, Indonésia, Vietnã, China e Coréia do Sul.
Trocando em miúdos: este alívio não deve durar por muito tempo. Mais um motivo para o governo se preocupar com as contas públicas e encontrar uma forma mais ortodoxa para viabilizar seus projetos assistencialistas, considerados pelo Planalto essenciais para um ano como o de 2022, de eleição.