Até quando vamos minimizar os erros de nossos líderes políticos?
Esse comportamento é absolutamente igual entre militantes de esquerda e de direita
Publicado em 4 de maio de 2023 às, 12h51.
Um dos efeitos mais nefastos da polarização é o de minimizar os erros dos líderes das duas principais correntes políticas dominantes no país. Em nome de uma batalha comum, aqueles que cometem erros são alvo de uma compreensão e solidariedade quase que infinitas vindas de seus apoiadores. Os erros são relevados e até justificados. O importante, neste contexto, é bater no inimigo – e proteger os aliados.
Esse comportamento é absolutamente igual entre militantes de esquerda e de direita. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva solta frases politicamente incorretas? Vamos deixar para lá, dizem seus seguidores, pois ele aprendeu com o episódio e evoluiu como ser humano. Jair Bolsonaro é pego no meio de um escândalo envolvendo falsificação de cartões de vacinação? Sua claque se divide entre a negação pura e simples ou dizer que esse é um deslize “menor” e incomparável com os malfeitos petistas revelados pela Operação Lava-Jato.
O caso da falsificação é bastante complicado. As evidências colhidas junto ao celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, são bastante eloquentes e apontam para uma fraude com o propósito de produzir dois cartões falsos de vacinação – um para o ex-presidente e outro em nome da filha, Laura.
Bolsonaro, no entanto, diz que nunca se vacinou, assim como sua filha, e que não pediu para fraudar nenhum documento.
Outra possibilidade
Existe, no entanto, uma terceira possibilidade para o caso. O de Bolsonaro, de fato, não ter apresentado nenhum documento falso no embarque e que os papéis falsos tenham sido emitidos como uma espécie de plano de contingência.
A revista Superinteressante produziu uma reportagem em agosto de 2020, que pode nos dar uma pista sobre o que aconteceu no dia 30 de dezembro, quando Bolsonaro embarcou para Orlando, nos Estados Unidos. Está escrito o seguinte nesta matéria, que explica como funciona o fluxo de passageiros no avião presidencial Airbus VC-1A: “O embarque desses aviões também não acontece nos terminais normais de passageiros. Ele se passa em um terminal militar, onde são feitos os procedimentos de segurança. Os passageiros desses aviões passam por revistas e raio X, assim como em voos comerciais. Acontece que normalmente tudo se passa entre pessoas conhecidas, então não é incomum que os procedimentos sejam menos rigorosos”.
Quando qualquer pessoa embarca para os Estados Unidos em um aeroporto nacional sabe que funcionários da empresa aérea vão fiscalizar os documentos vacinais dos passageiros. Isso ocorre no balcão de check-in, quando todos precisam mostrar seus comprovantes. Como existem “procedimentos menos rigorosos” nesses terminais militares, é bem possível que esses papéis nem tenham sido pedidos. E que, assim, o presidente esteja falando a verdade quando afirma não ter apresentado nenhum certificado para embarcar aos Estados Unidos.
Isso não invalida, porém, os eventuais erros cometidos pelo tenente-coronel Cid. Se for comprovado que ele criou dois documentos falsos e depois deletou-os do banco de dados do Executivo, ele precisa pagar pelos atos ilegais. Se também tivermos a comprovação de algum envolvimento de Bolsonaro nesse caso, o ex-presidente terá igualmente de enfrentar a Justiça.
Qualquer que seja o desfecho deste imbróglio, será uma excelente oportunidade para começarmos a enxergar Lula e Bolsonaro como seres humanos, falíveis, e não como protótipos da perfeição e da conduta irrepreensível. Os dois símbolos máximos da polarização política no Brasil têm telhados de vidro em suas biografias, mas contam com hordas de apoiadores que estão sempre dispostos a passar pano sobre suas ações, sejam elas positivas ou negativas.
Está na hora de enxergarmos o presidente e seu antecessor como eles são: políticos que fazem tudo para insuflar seus apoiadores. Se, no futuro, eles errarem, vamos entender o contexto e criticar aquilo que for necessário – em vez de minimizar o que acontece e tentar botar a culpa nos inimigos de sempre.