Alfred Nobel seria cancelado no mundo de hoje
Poucos lembram que o idealizador da homenagem foi o inventor da dinamite
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Publicado em 4 de outubro de 2023 às 15h52.
Nesta semana, os vencedores do Prêmio Nobel são anunciados – e celebrados. Poucos lembram, entretanto, que o idealizador da homenagem, o químico e empresário sueco Alfred Nobel, foi o inventor da dinamite e se tornou um grande fornecedor de explosivos para exércitos europeus.
Quando seu irmão, Ludwig, morreu, um jornal francês confundiu-se e publicou um obituário sobre Alfred, com o seguinte título: “O mercador da morte está morto”. Uma frase do texto mostra a imagem pública do criador dos explosivos populares naquela época: “Alfred Nobel, que ficou rico encontrando maneiras de matar mais pessoas mais rápido do que nunca, morreu ontem”. Nobel chocou-se com a forma pela qual seria lembrado para a posterioridade e resolveu mudar o jogo, criando um prêmio que exaltasse grandes conquistas da humanidade em cinco categorias.
O próprio Nobel, ao destinar 94 % de sua fortuna para a fundação que administraria a comenda, descreveu o que tinha em mente: “As porcentagens indicadas devem ser divididas em cinco partes iguais, que se destinam: a primeira parte àquele que fez a descoberta ou invenção mais importante no campo da física; a segunda, no campo da química; a terceira, no campo da fisiologia ou da medicina; a quarta, para quem criou a obra literária mais significativa que reflete os ideais humanos; a quinta, para alguém que dará uma contribuição significativa para a reconciliação dos povos, a destruição da escravidão, a redução do número de exércitos existentes e a promoção de um acordo de paz”. Ao final dos anos 1960, o Banco Central da Suécia instituiu uma premiação em memória de Alfred Nobel. Por isso, erroneamente, esta homenagem é chamada de “Prêmio Nobel de Economia”.
Alfred Nobel conseguiu o que queria. Praticamente todo ser humano associa seu sobrenome a um troféu que simboliza os grandes avanços de nossa civilização – e são poucos os que ligam sua figura à morte de pessoas através de explosivos.
Uma pergunta singela: se vivesse nos tempos de hoje, a iniciativa de Nobel vingaria? Ou ele seria cancelado impiedosamente pelas redes sociais, dada a origem de sua fortuna, construída também a partir da venda de dinamite para forças armadas?
Hoje, nada passa pelo crivo dos ativistas digitais. Portanto, o Prêmio Nobel dificilmente teria sucesso em tempos atuais. Haveria um movimento gigantesco para denunciar a manobra do empresário no sentido de maquiar o próprio passado e provavelmente seriam contabilizadas todas as mortes provocadas por dinamite em todo o planeta. Um grande debate polarizado sobre pacifismo e militarismo seria criado e todas as pessoas teriam uma opinião sobre o assunto. Evidentemente, surgiriam os experts de ocasião – internautas que descreveriam minuciosamente o funcionamento de explosivos à base de nitroglicerina e o impacto da produção de seu principal elemento, o ácido sulfúrico, na poluição do planeta.
Como ocorre habitualmente na atualidade, o debate inicial seria ramificado em inúmeras vertentes, que provocariam brigas secundárias e infindáveis. Depois de algum tempo, assim, ninguém mais lembraria da causa inicial da discussão (a relação entre o prêmio e a dinamite), mas todos teriam em mente que Alfred Nobel seria um nome a ser banido do Panteão das boas intenções.
Como o Prêmio Nobel foi instituído em 1895 e a primeira homenagem realizada em 1901, não houve condições para cancelamento algum – e a notoriedade das premiações evitou que se levantasse a bandeira do boicote até os dias de hoje.
Como estamos na semana de premiações, é interessante lembrar de um fato curioso: o Brasil nunca teve um nome indicado ao Nobel. Tratei deste tema em fevereiro deste ano. Um trecho dessa coluna:
“ Ele [Ozires Silva], então, aproveitou para perguntar a esses convidados [membros da comissão julgadora que seleciona os candidatos ao Nobel] a razão pela qual não havia um só brasileiro vencedor desse troféu, talvez o maior reconhecimento de obra existente no mundo. Depois de algumas doses de vodca, um dos jurados respondeu à pergunta: ‘Vocês, brasileiros, são destruidores de heróis’, disse. ‘Todos os candidatos brasileiros que apareceram – ao contrário do que acontece nos outros países, em especial os Estados Unidos… Toda vez que aparece um candidato brasileiro, todo mundo no Brasil joga pedra’.
A pergunta de Ozires faz todo o sentido. Afinal, há vencedores do Nobel em outros países latino-americanos, como Argentina, Chile, Colômbia e Venezuela. No Brasil, entretanto, não há um só vencedor. E a resposta do membro do comitê também é fiel à realidade: os brasileiros são os primeiros a criticar um compatriota. Candidatos não faltaram, do biólogo Carlos Chagas ao físico César Lattes, do médico Vital Brasil à escritora Lygia Fagundes Telles, do político e diplomata Osvaldo Aranha ao médico Adolfo Lutz. Todos devidamente detonados por seus concidadãos”.
Diante disso, repito a pergunta que fiz na ocasião: somos um país de invejosos?
Nesta semana, os vencedores do Prêmio Nobel são anunciados – e celebrados. Poucos lembram, entretanto, que o idealizador da homenagem, o químico e empresário sueco Alfred Nobel, foi o inventor da dinamite e se tornou um grande fornecedor de explosivos para exércitos europeus.
Quando seu irmão, Ludwig, morreu, um jornal francês confundiu-se e publicou um obituário sobre Alfred, com o seguinte título: “O mercador da morte está morto”. Uma frase do texto mostra a imagem pública do criador dos explosivos populares naquela época: “Alfred Nobel, que ficou rico encontrando maneiras de matar mais pessoas mais rápido do que nunca, morreu ontem”. Nobel chocou-se com a forma pela qual seria lembrado para a posterioridade e resolveu mudar o jogo, criando um prêmio que exaltasse grandes conquistas da humanidade em cinco categorias.
O próprio Nobel, ao destinar 94 % de sua fortuna para a fundação que administraria a comenda, descreveu o que tinha em mente: “As porcentagens indicadas devem ser divididas em cinco partes iguais, que se destinam: a primeira parte àquele que fez a descoberta ou invenção mais importante no campo da física; a segunda, no campo da química; a terceira, no campo da fisiologia ou da medicina; a quarta, para quem criou a obra literária mais significativa que reflete os ideais humanos; a quinta, para alguém que dará uma contribuição significativa para a reconciliação dos povos, a destruição da escravidão, a redução do número de exércitos existentes e a promoção de um acordo de paz”. Ao final dos anos 1960, o Banco Central da Suécia instituiu uma premiação em memória de Alfred Nobel. Por isso, erroneamente, esta homenagem é chamada de “Prêmio Nobel de Economia”.
Alfred Nobel conseguiu o que queria. Praticamente todo ser humano associa seu sobrenome a um troféu que simboliza os grandes avanços de nossa civilização – e são poucos os que ligam sua figura à morte de pessoas através de explosivos.
Uma pergunta singela: se vivesse nos tempos de hoje, a iniciativa de Nobel vingaria? Ou ele seria cancelado impiedosamente pelas redes sociais, dada a origem de sua fortuna, construída também a partir da venda de dinamite para forças armadas?
Hoje, nada passa pelo crivo dos ativistas digitais. Portanto, o Prêmio Nobel dificilmente teria sucesso em tempos atuais. Haveria um movimento gigantesco para denunciar a manobra do empresário no sentido de maquiar o próprio passado e provavelmente seriam contabilizadas todas as mortes provocadas por dinamite em todo o planeta. Um grande debate polarizado sobre pacifismo e militarismo seria criado e todas as pessoas teriam uma opinião sobre o assunto. Evidentemente, surgiriam os experts de ocasião – internautas que descreveriam minuciosamente o funcionamento de explosivos à base de nitroglicerina e o impacto da produção de seu principal elemento, o ácido sulfúrico, na poluição do planeta.
Como ocorre habitualmente na atualidade, o debate inicial seria ramificado em inúmeras vertentes, que provocariam brigas secundárias e infindáveis. Depois de algum tempo, assim, ninguém mais lembraria da causa inicial da discussão (a relação entre o prêmio e a dinamite), mas todos teriam em mente que Alfred Nobel seria um nome a ser banido do Panteão das boas intenções.
Como o Prêmio Nobel foi instituído em 1895 e a primeira homenagem realizada em 1901, não houve condições para cancelamento algum – e a notoriedade das premiações evitou que se levantasse a bandeira do boicote até os dias de hoje.
Como estamos na semana de premiações, é interessante lembrar de um fato curioso: o Brasil nunca teve um nome indicado ao Nobel. Tratei deste tema em fevereiro deste ano. Um trecho dessa coluna:
“ Ele [Ozires Silva], então, aproveitou para perguntar a esses convidados [membros da comissão julgadora que seleciona os candidatos ao Nobel] a razão pela qual não havia um só brasileiro vencedor desse troféu, talvez o maior reconhecimento de obra existente no mundo. Depois de algumas doses de vodca, um dos jurados respondeu à pergunta: ‘Vocês, brasileiros, são destruidores de heróis’, disse. ‘Todos os candidatos brasileiros que apareceram – ao contrário do que acontece nos outros países, em especial os Estados Unidos… Toda vez que aparece um candidato brasileiro, todo mundo no Brasil joga pedra’.
A pergunta de Ozires faz todo o sentido. Afinal, há vencedores do Nobel em outros países latino-americanos, como Argentina, Chile, Colômbia e Venezuela. No Brasil, entretanto, não há um só vencedor. E a resposta do membro do comitê também é fiel à realidade: os brasileiros são os primeiros a criticar um compatriota. Candidatos não faltaram, do biólogo Carlos Chagas ao físico César Lattes, do médico Vital Brasil à escritora Lygia Fagundes Telles, do político e diplomata Osvaldo Aranha ao médico Adolfo Lutz. Todos devidamente detonados por seus concidadãos”.
Diante disso, repito a pergunta que fiz na ocasião: somos um país de invejosos?