A importância (ou não) de um adjetivo bem utilizado
Jornalistas, como eu, são pessoas chatas, que têm manias quase insuportáveis
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Publicado em 5 de março de 2024 às 13h28.
Aprendi muito nos dois anos em que trabalhei na redação da revista Veja, no miolo dos anos 1980. Era incrível testemunhar a sintonia entre os principais nomes da redação, José Roberto Guzzo e Elio Gaspari, que faziam a dupla mais espetacular do jornalismo brasileiro. Guzzo, com uma capacidade de edição incrível, o texto mais elegante do Brasil e um julgamento impecável de pautas e ideias para a capa da revista; Elio, por sua vez, era – talvez ainda seja – o melhor jornalista de política do país, dono do raciocínio mais rápido que já passou pelas redações nacionais e capaz de enxergar um lado dos fatos que a maioria dos mortais não conseguia ver.
Pois foi numa dessas noites infindáveis de fechamento que ouvi uma lição proferida por Elio Gaspari, que me influencia até hoje. Era uma sexta-feira e ele comentava uma nota já editada por outro jornalista e, àquela altura, rodando nas impressoras. Tratava-se de um breve texto sobre a futura governadora do Maranhão, Roseana Sarney, que àquela altura não tinha cargo oficial e era conhecida pelo público por ser filha do presidente José Sarney. A tal notinha se referia a ela como a “estonteante Roseana Sarney”.
A hoje deputada, de fato, era – e ainda é – uma mulher inegavelmente bonita. Mas a lógica draconiana de Elio e sua busca pela colocação exata das palavras fizeram-no discordar daquele adjetivo. Ele, então, chamou a redatora responsável por aquelas linhas sobre a filha de Sarney: “Se a Roseana é estonteante, qual adjetivo você vai usar quando escrever uma nota sobre a Luiza Brunet?”. Como se pode ver na foto que ilustra esse artigo, Elio tinha uma certa razão em questionar a jornalista.
Essa história surge em minha cabeça toda a vez que testemunho um adjetivo mal utilizado ou empregado de forma exagerada. Recentemente, ouvi um bilionário se referir a um executivo bem-sucedido como “rapaz brilhante”. Pensei comigo: o cara é inteligente, mas brilhante? E o que vamos falar de mentes espetaculares como as de Steve Jobs e Elon Musk? Também há pouco tempo, um amigo se referiu a um empresário como “gênio”. Eu quase disse: “Alto lá”. Como iremos definir o psicólogo Jordan Petersen? Sei que esse é um nome polêmico e que arrepia quem está no quadrante ideológico de esquerda. Mas, concorde-se ou não com Petersen, ele é genial – e dificílimo de dobrar em um debate intelectual.
Jornalistas, como eu, são pessoas chatas, que têm manias quase insuportáveis. Quando alguém escorrega no português, por exemplo, eu tenho de fazer um esforço enorme para não manifestar meu desgosto ou corrigir a pessoa. O mesmo ocorre quando eu vejo um adjetivo utilizado de forma errada ou exagerada.
Mas, a essa altura do campeonato, eu me pergunto: faz diferença em minha vida ser uma espécie de fiscal das palavras alheias? Eu ganho alguma coisa agindo dessa maneira? Os outros vão se sentir melhor com esse tipo de atitude? Não.
Na verdade, esse comportamento só traz coisas ruins. Ou eu vou me irritar em silêncio ou posso magoar alguém se abrir a minha boca. A mim, só resta curtir o sofrimento calado e a irritação inevitável. A alternativa é cultivar inimizades.
Por isso, mando uma resposta tardia ao colega Elio Gaspari. A redatora poderia, em contraposição à beleza de Roseana, dizer que Luiza Brunet era – ou melhor, ainda é – “magnífica”, “belíssima” ou “esplendorosa”. Além desses, podemos pensar em mais uns vinte adjetivos. Essa é a grande qualidade da língua portuguesa: nosso idioma é insuperável quando procuramos sinônimos para ilustrar nossos sentimentos e impressões.
Aprendi muito nos dois anos em que trabalhei na redação da revista Veja, no miolo dos anos 1980. Era incrível testemunhar a sintonia entre os principais nomes da redação, José Roberto Guzzo e Elio Gaspari, que faziam a dupla mais espetacular do jornalismo brasileiro. Guzzo, com uma capacidade de edição incrível, o texto mais elegante do Brasil e um julgamento impecável de pautas e ideias para a capa da revista; Elio, por sua vez, era – talvez ainda seja – o melhor jornalista de política do país, dono do raciocínio mais rápido que já passou pelas redações nacionais e capaz de enxergar um lado dos fatos que a maioria dos mortais não conseguia ver.
Pois foi numa dessas noites infindáveis de fechamento que ouvi uma lição proferida por Elio Gaspari, que me influencia até hoje. Era uma sexta-feira e ele comentava uma nota já editada por outro jornalista e, àquela altura, rodando nas impressoras. Tratava-se de um breve texto sobre a futura governadora do Maranhão, Roseana Sarney, que àquela altura não tinha cargo oficial e era conhecida pelo público por ser filha do presidente José Sarney. A tal notinha se referia a ela como a “estonteante Roseana Sarney”.
A hoje deputada, de fato, era – e ainda é – uma mulher inegavelmente bonita. Mas a lógica draconiana de Elio e sua busca pela colocação exata das palavras fizeram-no discordar daquele adjetivo. Ele, então, chamou a redatora responsável por aquelas linhas sobre a filha de Sarney: “Se a Roseana é estonteante, qual adjetivo você vai usar quando escrever uma nota sobre a Luiza Brunet?”. Como se pode ver na foto que ilustra esse artigo, Elio tinha uma certa razão em questionar a jornalista.
Essa história surge em minha cabeça toda a vez que testemunho um adjetivo mal utilizado ou empregado de forma exagerada. Recentemente, ouvi um bilionário se referir a um executivo bem-sucedido como “rapaz brilhante”. Pensei comigo: o cara é inteligente, mas brilhante? E o que vamos falar de mentes espetaculares como as de Steve Jobs e Elon Musk? Também há pouco tempo, um amigo se referiu a um empresário como “gênio”. Eu quase disse: “Alto lá”. Como iremos definir o psicólogo Jordan Petersen? Sei que esse é um nome polêmico e que arrepia quem está no quadrante ideológico de esquerda. Mas, concorde-se ou não com Petersen, ele é genial – e dificílimo de dobrar em um debate intelectual.
Jornalistas, como eu, são pessoas chatas, que têm manias quase insuportáveis. Quando alguém escorrega no português, por exemplo, eu tenho de fazer um esforço enorme para não manifestar meu desgosto ou corrigir a pessoa. O mesmo ocorre quando eu vejo um adjetivo utilizado de forma errada ou exagerada.
Mas, a essa altura do campeonato, eu me pergunto: faz diferença em minha vida ser uma espécie de fiscal das palavras alheias? Eu ganho alguma coisa agindo dessa maneira? Os outros vão se sentir melhor com esse tipo de atitude? Não.
Na verdade, esse comportamento só traz coisas ruins. Ou eu vou me irritar em silêncio ou posso magoar alguém se abrir a minha boca. A mim, só resta curtir o sofrimento calado e a irritação inevitável. A alternativa é cultivar inimizades.
Por isso, mando uma resposta tardia ao colega Elio Gaspari. A redatora poderia, em contraposição à beleza de Roseana, dizer que Luiza Brunet era – ou melhor, ainda é – “magnífica”, “belíssima” ou “esplendorosa”. Além desses, podemos pensar em mais uns vinte adjetivos. Essa é a grande qualidade da língua portuguesa: nosso idioma é insuperável quando procuramos sinônimos para ilustrar nossos sentimentos e impressões.